Os Laços Afetivos da Adoção

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Os laços afetivos da adoção

Carlos Abranches

 

    Somos seres essencialmente afetivos. Estamos ligados a tudo e a todos que nos despertam desejo de vínculo.

   O que caracteriza o ser humano é esse movimento interior de investir energia psíquica sobre coisas e seres aos quais se vincula.

   Uma nova encarnação se confirma pela união de duas células germinativas, cada qual com uma carga de investimento amoroso, motor e motivo de suas aproximações na fantástica trajetória de confirmação da vida.

   Em vista disso, quando o bebê nasce, já traz consigo uma bagagem estrutural de afetos. Anterior a isso, o Espírito que conduz esse processo também já é depositário de valiosas expectativas, plenas de afeição e de carga amorosa dos que se dedicam ao sucesso de mais um projeto reencarnatório.

   Tive contato com o pensamento da psicóloga polonesa Joanna Wilheim, radicada no Brasil desde a infância, quando veio para o país com os pais, fugidos da perseguição nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. Assistente social e psicóloga clínica, Joanna se dedica há mais de 40 anos a investigar os meandros do psiquismo pré e perinatal. Com quase 80 anos, prossegue sendo uma pesquisadora incansável desse tema, além de manter seu trabalho diário como psicóloga, em São Paulo.

   O texto que me chamou a atenção consta do livro Psicologia Pré-Natal.1 Nele, Joanna apresenta os pressupostos fundamentais de seu trabalho. Um dos capítulos tem o título “Vínculos afetivos e o bebê adotado”.

   O argumento fundamental defendido pela autora é o seguinte: imagine um bebê que acabou de nascer, que saiu de dentro do corpo de sua mãe, a qual o albergou durante todo o período inicial de sua existência, e, de repente, se vê privado da possibilidade de retornar ao contato com ela.

   Wilheim ressalta o marcante painel de emoções que agita a frágil intimidade do pequenino ser que, ao nascer, é separado de sua mãe para ser dado em adoção. Os espíritas costumamos considerar a adoção com os olhos da fraternidade e do desprendimento. Inúmeros autores espirituais reforçam essas perspectivas.2

   Entre articulistas, destaco a opinião de Richard Simonetti, ao afirmar que “[…] o filho adotivo constitui sempre um treino dos mais nobres no campo da fraternidade. […] talvez raros serviços na Terra sejam tão compensadores em termos de Vida Eterna”.3

   Hermínio Corrêa de Miranda4 apresenta opinião muito particular e carinhosa sobre o assunto, destacando que “se você percebeu por aquela criança o suave calorzinho do amor, tome-a nos braços e deixe que o amor o inspire. Se não lhe parece aconselhável levá-la para sua casa, mesmo assim dê-lhe seu amor, materialize esse amor em ajuda concreta, não excessiva, não sufocante e não possessiva, mas sob forma de apoio, para que ela possa viver onde está, minorando dificuldades, sem remover de seu caminho os obstáculos de que ela precisa para se fortalecer, ao aprender a superá-los”.

   O que me chamou a atenção no pensamento de Joanna Wilheim é o ponto de vista pelo qual ela analisa a questão – o da criança adotada, de suas emoções, de sua ainda desconhecida capacidade de perceber o que ocorre consigo e que ficará registrado indelevelmente em seu inconsciente, com força bastante para interferir de maneira marcante em seu destino.

   Somos seres necessitados de continuidade. É nela que se revela a coerência das escolhas, o resultado das opções de vida. Assim também ocorre com o bebê. É no espírito da continuidade que ele estabelece sua identidade, e as condições necessárias para isto lhe são dadas pelo contato com os pais.

   Segundo Joanna, a dor que a ruptura deste contato produz na alma do bebê é muito grande. “Uma dor que ele sente sem entender o que sente, porque lhe faltam as ‘ferramentas’ para ele poder ‘se pensar’. Este imenso sofrimento da alma irá se expressar através de sintomas. Será à linguagem do corpo que a alma sofrida irá recorrer”. (Op. cit., p. 203.)

   A psicóloga não se revela contra a adoção, mas assevera a importância de que esse processo seja feito de forma a preservar a integridade da criatura em foco.5 É por isso que ela destaca a importância de os pais adotivos falarem a verdade ao filho adotado sempre que possível, “desde os primeiros momentos da convivência”.

   A condição ideal de uma adoção bem-sucedida, de acordo com a terapeuta, ocorre quando se preserva o sentimento de acolhida, sem que os pais se esqueçam de que o pequeno ser que passa aos seus cuidados foi, em primeiro lugar, rejeitado.

   Ela pede que imaginemos a situação de um ser que passou nove meses de sua experiência intrauterina recebendo mensagens negativas de sua mãe: “eu não vou poder ficar com você”, “vou me livrar de você logo que você nascer”.

   Ao agir assim, a mãe biológica evita vincular-se ao bebê que traz dentro de si, numa manobra psicológica defensiva para se proteger de sofrer.

   E quais seriam as condições ideais de adoção? Para a psicóloga, seria fundamental que os pais adotivos estivessem presentes no nascimento do bebê, para lhe assegurar uma continuidade de ser. Para ela, o ideal seria que, logo depois de nascer, o bebê, após sentir o cheiro do corpo de sua mãe biológica, possa ser colocado em contato com o corpo de sua mãe adotiva.

   Ela diz ainda que “se esse pequeno ser puder levar consigo uma peça de roupa com o cheiro de sua mãe biológica, eventualmente uma gravação da voz dela, explicando porque precisa deixá-lo aos cuidados de outra mulher, estariam criadas as condições que se aproximariam das ideais”. (Op. cit.,p. 111.)

   Observando a dramática situação em que inúmeros recém-nascidos abandonados têm sido encontrados, quando não são vítimas de aborto (o noticiário comenta vários casos de bebês jogados em rios, em latas de lixo ou terrenos baldios), percebe-se que estamos ainda muito distantes das condições ideais sugeridas pela nobre psicóloga.

   Mesmo assim, é nosso dever destacar os aspectos elevados da decisão de adotar uma criança, independentemente da melhor situação para que isso ocorra.

  Sabemos que, por trás de uma opção desse teor, inúmeros mecanismos da realidade espiritual estão sendo operados para promover alterações significativas nos quadros cármicos das pessoas envolvidas.

   Adotar é, antes de mais nada, um ato de amor e de desprendimento. Tenhamos nós a sensibilidade apurada o suficiente para que, se decidirmos realizar esse gesto, o façamos com a grandeza do sentimento de amor paternal, depositando no ser que entra em nosso lar todo o desejo de resgatar em nós a dignidade de sermos pais fiéis e amorosamente dedicados a nossos filhos do coração.

Referências:

1 WILHEIM, Joanna. O que é psicologia pré-natal. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1997.

2 Leia-se, por exemplo, o caso de Marita, em Sexo e destino (psicografado por Francisco C. Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito André Luiz). Primeira Parte, capítulo 7, (Ed. FEB). Ainda pela mediunidade mediunidade de Francisco C. Xavier, Emmanuel relata a experiência do jovem Silano, neto adotivo de Cneio Lucius, em Cinquenta anos depois, (Ed. FEB).

3 Artigo publicado em Brasil Espírita, 1972, sob o título “Filhos adotivos”, p. 2.

4 MIRANDA, Hermínio C. Nossos filhos são espíritos. Rio de Janeiro: Lachâtre, 1993. p. 54.

5 Joanna é enfática no que se refere à prática das barrigas de aluguel. Ela considera essa decisão contrária à saúde emocional do bebê. Afirma que “não devemos esquecer nunca que a primeira relação – a pré-natal com a mãe biológica – é uma relação de paixão. É ela que estabelece os sulcos sobre os quais todas as demais paixões da vida serão buscadas e irão se moldar”. A psicóloga acredita que o ser humano vai passar a vida buscando reencontrar essa paixão perdida.

Reformador – Dezembro/ 2008

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