União simpática das almas
REVISTA ESPÍRITA
Jornal de Estudos Psicológicos, publicada sobre a direção de Allan Kardec – Julho de 1862
Bordeaux, 15 de fevereiro de 1862. – (Médium, senhora H…)
P – Já me dissestes várias vezes que nos reuniríamos para não mais nos separar. Como isto poderia se dar? É que as reencarnações, mesmo as que sucedem às da Terra, não separam sempre por um tempo mais ou menos longo?
R – Digo-te: Deus permite àqueles que se amam sinceramente, e souberam sofrer com resignação para expiarem suas faltas, se reunirem primeiro no mundo dos Espíritos, onde progridem juntos, para obter estarem encarnados nos mundos superiores. Podem, pois, se o pedem com fervor, deixar os mundos espíritas na mesma época, se reencarnar nos mesmos lugares, e, por um encadeamento de circunstâncias previstas anteriormente, se reunir pelos laços que melhor convierem ao seu coração.
Uns pedirão para ser pai ou mãe de um Espírito que lhes era simpático, e que ficarão felizes em dirigir no bom caminho, cercando-o de ternos cuidados da família e da amizade. Os outros pedirão a graça de estarem unidos pelo matrimônio e de ver transcorrerem numerosos anos de felicidade e de amor. Falo do casamento entendido no sentido da reunião íntima de dois seres que não querem mais se separar; mas o casamento, tal como é compreendido sobre vossa Terra, não é conhecido nos mundos superiores. Nestes lugares de felicidade, de liberdade e de alegria, os laços são de flores e de amor; e não vás crer que sejam menos duráveis por isso. Só os corações falam e guiam nessas uniões tão doces. Uniões livres e felizes, casamentos de alma à alma diante de Deus, eis a lei de amor dos mundos superiores! e os seres privilegiados dessas regiões benditas, crendo-se mais fortemente ligados por semelhantes sentimentos do que não o são os homens da Terra, que pisam tão frequentemente sob os pés os mais sagrados compromissos, não oferecem o doloroso espetáculo de uniões perturbadas, sem cessar, pela influência dos vícios, das más paixões, da inconstância, do ciúme, da injustiça, da aversão, de todos esses horríveis pendores que conduzem ao mal, ao perjúrio e à violação dos juramentos mais solenes. Pois bem! esses casamentos benditos por Deus, essas uniões tão doces, são a recompensa daqueles que, tendo se amado profundamente no sofrimento, pedem ao Senhor justo e bom continuar nos mundos superiores a se amarem ainda, mas sem temerem uma próxima e terrível separação.
E o que há aí que não seja fácil de compreender e de admitir? Deus, que ama todos os seus filhos, não teve que criar, para os que disso se fizeram dignos, uma felicidade tão perfeita quanto as provas haviam sido cruéis? Que poderia conceder que fosse mais conforme ao desejo sincero de todo coração amante? De todas as recompensas prometidas aos homens, há alguma coisa de semelhante a este pensamento, a esta esperança, eu poderia dizer a esta certeza: estar reunido pela eternidade aos seres adorados?
Crê-me, filha querida, nossas secretas aspirações, essa necessidade misteriosa, mas irresistível de amar, amar por muito tempo, amar sempre, não foram colocadas por Deus em nossos corações senão porque a promessa do futuro nos permitia essas doces esperanças. Deus não nos fará experimentar as dores da decepção. Nossos corações querem a felicidade, não batem senão para as afeições puras; a recompensa não poderia ser senão o cumprimento perfeito de nossos sonhos de amor. Do mesmo modo que, pobres Espíritos sofredores destinados à prova, nos foi necessário pedir e escolher mesmo, algumas vezes, a expiação mais cruel, do mesmo modo Espíritos felizes, regenerados, escolhemos ainda, com a nova vida destinada a nos depurar mais, a soma destinada ao Espírito avançado. Eis, filha bem-amada, um resumo bem sucinto das felicidades futuras. Frequentemente, teremos ocasião de retornar a este agradável assunto. Deves compreender quanto a perspectiva desse futuro me torna feliz, e quanto me é doce te confiar minhas esperanças!
P – Reconhecemo-nos nessas novas e felizes existências?
R – Se não nos reconhecêssemos, a felicidade seria bem completa? Isso poderia ser a felicidade, sem dúvida, porque nesses mundos privilegiados todos os seres estão destinados a ser felizes; mas seria bem a perfeição da felicidade para aqueles que, separados bruscamente na mais bela época da vida, pedem a Deus para estarem reunidos em seu seio? Seria a realização de nossos sonhos e de nossas esperanças? Não, pensas como eu. Se um véu fosse lançado sobre o passado, não estaria aí a suprema felicidade, a inefável alegria de se rever depois das tristezas da ausência e da separação; não estaria aí, ou pelo menos se ignoraria, essa antiga afeição que aperta mais os laços. Do mesmo modo que sobre a vossa Terra dois amigos de infância gostam de se reencontrar no mundo, na sociedade, e se procuram muito mais do que se suas relações não datassem senão de alguns dias, assim também os Espíritos que mereceram o favor inapreciável de se juntarem nos mundos superiores são duplamente felizes, e reconhecem a Deus este novo reencontro, que responde aos seus desejos mais caros.
Os mundos colocados acima da Terra, nos graus da perfeição, são cumulados de todos os favores que podem contribuir para a felicidade perfeita dos seres que os habitam; o passado não lhes é oculto, porque a lembrança de seus antigos sofrimentos, de seus erros resgatados ao preço de muitos males, e aquele mais vivo ainda de suas sinceras afeições, lhe fazem encontrar mil vezes mais doçura nessa nova vida, e os garante das faltas que poderiam, talvez, por um resto de fraqueza, se deixarem ir algumas vezes. Esses mundos são para o homem o paraíso terrestre destinado a conduzi-lo ao paraíso divino.
Nota. – Equivocar-se-á estranhamente sobre o sentido desta comunicação vendo-se nela a crítica às leis que regem o casamento e a sanção das uniões efêmeras extraoficiais. Ante as leis, as únicas que são imutáveis são as leis divinas; mas as leis humanas, devendo ser apropriadas aos costumes, aos usos, aos climas, ao grau de civilização, são essencialmente móveis, e seria muito triste que fosse de outro modo, e que os povos do século dezenove fossem acorrentados à mesma regra que regia nossos pais; portanto, se as leis mudaram de nossos pais a nós, como não chegamos à perfeição, elas deverão mudar de nós aos nossos descendentes. Toda lei, no momento em que é feita, tem sua razão de ser e sua utilidade, mas pode que, boa hoje, não o seja mais amanhã. No estado de nossos costumes, de nossas exigências sociais, o casamento tem necessidade de ser regulado pela lei, e a prova de que essa lei não é absoluta, é que ela não é a mesma em todos os países civilizados. É, pois, permitido pensar que, nos mundos superiores, onde não há mais os mesmos interesses materiais a salvaguardar, onde o mal não existe, quer dizer, de onde os maus Espíritos encarnados estão excluídos, onde, consequentemente, as uniões são o resultado da simpatia e não de um cálculo, as condições devem ser diferentes; mas o que é bom neles poderia ser mal em nós.
De outro lado, é preciso considerar que os Espíritos se desmaterializam à medida que se elevam e se depuram; que não é senão nas classes inferiores que a encarnação é material; para os Espíritos superiores, não há mais encarnação material, e, consequentemente, mais procriação, porque a procriação é para o corpo e não para o Espírito. Portanto, uma afeição pura é o único objetivo de sua união e, para isto, não mais que pela amizade sobre a Terra, não tem necessidade da sanção dos ofícios ministeriais.
Fonte: Revista Espirita 1862 -03-12-08-final.qxp (ipeak.net)