(Da obra Boa Nova)
As elucidações do Mestre, relativamente à oração, sempre encontravam nos discípulos certa dificuldade, quase invariavelmente em virtude das idéias novas que continham, acerca da concepção de Deus como Pai carinhoso e amigo. Aquela necessidade de comunhão com o seu amor, que Jesus não se cansava de salientar, lhes aparecia como problema obscuro, que o homem do mundo não conseguiria realizar.
A esse tempo, os essênios constituíam um agrupamento de estudiosos das ciências da alma, caracterizando as suas atividades de modo diferente, porque sem públicas manifestações de seus princípios. Desejoso de satisfazer à curiosidade própria, João procurou conhecer-lhes, de perto, os pontos de vista, em matéria das relações da comunidade com Deus e, certo dia, procurou o Senhor, de modo a ouvi-lo mais amplamente sobre as dúvidas que lhe atormentavam o coração:
– Mestre – disse ele, solícito -, tenho desejado sinceramente compreender os meus deveres atinentes à oração, mas sinto que minhalma está tomada de certas hesitações. Anseio por esta comunhão perene com o Pai; todavia, as idéias mais antagônicas se opõem aos meus desejos. Ainda agora, manifestando meu pensamento, acerca de minhas necessidades espirituais, a um amigo que se instrui com os essênios, asseverou-me ele que necessito compreender que toda edificação espiritual se deve processar num plano oculto. Mas, suas observações me confundiram ainda mais. Como poderei entender isso? Devo, então, ocultar o que haja de mais santo em meu coração?
O Messias, arrancado de suas meditações, respondeu com brandura:
– João, todas as dúvidas que te assaltam se verificam pelo motivo de não haveres compreendido, até agora, que cada criatura tem um santuário no próprio espírito, onde a sabedoria e o amor de Deus se manifestam, através das vozes da consciência. Os essênios levam muito longe a teoria do labor oculto, pois, antes de tudo, precisamos considerar que a verdade e o bem devem ser patrimônio de toda a Humanidade em comum. No entanto, o que é indispensável é saber dar a cada criatura, de acordo com as suas necessidades próprias. Nesse ponto, estão muito certos quanto ao zelo que os caracteriza, porque os unguentos reservados a um ferido não se ofertam ao faminto que precisa de pão. Também eu tenho afirmado que não poderei ensinar tudo o que desejara aos meus discípulos, sendo compelido a reservar outras lições do Evangelho do Reino para o futuro, quando a magnanimidade divina permitir que a voz do Consolador se faça ouvir entre os homens sequiosos de conhecimento. Não tens observado o número de vezes em que necessito recorrer a parábolas para que a revelação não ofusque o entendimento geral? No que se refere à comunhão de nossas almas com Deus, não me esqueci de recomendar que cada espírito ore no segredo do seu íntimo, no silêncio de suas esperanças e aspirações mais sagradas. É que cada criatura deve estabelecer o seu próprio caminho para mais alto, erguendo em si mesma o santuário divino da fé e da confiança, onde interprete sempre a vontade de Deus, com respeito ao seu destino. A comunhão da criatura com o Criador é, portanto, um imperativo da existência e a prece é o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai de infinita bondade.
O apóstolo escutou as observações do Mestre, parecendo meditar austeramente.
Entretanto, obtemperou:
– Mas, a oração deve ser louvor ou súplica?
Ao que Jesus respondeu com bondade:
– Por prece devemos interpretar todo ato de relação entre o homem e Deus. Devido a isso mesmo, como expressão de agradecimento ou de rogativa, a oração é sempre um esforço da criatura em face da Providência Divina. Os que apenas suplicam podem ser ignorantes, os que louvam podem ser somente preguiçosos. Todo aquele, porém, que trabalha pelo bem, com as suas mãos e com o seu pensamento, esse é o filho que aprendeu a orar, na exaltação ou na rogativa, porque em todas as circunstâncias será fiel a Deus, consciente de que a vontade do Pai é mais justa e sábia do que a sua própria.
– E como ser leal a Deus, na oração? – interrogou o apóstolo, evidenciando as suas dificuldades intelectuais.
– A prece já não representa em si mesma um sinal de confiança?
Jesus contemplou-o com a sua serenidade imperturbável e retrucou:
– Será que também tu não entendes? Não obstante a confiança expressa na oração e a fé tributada à providência superior, é preciso colocar acima delas a certeza de que os desígnios celestiais são mais sábios e misericordiosos do que o capricho próprio; é necessário que cada um se una ao Pai, comungando com a sua vontade generosa e justa, ainda que seja contrariado em determinadas ocasiões. Em suma, é imprescindível que sejamos de Deus. Quanto às lições dessa fidelidade, observemos a própria natureza, em suas manifestações mais simples. Dentro dela, agem as leis de Deus e devemos reconhecer que todas essas leis correspondem à sua amorosa sabedoria, constituindo-se suas servas fiéis, rio trabalho universal. Já ouviste falar, alguma vez, que o Sol se afastou do céu, cansado da paisagem escura da Terra, alegando a necessidade de repousar? A pretexto de indispensável repouso, teriam as águas privado o globo de seus benefícios, em certos anos? Por desagradável que seja em suas características, a tempestade jamais deixou de limpar as atmosferas. Apesar das lamentações dos que não suportam a umidade, a chuva não deixa de fecundar a terra! João, é preciso aprender com as leis da natureza a fidelidade a Deus! Quem as acompanha, no mundo, planta e colhe com abundância. Observar a lealdade para com o Pai é semear e atingir as mais formosas searas da alma no infinito. Vê, pois, que todo o problema da oração está em edificarmos o reino do céu entre os sentimentos de nosso íntimo, compreendendo que os atributos divinos se encontram também em nós.
O apóstolo guardou aqueles esclarecimentos, cheio de boa-vontade no sentido de alcançar a sua perfeita compreensão.
– Mestre – confessou, respeitoso -, vossas elucidações abrem uma estrada nova para minhalma contudo, eu vos peço, com a sinceridade da minha afeição, me ensineis, na primeira oportunidades como deverei entender que Deus está igualmente em nós.
O Messias fixou nele o olhar translúcido e, deixando perceber que não poderia ser mais explícito com o recurso das palavras, disse apenas:
– Eu te prometo.
A conversação que vimos de narrar verificara-se nas cercanias de Jerusalém, numa das ausências eventuais do Mestre do círculo bem-amado de sua família espiritual em Cafarnaum.
No dia seguinte, Jesus e João demandaram Jericó, a fim de atender ao programa de viagem organizado pelo p ri melro.
Na excursão a pé, ambos se entretinham em admirar as poucas belezas do caminho, escassamente favorecido pela Natureza. A paisagem era árida e as árvores existentes apresentavam as frondes recurvadas, entremostrando a pobreza da região, que não lhes incentivava o desenvolvimento.
Não longe de uma pequena herdade, o Mestre e o apóstolo encontraram um rude lavrador, cavando grande poço à beira do caminho. Bagas de suor lhe desciam da fronte; mas, seus braços fortes iam e vinham à terra, na ânsia de procurar o líquido precioso.
Ante aquele quadro, Jesus estacionou com o discípulo, a pretexto de breve descanso, e, revelando o interesse que aquele esforço lhe despertava, perguntou ao trabalhador:
– Amigo, que fazes?
– Busco a água que nos falta – redarguiu com um sorriso o interpelado.
– A chuva é assim tão escassa nestas paragens?
– tornou Jesus, evidenciando afetuoso cuidado.
– Sim, nas proximidades de Jericó, ultimamente, a chuva se vem tornando uma verdadeira graça de Deus.
O homem do campo prosseguiu no seu trabalho exaustivo; mas, apontando para ele, o Messias disse a João, em tom amigo:
– Este quadro da Natureza é bastante singelo; porém, é na simplicidade que encontramos os símbolos mais puros. Observa, João, que este homem compreende que sem a chuva não haveria mananciais na Terra; mas, não para em seu esforço, procurando o reservatório que a Providência Divina armazenou no subsolo. A imagem é pálida; todavia, chega para compreenderes como Deus reside também em nós. Dentro do símbolo, temos de entender a chuva como o favor de sua misericórdia, sem o qual nada possuiríamos. Esta paisagem deserta de Jericó pode representar a alma humana, vazia de sentimentos santificadores. Este trabalhador simboliza o cristão ativo, cavando junto dos caminhos áridos, muitas vezes com sacrifício, suor e lágrimas, para encontrar a luz divina em seu coração. E a água é o símbolo mais perfeito da essência de Deus, que tanto está nos céus corno na Terra.
O discípulo guardou aquelas palavras, sabendo que realizara uma aquisição de claridades imorredouras. Contemplou o grande poço, onde a água clara começava a surgir, depois de imenso esforço do humilde trabalhador que a procurava desde muitos dias, e teve nítida compreensão do que constituía a necessária comunhão com Deus. Experimentando indefinível júbilo no coração, tomou das mãos do Messias e as osculou, com a alegria do seu espírito alvoroçado. Confortado, como alguém que vencera grande combate íntimo, João sentiu que finalmente compreendera.