O Ser e o Tempo

Dalmo Duque dos Santos

“Mas de onde se origina ele? Por onde e para onde passa quando se mede?

De onde se origina ele senão do futuro? Por onde caminha senão pelo presente? Para onde se dirige senão para o passado? Portanto, nasce naquilo que ainda não existe, atravessando aquilo que carece de dimensão para ir para aquilo que já não existe” – Santo Agostinho

A Natureza possui como marca essencial os seus ritmos, que dão vida aos fenômenos e significado para eventos. É assim que as coisas acontecem, cada qual a seu modo e com suas características próprias: na pulsação cósmica, nas estações, períodos climáticos, nas marés, nos ventos, nas perturbações telúricas, fisiológicas e sociais, nos ciclos de reprodução, migrações, etc. No aspecto humano, os ritmos tomam significados mais complexos, como os ciclos biológicos e psíquicos. Na maioria desses ritmos encontramos a presença inexorável e enigmática do tempo.

Somente os seres humanos mais evoluídos possuem a faculdade da consciência, isto a percepção de si mesmos e da realidade em que vivem. Isso acontece quando, através das inteligências, superamos os instintos e passamos a agir na solução de problemas fazendo escolhas. Sabemos que existimos e que somos parte de um sistema de vida social de muitas articulações, fazendo com que a nossa percepção e atuação sejam sempre em dois aspectos distintos: o individual, o nosso EU e a nossa personalidade; e o coletivo, que é a nossa identidade social, na família e na sociedade.

A consciência é, portanto, um fenômeno histórico, pois é a soma desse dois aspectos da percepção da realidade, o individual e o coletivo, e se amplia na medida em que o ser amadurece pelas experiências. Ao fazer essa relação de si mesmo com o mundo ao seu redor, o ser percebe o funcionamento das coisas e da sua própria constituição orgânica e psíquica. Isso acontece através da percepção do outro e do tempo ou duração das coisas. Tudo passa por um processo histórico, de causas e efeitos, e tem um tempo a ser equacionado, um início, um meio e um fim. Os animais só percebem o tempo através de coisas concretas, como os fenômenos físicos naturais: clima, o dia e noite, as luas, as estações do ano, etc. Já o ser humano vai além disso e passa a observar o tempo de forma abstrata, matematicamente, vendo inclusive a possibilidade de interferir, não na duração, mas na distribuição da sua utilidade, de acordo com a suas necessidades. Assim como há a possibilidade de intervir na Natureza, em função da produção de recursos, por exemplo, é possível fazer o mesmo com o tempo, transformando o tempo integral em períodos específicos fragmentados: tempo pessoal e tempo social : trabalho, repouso, lazer, obrigações sociais, voluntariado, etc. Tudo isso é o tempo absoluto, o todo, e também o tempo relativo, em partes, dependendo de quem e como observa; é ainda o tempo histórico, ou seja, a relação que fazemos entre o presente, o passado e o futuro. O inverso de tudo isso é a alienação, que é a condição natural dos animais irracionais, e também a recusa que muitas vezes fazemos em tomar ciência das coisas que estão acontecendo. Quando fazemos essa escolha de ignorar os fatos, estamos provocando voluntariamente a nossa alienação, o que é de certa forma uma violação da consciência. Temos a liberdade de agir dessa forma, mas pagamos um alto preço por essas decisões, pois toda ação tem uma reação correspondente, em todos os planos da vida, incluindo na vida psíquica. Isso significa que tudo é possível, mas tudo tem uma conseqüência inevitável. É por isso que a alienação deliberada é uma violência, uma espécie de suicídio da consciência, um crime contra a Natureza e a Criação Divina. Essa é a causa dos sofrimentos humanos, quase sempre gerados pelas tentativas vãs de burlarmos a realidade ou fugir de nós mesmos. Não é coincidência ou por “imperfeição da matéria” que vemos ao nosso redor milhares de seres alienados mentalmente, loucos e impedidos de liberdade de ação e raciocínio.

Geralmente, nesses casos, os acidentes da Natureza são precedidos de incidentes provocados pela imaturidade humana. Quase sempre o despertar da consciência é doloroso, sendo raros os casos em que o ser o faz espontaneamente. Isso também nos leva a refletir por que essas primeiras lições ocorrem em mundos imperfeitos e geralmente sob circunstâncias contraditórias. A transição entre o Instinto e a Consciência é que marca essas experiências recheadas de tensões e sofrimentos. Temos necessidades fundamentais[12] e que precisam ser satisfeitas em nossos campos de percepção (psicológicas) e de atuação (biológicas e sociais): aliment ação, sono, sexo, contato físico, amor, aceitação, afeição, independência, status, realização, prestígio, reconhecimento social. Tais necessidades geram uma tensão permanente, causada pela busca de alívio e finalmente a realização. Se o alívio não for possível, nos frustramos.

Exatamente por termos a liberdade de escolher, e também de abusar da escolha, nas circunstâncias em nos que sentimos ameaçados na satisfação das nossas necessidades, lançamos mão do recurso das fugas e partimos para os ataques em diversos graus de comprometimento, desde os pequenos deslizes até os erros mais graves e de conseqüências drásticas. A fuga é uma opção e não uma regra, mesmo porque muitas fugas são atitudes que agravam os efeitos dos erros cometidos anteriormente. Em muitas ocasiões as fugas funcionam como alternativas temporárias, até que tenhamos maturidade para enfrentar a situação. Mas elas não podem persistir como situação permanente, pois isso afeta o processo natural de evolução do ser. Uma analogia bem simples para entender isso são os objetos que são introduzidos por acidente ou são implantados num corpo com a intenção de corrigir uma falha orgânica. É uma alternativa possível, mas, por serem estranhos ao conjunto, podem naturalmente ser rejeitados e repelidos. Assim também são as fugas que, numa determinada altura, já não são mais aceitas, pois atingiram o limite imposto pela Evolução. Se houver persistência, o ser é envolvido em situações fora do seu controle, caracterizando até um certo determinismo, forçando-o a atuar de forma consciente diante dos problemas. Isto é a expiação, o que vulgarmente se chama de “armadilhas do destino”.

Mas o despertar da consciência ocorre somente quando começamos a dialogar com o nosso “Eu”. Esse diálogo é como entrar pela primeira vez, sozinho, numa caverna escura. Para vencer o medo da escuridão temos que adquirir confiança em nós mesmos e procurar um “EU” até então desconhecido que vivia apartado da nossa realidade. Iniciamos o diálogo com perguntas de autoreconhecimento – Quem sou Eu? De onde vim? Para onde vou? – e que são as chaves que abrem as primeiras portas da consciência, as primeiras que conseguimos visualizar, pois muitas outras ainda permanecerão ocultas e fora da nossa percepção comum. As demais portas somente serão abertas na medida em que formos compreendendo algumas verdades. A Verdade é uma só, integral, mas para os seres humanos ela ainda é parcial, fragmentada em pequenas verdades. Deu s é uma Verdade integral da qual temos apenas noções e intuições, uma realidade que ainda não temos capacidade de compreender em sua totalidade. Nossa relação com a Natureza e com o Universo é semelhante: só entendemos na medida que a informações encontram um eco, o momento propício para serem reveladas, como se fosse um parto de compreensão. O momento propício é a nossa maturidade intelectual e emocional. Então, a busca de Verdade é uma forma de desenvolvimento da consciência, que acontece quando entramos num processo de conflito entre o EU exterior e o EU interior. Ora estamos voltados para as coisas do mundo interior, ora para as coisas do exterior, numa luta dialética constante na qual, em alguns momentos, encontramos pontos de equilíbrio. Nesses pontos é que ocorrem as revelações. As revelações não são a causa das mudanças que se operam em nós, mas alavancas que concretizam uma transformação que já havia sido iniciada antes. Esse é o motivo pelo qual, muitas pessoas, mesmo tendo contato direto com os fenômenos, não são afetadas pelas revelações. São frutos ainda verdes e insensíveis. Outros já um pouco mais interessados, mas ainda imaturos, quando sofrem um amadurecimento forçado, se mostram aparentemente transformados e preparados para satisfazer o apetite da Verdade, mas, por dentro, conservam-se sem o sabor essencial. Mas revelação não ocorre somente no campo religioso; ela é, antes de tudo, filosófica e também científica. A revelação mística que transformou o jovem o príncipe Sidarta Gautama num velho Budha é a mesma que transformou o jovem Newton num ícone da Física moderna. Einstein deixou um testemunho escrito de que sua teoria da relatividade e compreensão da mecânica do Universo foi produto de um sonho, sonho que segundo ele foi tão real quanto estar participando de um filme simultaneamente como ator e espectador.

Referências:

[12] “Um Curso para Líderes” – Allankardec Gonzalez – CVV-Ribeirão Preto.

Artigo Reproduzido com Autorização do Autor

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