Os espíritas devem influir no meio social
por Cláudio Bueno da Silva
Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença, apresentando, com humildade e conhecimento, a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Sob os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.
Não serão os momentos de crise uma oportunidade para que o movimento espírita se manifeste, marcando sua posição filosófica e contribuindo para trazer luz à sociedade? Não serão os momentos difíceis também apropriados para emitir sua opinião sobre questões de interesse geral, influindo nas massas, propondo discussão para os problemas humanos?
Muitos espíritas brasileiros já fizeram isso no passado, com significativa atuação no meio social: Herculano Pires, Freitas Nobre, Jorge Rizzini, Leopoldo Machado, Cairbar Schutel, Eurípedes Barsanulfo, Bezerra de Menezes, Anália Franco. E hoje, será possível essa representatividade?
Provavelmente não com a mesma riqueza de valores humanos, mas, com os recursos da internet é possível fazer-se algo interessante. Temos visto aparecer inúmeros companheiros e instituições formando grupos, páginas, sites, blogs, com material de opinião crítica, cultural e elucidação de temas variados, e como se sabe, a internet faz esse material chegar a muita gente.
E o movimento espírita que basicamente só se tem manifestado em público para tratar do aborto e de movimentos pela paz, vê agora a oportunidade de expor à sociedade um leque ilimitado de assuntos. Porém, essa facilitação tecnológica não interfere num sério e antigo problema do movimento espírita que é a falta de unidade na interpretação da Doutrina. A internet certamente amplificará tanto os conceitos mais ajustados ao pensamento doutrinário, quanto os que contenham imprecisões, dependendo de quem os emita.
O diferencial espírita
O Espiritismo, fundado em princípios naturais, propõe uma visão original de homem e de mundo não cogitada com a mesma amplitude, racionalidade e clareza por outras filosofias ou religiões. É o que afirmam os expoentes da cultura espírita. Daí a importância dos espíritas pensarem as questões humanas conjuntamente com a sociedade.
O diferencial do Espiritismo está precisamente no seu conteúdo de revelação e elaboração humana e divina. A explicação espírita de Deus, da vida, do universo, do mundo, é extremamente pedagógica, como eram os ensinos de Jesus que o homem complicou a não poder mais através do tempo. Jesus conviveu no meio do povo, mas não abdicou dos seus princípios em momento algum. Não adaptou seus ensinos só para ser agradável ao poder dominante, nem para ser aceito pelas correntes religiosas que veio transformar.
O Espiritismo, com Allan Kardec, se associou às iniciativas de Jesus no propósito de dar continuidade a essa transformação e ao consequente progresso da humanidade. Além de tornar acessível a moral daquele homem, descortinou o mundo dos Espíritos: “A descoberta do mundo dos invisíveis […] é mais que uma descoberta, é uma revolução nas ideias”, disse Allan Kardec [1].
Quando esse conhecimento estiver largamente disseminado, trará contribuições incalculáveis para o progresso geral. Os espíritas não podem desperdiçar o legado que receberam do gênio de Allan Kardec e da operosidade dos espíritos superiores.
A questão das interpretações
Não se deve perder de vista a unidade doutrinária do Espiritismo [2], contudo, devido a interpretações particulares de indivíduos e grupos, a doutrina é entendida de maneiras diversas e, com isso, corre o risco de perder a identidade de movimento restaurador e renovador, acabando por se tornar, em alguns aspectos, parecido com as correntes religiosas que prendem o homem ao invés de libertá-lo.
Infelizmente. Mas já que é assim – e isso parece ser uma consequência natural e incontornável da heterogeneidade humana [2] –, o sensato será procurar a coerência e a fidelidade como um fim a ser atingido na conduta individual e na divulgação do ideal espírita. Isto, preservando a unidade original de princípios, toda desenhada na obra de Allan Kardec, para apresentá-la ao mundo como ela é, sem repetir os erros históricos do movimento cristão.
O Espiritismo tem força moral suficiente para influir no meio social mudando atitudes e comportamentos. Claro que isso depende de como o pensamento e o fazer espíritas chegam às pessoas. Não será fazendo “caravanas religiosas” para a “meca espírita”, não será com posturas místicas, cultuando médiuns e Espíritos, criando símbolos e modismos, nem se isolando dentro das instituições, que os espíritas firmarão posição. Isso já fazem os religiosos de vários matizes. Essa conduta desvia o movimento das suas finalidades. A postura devocional, tímida, neutra e contraditória, afasta o espírita do que é essencial. Além da humanização de cada um, o Espiritismo propõe a construção de um mundo mais justo e fraterno.
Um desafio: fazer a diferença
Um dos grandes desafios para os espíritas será compreender o mais justamente possível a essência progressiva e progressista da Doutrina. E isso não se consegue sem o amadurecimento do estudo, do diálogo e do debate em grupo. É com esse viés que ela deve ser propagada, vivida com autenticidade, sem artificialismos. Os espíritas não devem temer a discussão dos assuntos que inquietam a humanidade, muitos deles já trazidos por Kardec em suas obras.
A propagação do ideário espírita será mais eficiente através do diálogo social, ainda que agora mais virtualmente. A prática espírita, dentro e fora do centro espírita, propõe o convívio baseado na compreensão das diferentes opiniões, na tolerância em relação ao contrário, sem imposições. Importante que os espíritas adiram a uma nova forma de pensar, e se livrem o mais rapidamente possível dos resíduos de velhas concepções religiosas de que estamos mais ou menos contaminados.
Não se pede aos espíritas que sejam “diferentes”, mas que façam a diferença. Com humildade e conhecimento, podem apresentar a coerência do discurso espírita e a necessidade de inseri-lo na cultura do mundo. Além de pregarem pública e manifestamente os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, devem mostrar que a melhora autêntica do homem não se realiza sem ética e moralidade, não bastando alterações externas pontuais.
Se os espíritas não fizerem, outros o farão
Enfim, os espíritas podem contribuir com a sociedade no campo das ideias, do pensamento, vulgarizando oportunamente os conhecimentos relativos ao Espírito imortal e tudo o que isto significa. Se os espíritas não fizerem a parte que lhes cabe em função de desvios doutrinários, da inércia e da capitulação às velhas ordens e ditames devocionais e dogmáticos, outros o farão, à sua moda. O progresso não para e em muitas circunstâncias nasce anônimo, em pequenos grupos, em laboratórios, em universidades, da cabeça de estudiosos independentes, de livres pensadores, em todo o mundo.
Mas será bom se os espíritas atenderem à convocação implícita na questão 932, de “O livro dos Espíritos”, ou seja, trazerem sua efetiva contribuição à sociedade com a proposta cultural e espiritual que detêm, sem ufanismo nem excentricidades, para a “grande obra da regeneração pelo Espiritismo” [3].
Fonte: Espiritismo com Kardec – ECK
Notas do Autor:
[1] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Segundo diálogo. “Oposição da Ciência”. Ed. FEB.
[2] KARDEC, Allan. Obras póstumas. “Os cismas”. Ed. LAKE.
[3] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo XX. Item 5. Ed. LAKE.