Entrevista com Simão Pedro
(Do site: www.uevc.com.br)
Simão Pedro é Professor universitário, Contabilista e Historiador, com Mestrado em Educação e com Especialização em Administração (Gestão Empresarial), História Moderna e Economia Contemporânea. É Diretor do Conselho Espírita Municipal e da Sociedade Espírita Casa do Caminho em Patrocínio-MG. Este ano ele participou da 56ª Semana Espírita de Vitória da Conquista, como expositor.
OÁSIS. Como você vê o estado atual da humanidade?
Simão – Uma sociedade tecnificada, instruída e voltada para a busca do bem estar material, mas distante, em grande parte, do sentimento de fraternidade real. A sabida e percebida desigualdade social não é sentida pelas pessoas que, individualizando-se, esquecem-se da solidariedade e da ajuda mútua. Como bem disseram os Espíritos, teremos sempre desigualdades, pois estamos, individualmente, em momentos evolutivos distintos, mas precisamos, mesmo na desigualdade, vermo-nos como semelhantes e merecedores de atenção e cuidado. É preciso que entendamos melhor, dentre outras, a Lei de Sociedade, tão bem apresentada em O Livro dos Espíritos.
OÁSIS. Você acredita que as religiões faliram no seu papel de conduzirem o ser humano para a conquista da paz e de o auxiliarem no seu processo de espiritualização?
Simão – Não usaria esse verbo, principalmente no passado, pois nada é estanque. Estamos em processo de crescimento, de amadurecimento e as religiões desempenham um papel importante nesse contexto. É verdade que muitas religiões se cristalizam e não contextualizam seus ensinos. Vivemos em tempos distintos daqueles nos quais as religiões, em grande parte, surgiram. Algumas “verdades” de outrora, hoje, precisam ser repensadas para que os profitentes possam ter um norte seguro para a vida em sociedade e, também, para uma vida em “comunhão” com Deus. Vale lembrar que as religiões não existem apartadas dos religiosos; na verdade, os religiosos fazem as religiões, assim, em vez de enfatizarmos a religião, colocando-a como “responsável” pelas nossas ações e crenças, enfatizemos os “religiosos”, pois somos nós os artífices das nossas vidas e os responsáveis pelas ideias que apregoamos. Se há falência, talvez não seja das religiões, mas dos religiosos que as compõem.
OÁSIS. O que é a “salvação”, tão apregoada pelas religiões tradicionais, na visão espírita?
Simão – A salvação não vem de fora. Embora respeitemos quem pensa de outra forma, os Espíritos foram claros quando, respondendo à questão 621 de O Livro dos Espíritos, disseram que a lei de Deus está escrita em nossa consciência. Isso denota que a “salvação” é de dentro para fora. É um ato pessoal. Deus nos dá oportunidades várias para nosso progresso, permitindo-nos semear e colher os frutos da semeadura. Dá-nos Ele todo o ferramental para cuidarmos da nossa evolução. Temos o livre arbítrio para escolhermos nossos rumos, deixando para nós mesmos as responsabilidades das nossas escolhas. Temos os ensinos do Cristo a nos guiar, os benfeitores espirituais a nos orientar, mas a escolha é nossa. Não nos faltará, nunca, o amparo de Deus – a reencarnação é uma demonstração clara desse amparo – a nos fortalecer. A lei de Deus, entendida como Lei Natural, tem como objetivo a nossa felicidade. Basta lermos a questão 614 de O Livro dos Espíritos. Diz-nos os espíritos, respondendo a essa questão, que “o homem só é infeliz quando dela (da Lei Natural) se afasta”.
OÁSIS. Como está a mediunidade hoje no âmbito da ciência?
Simão – No passado cientistas e estudiosos se preocuparam em estudar os fenômenos mediúnicos sob a ótica da academia. William Crookes, Cesare Lombroso, dentre outros, deram boas contribuições para o entendimento dos fenômenos espirituais, valendo-se de estudos sérios e com metodologia científica.
Hoje, estudiosos continuam tentando entender o fenômeno mediúnico, valendo-se de meios científicos para tanto. No Brasil, dentre outros, o Prof. Sérgio Felipe de Oliveira, psiquiatra, mestre em ciências pela USP e nela professor, desenvolve interessantes estudos sobre a mediunidade, sobre a glândula pineal, valendo-se de metodologia científica e aparelhagem para mapeamento cerebral e outros exames. Carlos Augusto Perandréa estudou a psicografia valendo-se da ciência grafoscópica, cujos resultados estão contidos no livro A psicografia à luz da grafoscopia. Sônia Rinaldi desenvolve estudos na área da transcomunicação. No exterior há, também, estudos acerca do fenômeno mediúnico. O Prof. Gary Schwartz, da Universidade do Arizona (USA), publicou no Journal of the society for psychical research, de Londres, interessante artigo sobre a percepção mediúnica. Estudos sérios são e serão conduzidos sobre a mediunidade, que, sem dúvida é uma realidade e desperta grande interesse em pesquisadores da comunidade científica.
OÁSIS. Os princípios espíritas serão um dia crença comum entre os homens?
Simão – Na questão 798 de O Livro dos Espíritos, é dito que o Espiritismo se tornará crença comum entre os homens, porque ele (o Espiritismo) pertence à natureza e, esclarecem os benfeitores espirituais, que “deve o Espiritismo tomar seu lugar entre os conhecimentos humanos”. Léon Denis, segundo muitos, teria dito que o Espiritismo não seria a religião do futuro, mas o futuro das religiões. Dito ou não por ele, essa é uma frase que carrega boa carga de simbolismo. Em função dos diferentes interesses e necessidades individuais, as pessoas se alinham a um ou outro pensamento religioso, segundo o atendimento de suas expectativas. Isso faz com que não se tenha uma única religião. Com a ideia de “futuro das religiões”, entende-se que os princípios cultivados pelo Espiritismo, por serem verdadeiros, serão, paulatinamente, percebidos pelas religiões e, cada uma, ao seu tempo, adotá-los-á. O Espiritismo não é uma instituição religiosa, mas uma doutrina cientifica e filosófica, com conseqüências morais e é, justamente, essa característica que permitirá ao Espiritismo tornar-se “crença comum” e não religião única.
OÁSIS. Por que a depressão é um mal tão generalizado hoje e o que fazer para se evitá-la?
Simão – De forma genérica, sem analisá-la pelo prisma médico ou psicológico, pode-se dizer que a depressão é, de certa forma, uma desordem afetiva, emocional, cujas causas são de origens variadas. Também, dizendo de forma geral, a pessoa deprimida sente-se impotente e, por isso, desmotivada para lidar com os assuntos da vida, quase sempre vistos como de difícil solução. O corre-corre hodierno, a competição profissional, a busca do bem estar material, a preocupação com a segurança ante a violência social e, de certa forma, a ausência de espiritualização, são fatores contributivos para que essa desordem afetivo-emocional se espalhe. A modernidade nos deu muito conforto e a tecnologia, em tese, facilitou muito as nossas vidas, mas, paralelamente, abriu campo para o individualismo e o isolamento. Poucas são as pessoas que cultivam hábitos de socialização. A temperança, a serenidade e os valores espirituais bem cultivados são elementos que podem contribuir, e muito, para atenuar os efeitos, ou mesmo evitar, a depressão. Temos, na questão 943 de O Livro dos Espíritos, o seguinte questionamento: “De onde vem o desgosto pela vida, que se apodera de alguns indivíduos sem motivos plausíveis? A esse questionamento os Espíritos responderam: Efeito da ociosidade, da falta de fé e geralmente da saciedade. Para aqueles que exercem as suas faculdades com um fim útil e segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente; suportam as suas vicissitudes com tanto mais paciência e resignação, quanto mais agem tendo em vista a felicidade mais sólida e mais durável que os espera”. Nesta resposta dada pelos Espíritos, temos uma boa sugestão para se evitar a depressão.
OÁSIS. O que fazer para a conquista da felicidade?
Simão – A letra de uma música, cantada pelo coral espírita da Casa do Caminho, da cidade de Araxá-MG, diz que “felicidade é mudança interior, consciência tranqüila, saúde, paz e amor” e a letra da música Tocando em Frente, de Renato Teixeira e Almir Sater diz que “cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz, o dom de ser feliz”. Vejamos que as duas composições dizem que a felicidade é uma disposição interior. A resposta à questão 919 de O Livro dos Espíritos diz que o meio prático e eficaz para se vencer na vida e resistir ao arrebatamento do mal é conhecer-se a si mesmo. Valendo-nos das respostas dos Espíritos às questões 614 e 621 de O Livro dos Espíritos, fica claro que a felicidade está ligada diretamente à vivência da Lei Natural, que está “escrita” na nossa consciência, portanto, a felicidade advém da consciência tranqüila, do autoconhecimento. Faz-se, quase sempre, uma confusão no entendimento sobre alegria, tristeza e felicidade. Alegria e tristeza são estados temporários. Estes dois estados se alteram, ora um ora outro, mas a felicidade é essência, é da vida, é interior, portanto, é perene. Somos felizes, estando tristes ou alegres.
OÁSIS. Pesquisa recente constatou que as pessoas que tem mais amigos são mais felizes e vivem mais. Como analisar isso do ponto de vista espiritual?
Simão – Na questão 766 de O Livro dos Espíritos disseram os Espíritos que “Deus fez o homem para viver em sociedade.” Deu-nos a palavra e todas as demais faculdades necessárias ao relacionamento. Na questão 767, do mesmo livro, disseram que o isolamento absoluto é contrário à lei natural, “uma vez que os homens procuram por instinto a sociedade, para que todos possam concorrer para o progresso ao se ajudarem mutuamente”. Acrescentam, respondendo à questão 768 de O Livro dos Espíritos, que “o homem deve progredir, mas não pode fazer isso sozinho porque não dispõe de todas as faculdades; eis por que precisa se relacionar com outros homens. No isolamento, se embrutece e se enfraquece.” Vemos, então, que cultivar a amizade e ter convivência harmônica dão-nos um senso maior da felicidade, além do que, a amizade é uma das formas de expressão do amor. Portanto, conviver é uma arte, que se bem trabalhada, nos incentiva a viver melhor.
OÁSIS. O processo de transição que estamos vivenciando, acarretará muitas dores para a humanidade?
Simão – Na última questão de O Livro dos Espíritos (1019 ou 1018, dependendo da editora) os Espíritos falam da implantação do “reino do bem na terra”. Dizem eles que “O bem reinará na Terra quando entre os Espíritos que a vem habitar os bons superarem os maus. Então eles farão reinar o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da felicidade. São pelo progresso moral e pela prática das leis de Deus que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e afastará os maus. Mas os maus só a deixarão quando o homem tenha banido daqui o orgulho e o egoísmo”. Assim sendo, não diria que o processo de transição acarretará muitas dores para a humanidade. Exigirá muito esforço e determinação individuais, pois há que se vencer duas chagas: orgulho e egoísmo. Havendo reticência individual ao progresso, haverá maior dificuldade a ser transposta. A “dor” será uma conseqüência dessa reticência e não o meio escolhido para a transição.
OÁSIS. O que significa O LIVRO DOS ESPÍRITOS para a educação e o progresso do ser humano?
Simão – É a obra basilar da codificação kardeciana. Não somente o primeiro livro que foi escrito, mas o repositório do material de estudo que os outros livros desdobraram. Vejamos: O Livro dos Espíritos é dividido em quatro partes, que são das causas primeiras, do mundo espírita, das leis morais e das esperanças e consolações. Essas quatro partes foram, por assim dizer, desdobradas pelos livros A Gênese, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo e o Céu e o Inferno, respectivamente. Então, didaticamente, esses quatro livros, que junto de O Livro dos Espíritos formam o que passou a ser chamado de “Pentateuco Espírita”, têm em O Livro dos Espíritos a sua base. Do ponto de vista filosófico, O Livro dos Espíritos é uma fonte de ensinamentos vivenciais. Seu conteúdo nos esclarece a respeito dos grandes temas da vida, dentre eles Deus, a existência do Espírito, o mundo espiritual, a comunicabilidade ente os dois mundos, a reencarnação, a lei de causa e efeito, a moral e a ética relacional, as esperanças e consolações futuras e muito mais. No prolegômenos de O Livro dos Espíritos está escrito que “este livro é o compêndio dos seus ensinamentos. Foi escrito por ordem e sob ditado dos Espíritos superiores para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, livre dos prejuízos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do seu pensamento e não tenha sofrido o seu controle”. Cabe-nos, aos espíritas, estudar com atenção e profundidade esse livro e dele fazer nosso livro de cabeceira.