VAIDADE OU INVEJA? (por Vladimir Alexei)
Vaidade ou inveja?
Vladimir Alexei
Belo Horizonte das Minas Gerais,
15 de fevereiro de 2019
O movimento espírita brasileiro também tem sido sacudido pelas mudanças e transformações vigentes no mundo. Isso causa dor e alegria. Dor porque o processo de mudança exige adaptação. Alegria porque vislumbram-se novos horizontes.
Ulrich Beck (2016), ousou dizer – e defendeu a sua ousadia –, que não se trata de mudança ou transformação e sim “metamorfose”. Na busca por explicar o processo que se vive na atualidade, o autor alegou “falência” de definições. Se ele tivesse conhecido a doutrina espírita, talvez compreendesse que se trata de um período de “regeneração” com profundos ajustes acontecendo em diversos campos da vida.
A mudança no movimento espírita vem ocorrendo a partir do enfraquecimento de instituições seculares, que antes ditavam o ritmo da divulgação doutrinária e consequentemente dos seus profitentes. A rede mundial de computadores (www.), encurtou distâncias e permitiu a proliferação de pensamentos e sentimentos que demonstram necessidades diferentes daquela estrutura patriarcal estabelecida no campo físico. O exemplo da Igreja Católica é inequívoco: o Papa “saiu” do Vaticano pelas redes sociais e conseguiu arrebanhar mais simpatizantes do que se estivesse apenas em seu trono dourado. Ele apresentou ao mundo um pensamento contemporâneo, sensibilidade e fraternidade, pautados nas diretrizes do Cristo. Aliás, ele foi ousado e demonstrou riqueza de caráter quando trocou o trono de ouro, por uma cadeira de espaldar alto.
Nas décadas de 1980 e 1990, palestrante espírita conhecido em todo Brasil era o Divaldo Franco. Um ou outro, de forma voluntária e anônima, se deslocava pelo país, sem projeção como ocorreu com Divaldo. Divaldo não chegou a ser o que é, em termos de divulgação, de um dia para o outro. Fez o seu trabalho com uma vida de dedicação. Há quem goste e aqueles que não gostam do trabalho de divulgação realizado por ele. É um direito de cada um pensar diferente. É oportuno dizer, em tempos obtusos, que pensar diferente não significa desrespeitar. Criticar o trabalho não significa diminuir o trabalhador, apenas apresentar outros entendimentos sobre o assunto.
Nessa linha de divulgação doutrinária, via rede mundial, muitos nomes surgiram com contribuições relevantes para que o pensamento espírita pudesse alcançar corações sofridos e auxiliá-los no processo reeducativo por meio de palestras, seminários e congressos. Os congressos, ditos, “espíritas”, se perderam em pompas e circunstâncias totalmente materialistas, em lugares amplos, para arrebanhar grupos dispostos a pagar e fazer circular moedas entre palestras, atividades e dinâmicas.
Existe, na rede mundial de computadores, trabalhadores espíritas contabilizando quantas palestras e quantas pessoas participaram de suas atividades ao longo de uma vida, como se esse “quantitativo” significasse “progresso espiritual”. Pasmem: existem ainda, canais de vídeo na rede, de espíritas, que aceitam ofertas financeiras, como uma espécie de “leilão”, para que as perguntas dos ouvintes que ofertaram, sejam atendidas pelo expositor. Será que, às custas de um internauta, vale a pena manter uma estrutura “profissional” para se divulgar opiniões pessoais? Porque não são estudos doutrinários e sim, “bate-papos” com “famosos”. São momentos de tietagem, estimulados pela simpatia e educação dos expositores que se prestam a esse papel, de receber dinheiro por causa da estrutura que se montou.
Isso nos remete ao pensamento de Allan Kardec quando proferiu uma “alocução” (discurso curto, pronunciado em solenidades), para os espíritas de Bruxelas e Antuérpia, narrado na Revista Espírita de novembro de 1864. Kardec ao cumprimentar os espíritas daquelas localidades, demonstrou alegria sóbria ao informar que ele teria direito de envaidecer-se pela acolhida daqueles Irmãos, mas ele sabia que aqueles testemunhos “se dirigiam menos ao homem do que à Doutrina, da qual sou humilde representante”.
Onde há humildade nesses Congressos ou Seminários ou Palestras virtuais em que os expositores se colocam como “seres missionários”? Que falam que os outros são vaidosos, mas incapazes de reconhecerem a própria vaidade?
No passado, os Congressos Espíritas produziam anais. Os primeiros registros sobre “anais” datam da Roma Antiga e hoje seriam registros de trabalhos científicos publicados no contexto do evento. Se o congresso espírita não tem o cunho de apresentar trabalhos científicos, fruto de estudos mais elaborados, ele serve para o que? Angariar fundos para instituições privadas ou interesses pessoais? O objetivo de Allan Kardec realizar visitas aos centros espíritas, ainda no relato de sua viagem de 1864, era para, “além de contribuírem para estreitar os laços de fraternidade entre os adeptos”, colher elementos de observação e de estudo. Os elementos que se colhem na atualidade, demonstram total divergência com os princípios postulados pela Doutrina Espírita. São ações motivadas por interesses pessoais, ainda que traduzidos ou motivados por causas “nobres”. Nobre é o que o Cristo disse: “não saiba vossa mão esquerda o que faz a direita”.
O texto de Allan Kardec é perfeito para a atualidade. Para concluir essa ilustração, Kardec diz o seguinte: “Está provado que o Espiritismo é mais entravado pelos que o compreendem mal do que pelos que não o compreendem absolutamente (…).” Uma divulgação malfeita, com valorização do “amor próprio”, aquele que se traduz por pessoas que “se acham” detentoras do conhecimento espírita, causa essa perda de referência doutrinária que se encontra no movimento espírita brasileiro.
O que fazer então? Essa pergunta paira no ar, a cada reflexão, porque remete a outro pensamento: seria inveja? É possível, por que não? Cabe análise pela relevância do tema. Se estivéssemos na mesma condição, teríamos feito diferente? Com esse entendimento, ousaria dizer que faríamos diferente, até por ver tudo isso. Entretanto, não é um caminho fácil de se modificar. O despreparo do espírita é tão grande que as repercussões ocorrem no campo pessoal: relacionamentos desfeitos, empregos que se modificam, filhos que se rebelam, olhares de desconfiança, depressão, ansiedade e uma série de outras sequelas que podem ser observadas. Será que estamos realmente preparados para uma profissão de fé Espírita? “Abrir mão” do que é politicamente ou convenientemente adequado, no plano terreno, para as conquistas do espírito?
É necessário e premente que se modifique, para o bem das lideranças que ainda conseguem lembrar, em meio aos holofotes, que a Doutrina Espírita educa, consolando, transforma, orientando, estimula, fazendo-nos trabalhar nas fragilidades egoístas que ainda se manifestam gritantes em seus adeptos. Que essas fragilidades pessoais não sejam superiores ao brilho perene e regenerador da Doutrina Espírita.
Vladimir Alexei