Os vendilhões do templo…

Os vendilhões do templo…

Puritanismos ou inaceitável comércio do Consolador???… (Jorge Hessen)

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Jorge Hessen

jorgehessen@gmail.com

Assistimos pelo youtube uma entrevista de um médium espírita e ficamos estupidificados com as suas declarações. Primeiro, pela maneira presunçosa de como foram tratados os confrades que se posicionam contra a INDUSTRIALIZAÇÃO DE EVENTOS “ESPÍRITAS”; depois, pela forma desdenhosa de como se referiu aos espíritas de baixos salários e os desempregados (pobres), dizendo que na instituição que dirige são realizadas semanal e “gratuitamente” 4 (quatro) reuniões públicas doutrinárias, 8 (oito) reuniões mediúnicas, 8 (oito) módulos de estudos espíritas, além de outros trabalhos de grande relevância doutrinária. Todavia, muitos espíritas simplesinhos (pobres) não participam, porque não querem. Contudo, referindo-se ao evento que será realizado no hotel luxuoso sob sua coordenação, afirmou que quem não pode pagar também não pode frequentar. Sabe por quê? Porque os eventos são negociados através de “pacotes fechados” entre a instituição que dirige e os hotéis promotores. O médium esqueceu-se de que a lídima divulgação não exclui pessoas, não impõe condições, não faz peditórios, justamente para fugirmos dos equívocos cometidos por outras religiões e credos.

Martinho Lutero dizia que “não são as boas obras que tornam o homem bom, o homem bom é que faz as boas obras.” (1) O sistema elitista e o assistencialismo cego assemelham-se à dança em torno do bezerro dourado a que se entregou o povo hebreu, quando a caminho do paraíso prometido.

Durante a entrevista, o médium procurou relativizar a advertência de Jesus – “dai de graça o que de graça recebeste”. Para ele, o que importa é dar um ar de grandiosidade à divulgação espírita, como se a importância da mensagem espírita estivesse atrelada às exterioridades, a títulos, aos locais elegantes onde ela é pronunciada.

A mediunidade com Jesus não se relativiza. O “dai de graça ao que de graça recebemos” não pode ser deformado. O Espiritismo é a disseminação da palavra de consolo tal como Jesus nos ensinou, tal como Ele pregava, tal como Kardec esperava, tal como Chico Xavier exemplificou, para todos e ao alcance de todos. O entrevistado enfatizou a palavra “colaboração” para justificar o pagamento das taxas de ingresso, alegando que, se o interessado declarar que é pobre, não é restringido o seu acesso por causa do fator financeiro. Sabemos que isso não é verdade! Ou pelo menos é meia verdade. (Ora! Será que um espírita desempregado precisará apresentar atestado de pobreza?).

E, para justificar seus arrazoados na entrevista, sempre em intransigente defesa do comércio dos eventos “espíritas”, classificou de puritanos (?!…) os que discordam da cobrança de taxas para os eventos destinados à divulgação do Espiritismo. Mas, os “puritanos”, não podemos nos intimidar com os sofismas das sombras. Devemos caminhar de olhos voltados para as coisas do firmamento, e mãos operosas na Terra, lembrando que menos pesa na consciência o epíteto de puritanos do que de vendilhões das coisas santas!

O Cristianismo primitivo, pela simplicidade dos primeiros núcleos cristãos, foi conquistando integralmente a sociedade de sua época, mas, com o passar dos séculos, desgastou-se doutrinariamente. Conspurcou-se por imposição dos interesses políticos, institucionais e principalmente financeiros (industrialização da cruz).

É bastante preocupante e gravíssimo o ideal dos festivais de ofertas de pacotes para tour doutrinários. Para quem desconhece o fato, informamos (de graça) que há encontros “espíritas” realizados em instalações de luxuosos hotéis 5 estrelas ao “irrisório” preço de R$. 1.600,00 (em média). Se colocarmos na ponta do lápis a arrecadação final, considerando a participação de 300 pessoas (por baixo), chegaremos ao montante de quase meio milhão de reais. Isso apenas para um evento de três dias.

Fomos instados a procurar pela Internet outros eventos “espíritas” para 2011. Encontramos congressos, seminários, fóruns, cursos espíritas, simpósios de profissionais “espíritas” etc., todos eles com fichas de inscrição caracterizadas por ENTRADAS NÃO GRATUITAS.

É evidente que essas práticas, em nome de Kardec, têm fragilizado as bases da Doutrina dos Espíritos, provocando rachaduras no edifício doutrinário. Há desmesurada distância entre aqueles simples bancos e cadeiras de madeira do Grupo Espírita da Prece de Uberaba e os soberbos hotéis que servem de tablado para espetáculos de oradores que, absortos em suas insânias dinásticas, veiculam temas decorados apoiados nas suas memórias privilegiadas.

Na imprudência, disfarçada por envernizada prática assistencialista, pregam “Espiritismo” com rebuscadíssimos verbos e palavras, e ainda contam as moedas douradas arrecadadas, de mãos unidas com “Mamon”. As extravagantes taxas cobradas nesses eventos evidenciam uma grave metástase doutrinária, com fulminantes consequências para o futuro do Espiritismo na Pátria do Evangelho.

Nem é necessário fazermos um esforço descomunal para identificar o abismo existente entre o “Espiritismo” e o “movimento espírita”. É lamentável que o movimento doutrinário atual esteja navegando nas mesmas águas que transferiram o cristianismo primitivo das casas de simples pescadores, lavadeiras, operários, para a suntuosidade dos hotéis, centros de convenções e outros grandes edifícios religiosos.

Os defensores da não gratuidade dos eventos espíritas escudam-se na alegação de que há confrades que frequentam o centro espírita anos a fio e nem perguntam como contribuir com a conta de luz ou com os gastos com o papel higiênico e ficam esperando receber sem nada retribuir. Proclamam o argumento de que a comunidade espírita é o segundo maior PIB entre os religiosos (de acordo com o IBGE), perdendo apenas para os judeus, e os espíritas não gostam de colocar a mão no próprio bolso para a obra espírita. Será esse o real motivo para a cobrança dos eventos doutrinários?

Infelizmente, o Espiritismo das origens, tal como Chico pregava, parece não mais fazer sentido, mormente para os mais afamados representantes do movimento. Assistimos ao sepultamento da simplicidade da Terceira Revelação no jazigo dourado da espetacularização da oratória, dos aplausos provindos da massa entusiasta e inconsciente, das ovações delirantes, dos elogios soberbos e extravagantes. Por essas e outras razões disse o Mestre: “ouça quem tem ouvidos de ouvir e veja quem tem olhos de ver”. (2)

Chico Xavier advertia há 30 anos “é preciso fugir da tendência à ‘elitização’ no seio do movimento espírita (…) o Espiritismo veio para o povo. É indispensável que o estudemos junto com as massas mais humildes, social e intelectualmente falando, e delas nos aproximemos (…). Se não nos precavermos, daqui a pouco estaremos em nossas Casas Espíritas, apenas, falando e explicando o Evangelho de Cristo às pessoas laureadas por títulos acadêmicos ou intelectuais (…).” (3)

Quando escrevemos o artigo “INDUSTRIALIZAÇÃO DE EVENTOS ESPÍRITAS “GRANDIOSOS”, o ex-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, e escritor espírita, José Passini, afirmou: “Seu artigo, Jorge Hessen, deveria ser eternizado em placa de bronze e distribuído às instituições espíritas. Você acertou em cheio no monstro que desgraçadamente cresce em nosso meio.” (4) Talvez a espiritualidade, consciente dos despropósitos dos eventos pagos esteja de alguma forma nos alertando para um tempo de profundas mudanças. Que seja assim!

Jorge Hessen
http://jorgehessen.net

Referências:
(1) Disponível no site http://pensador.uol.com.br/frase/NTg0MzY0/.acesso em 11/05/2011
(2) Lucas 8:8
(3) Entrevista concedida ao Dr. Jarbas Leone Varanda e publicada no jornal uberabense O Triângulo Espírita, de 20 de março de 1977, e publicada no Livro intitulado Encontro no Tempo, org. Hércio M.C. Arantes, Editora IDE/SP/1979.
(4) Disponível em http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com/…/jose-passin…, acesso em 11-05-2011

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