(Reproduzido do site: www.bvespirita.com)
ADEP
Numa conferência proferida na cidade do Porto, no Núcleo Espírita Cristão, há alguns anos Divaldo Franco prendeu a atenção de um vasto auditório, superlotado. Extraímos um pedacinho.
«A pessoa necessita de alguém para a ouvir. Todos vivem os seus problemas e anseiam falar deles, embora raramente encontrem quem os queira ouvir», afirma Divaldo Pereira Franco.
Por hábito, ouve as pessoas que quiserem conversar um pouco, ao terminar a conferência semanal no centro com que colabora, em Salvador da Baía. Não é o único a fazê-lo: há um grupo de companheiros que também apoiam esse atendimento pessoal.
«É tão curioso: as pessoas vêm pedir-me um conselho e falam, falam, falam. Eu deixo.
Então noto: a pessoa é que me está a aconselhar…», comenta, com humor.
Divaldo Franco escuta umas 40 a 60 pessoas por noite, o que às vezes implica ficar ali até às 3 da manhã. Ainda por cima faz isso de pé, pois se Divaldo se senta os interlocutores demoram mais a dar a vez ao próximo. Brinca: «Se me sentar, a pessoa não sai nem na outra encarnação!». Tem experiência, faz isso já há cerca de 50 anos.
«Numa dessas vezes, atendia uma senhora, e na fila ainda faltava falar com umas dez pessoas». Divaldo Franco palestra de pé durante uma hora e permanece de pé até que a última personagem da fila seja atendida.
Estava ele a conversar com essa senhora quando, de repente, chegam quatro pessoas: um homem de 48 a 50 anos, moreno, agitado, uma moça manietada com uma camisade-forças e dois encorpados enfermeiros psiquiátricos.
A rapariga ficou sentada e o cavalheiro dirigiu-se a Divaldo, nervoso. Olhou o relógio: 1.30 h. da madrugada. Diz esse senhor:
– Sr. Divaldo, lamento muito, mas vou interrompê-lo.
– Não vai, não.
– Porque não?!
– Porque eu não o vou atender. Eu vou terminar.
«Nós temos que educar as pessoas», afirma. O visitante insiste:
– Sr. Divaldo, o meu caso é urgente. Trago-lhe a minha filha. Olhe, note bem: o médico dela é um famoso psiquiatra, e ele disse-me para levá-la a um tal Divaldo Franco, que existe por aí, porque essa gente metida nessas coisas às vezes até consegue, por sugestão, libertar o doente.
– Muito bem, mas vai esperar na mesma! – conclui Divaldo.
E continuou a falar com a senhora: «Queria testá-lo», explica.
– Mas, sr. Divaldo…
– Esta senhora chegou de tarde, tirou uma ficha e o senhor quer passar-lhe à frente, chegando à 1.30 h. da manhã? Onde está a sua caridade para com ela, que é uma senhora de idade? Olhe, meu amigo, não há qualquer obrigação de o senhor ficar. Sai, e na passagem o senhor levanta o dinheiro.
– Qual dinheiro?
– O que o senhor pagou…
– Não paguei nada!
– Então não vejo porque é que está aborrecido. Eu só o atenderei na sua hora.
Duas e quinze da manhã, ele estava sentado com a filha. Levantava-se, agitado. Ela grunhia, atada à camisa-de-forças, movia-se com dificuldade, olhar esgazeado.
Quando terminou o diálogo com a senhora, atendeu outras pessoas na fila, até que chegou a vez daquele homem. Divaldo perguntou:
– Muito bem. Que se passa com a moça?
– A minha filha sofre de esquizofrenia.
– Há quanto tempo?
– Há sete meses.
– Então não é uma emergência: não é uma pessoa que está doente há sete meses que não pode esperar meia hora. Está internada no sanatório?
– Está.
– Mas o sanatório é para isso: ela está agitada, toma um calmante…
Trocaram mais algumas palavras, até que o interlocutor assinala:
– Olhe, sr. Divaldo, eu não acredito em Deus, não acredito em espíritos e não acredito em si.
«Vi logo que ele era muito mal-educado, mas sorri, ele estava doente», refere o conferencista. Continua:
– Mas qual é o problema?! Não é importante o senhor acreditar em Deus, o importante é Deus acreditar em si. Porque a sua opinião, que valor tem ela?
O conferencista fica ao lado da mesa, instala uma cadeira. Na hora própria, atende o homem precipitado:
– Faça o favor.
– O senhor não pode vir aqui?
– Não, não posso.
«O povo adora superstição», por isso Divaldo usou o humor:
– Olhe, os guias estão aqui. Eu posso ir aí, mas eles não vão…
Resolveu logo o problema. Quando ele veio, perguntou-lhe:
– Qual é o nome da menina?
– Cibele.
Ela ficara a uns 5 metros, agitada, frágil. «Senti uma ternura, uma onda de simpatia (poderia ser, quiçá, minha neta). Havia nela tanto sofrimento, e eu percebi que não era loucura. Eu pude ver ao seu lado um espírito, um jovem perturbador. Ele olhava-me, tresloucado», relembra.
– Ela está doente há sete meses?
– Sim, subitamente enlouqueceu, depois de uma discussão que nós tivemos. Internei-a.
O médico já lhe aplicou de tudo: electrochoques, barbitúricos…
– O importante agora é tirar a camisa-de-forças à menina.
– Divaldo! Isto é um Satanás. Se eu fizer isso, ela vai rebentar tudo.
– Não se preocupe. Está tudo pago. Pode deixar quebrar…
– Ah, eu não tenho coragem! Senhor Divaldo, o que eu quero saber é o seguinte: ela vai ficar boa? Eu já tenho até pensado no suicídio!
– Daqui ninguém sai com desesperança. Faça o favor de ficar ali sentado.
«Virei-me para os enfermeiros e mandei tirar-lhe a camisa-de-forças. Eles disseram que não tiravam, porque ela era violenta, e que eram cinco para a vestir», recorda Divaldo Franco. Insiste:
«Estamos a perder tempo. Nesta casa ninguém fica amarrado. Se não lha tirarem, eu vou embora, porque ainda terei que viajar 30 km. O senhor não está a falar com um leviano.»
Eles tiraram a camisa-de-forças. «Cibele avançou, ergueu os braços para me golpear».
Quando chegou perto, com calma Divaldo falou-lhe:
– Meu irmão! . . .
O pai, que estava sentado ali perto, gritou, decepcionado:
– É uma moça! ;. . .
– Ao senhor peço-lhe que não me ajude, por favor. – Meu irmão…, disse ao espírito.
Ela pára. Divaldo olha para o espírito e continua, com afecto:
– És um covarde. Estás a utilizar a ignorância desta família para estender esta tragédia.
Cibele, incorporada, rodou nos calcanhares e apontou o pai:
– Culpa dele! O meu nome é Celso. Pergunte-lhe quem sou.
– Não é preciso, eu acredito em ti.
– Aquele homem é um miserável, explorou-me. A minha mãe morreu, deixou-me com ele, que era meu padrinho. Eu tinha 13 anos. Esse miserável fez-me trabalhar até à exaustão, e quando não pude mais pôs-me fora da firma, sem me conceder direitos, porque nunca me inscreveu na Segurança Social. E eu tive tanto ódio dele, tanto, que tive uma dor estranha no peito. Eu morri. Morri, mas não sabia o que acontecera. Fiquei numa espécie de névoa, de treva, de dor, e fiquei, desesperado, à espera, até que um dia, que não sei quando foi, senti-me na sala de jantar da casa dele. Ele discutia com a filha.
Quando vi o bandido, fui tomado de horror. Acerquei-me da menina: eu não sabia que estava morto, e quando me acerquei dela ela tremeu. Eu então proferi uma blasfémia, ela repetiu. Eu percebi que ela falava por mim. Então eu quis dar-lhe umas bordoadas.
Avancei, ela avançou, dei-lhe uma bofetada, travámos uma luta e passei a dominá-la.
Hoje eu sei que estou morto, eu sei que ela é um instrumento fácil e vou fazer com que ele se mate, para quando chegar aqui eu o apanhar e continuar a minha vingança.
– Mas, Celso, não te parece que algo está errado!? Odeia-lo?
– Sim.
– Queres vingar-te?
– Sim!…
– Então perdoa-lhe.
– Nunca!
– Celso, ele deve-te, e a justiça cobra… Não é necessário que te faças cobrador.
– Mas ele matou-me!
Divaldo lembrou-se que ele tinha perdido a mãe com 13 anos. Indaga:
– Celso, há quanto tempo morreste?
– Não sei.
– Diz-me uma data qualquer.
Ele falou-lhe de uma festividade natalícia, e Divaldo calculou que ele estaria morto há uns sete anos.
– Já te encontraste com a tua mãe?
– Não.
– A tua mãe amava-te?
– Ah, sim!
– Ela morreu, Celso, há uns 20 anos. Estás no mundo espiritual há sete. Sabes por que razão é que ela ainda não veio ter contigo? Porque o ódio te coloca numa faixa baixa, a que os católicos e protestantes chamam Inferno. A consciência dela não consegue descer onde tu estás. É necessário que subas, que te libertes do ódio. Vamos orar?
«Nesse momento, meus amigos, vi entrar uma senhora modesta, do povo. Ela chegou até mim e pediu: “Dê-me o meu filho outra vez”», evoca Divaldo Franco.
– Celso, lembras-te que quando eras criança a tua mãe colocava-te no joelho (como era costume no Nordeste do Brasil), juntava as mãos e recitava o Pai Nosso?
– Sim…
– Vamos orar?
Celso ora, com voz trémula. Quando chega ao «perdoai as nossas dívidas», chora:
«Eu não posso!»
Deu um grito:
«Mãe!…»
«Eu vira-a – assinala Divaldo – . Ela retirou-o da jovem obsidiada, carregou-o e reapareceu a expressão de Cibele na própria Cibele antes em transe. A menina ficou aturdida, a bambolear-se; eu segurei-a, sentei-a, encostei a cabeça no meu quadril; meio minuto depois ela abriu os olhos (o pai estava sentado ao lado); olhou-o:
– Pai, eu estou com tanta fome.
– Sr. Divaldo, ela já está boa?
– Ainda não. Ganhámos a primeira batalha, mas ainda não acabou a guerra, porque o senhor deve a esse espírito!
– Ah…
– Não se justifique, meu senhor. Tenha a nobreza de reconhecer que o senhor está errado. Pelo menos agora, em homenagem à sua filha. Justificar-se a mim é pura perda de tempo. Agora o importante é levá-la para casa. Ela está lúcida, mas ele vai voltar. O senhor vai ter que atender a vários compromissos, é inevitável. Ele terá necessidade de retornar, para o convívio.
– Mas, sr. Divaldo…
– O senhor faça o que quiser, mas se Cibele fosse minha filha levava-a para casa.
Ele leva a menina, mas ainda insiste:
– E agora?
– O senhor telefone ao psiquiatra e diga que, por coincidência, ela ficou melhor.
Telefone ao médico de clínica geral, porque ela está muito debilitada, necessitará de uma terapia especializada.
Ele saía, mas perguntou:
– Sr. Divaldo, quanto lhe devo?
– O senhor deve-me uma alta soma!
– Mas quanto tenho que pagar-lhe?
– Não sei se o senhor tem condições. O preço é elevado, é melhor que não o saiba.
– Mas eu não gosto de ficar a dever favores.
– Então leia «O Livro dos Espíritos». O meu preço é este livro. Não faça de conta: um dia vou perguntar-lhe, e se o senhor disser que o leu irei fazer-lhe perguntas. Está bem o preço? Esse livro é o mapa do tesouro, e o senhor vai ter que estudar muito para encontrar o tesouro.
Os dois enfermeiros ainda se olhavam, um deles balançava a camisa-de-forças:
– E agora, o que é que nós fazemos?…
– O que farão, não sei. O que sei é que me vou embora. Mas o senhor chega ao sanatório, entrega a camisa-de-forças e conta o que se passou aqui.
– Eu? Se conto, colocam-me a camisa-de-forças a mim! – exclama o enfermeiro.
«Era uma quinta-feira. Na terça-feira seguinte reapareceram. Assistiram à reunião, despediram-se. Voltaram. Relacionaram-se. Entretanto, a menina educou a mediunidade.
«Ela namorou, o casal foi lá ao centro, conhecêmo-los, casaram, tornaram-se colaboradores da instituição. Nalgumas reuniões mediúnicas, Celso manifestou-se várias vezes, quer por mim quer por ela. Tornou-se um amigo.
«Estava, depois, numa reunião mediúnica posterior quando Celso me apareceu:
“- Divaldo, eu vou reencarnar.
– Aonde?
– Aqui, em Salvador.
– Mas por quem?
– Por ela…
– Ah! Quero ver esta reencarnação: o neto e o avô!”
Sorriu, e Celso continuou:
“- Vai ver, Divaldo. Eu vou cobrar do velho…
– Cobre, meu filho!”
«Ela voltou uns meses depois, e disse que estava grávida.
“- Vai ser um menino!…
– Mas, como sabe?
Divaldo disfarça:
– É um palpite.”
Nasceu o menino.
O avô, babado:
«É a criança mais linda do mundo. Parece-se comigo! Divaldo, eu fiz uma caderneta de poupança para o meu neto de 10 mil dólares. O que acha?»
No primeiro aniversário, esse senhor repetiu a dose.
Com o passar dos anos, o avô cada vez se encanta mais com o neto. Hoje, Celso reencarnado está com 12 anos de idade. Divaldo não contou ao avô quem era este neto.
São as leis da vida.
(Relato extraído de uma conferência de Divaldo Franco, proferida no Porto em Abril de 1996 reproduzido com autorização da ADEP)