O Evangelho segundo o Espiritismo não incluído no “Pacto Áureo”
Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)
Estudos e entrevistas que realizamos ao longo de alguns anos nos estimularam à elaboração do livro União dos espíritas. Para onde vamos? (Ed. EME, 2018)1 e, mais recentemente, à preparação da palestra de abertura do Encontro promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo para comemoração – nos dias 20 e 21 de outubro de 2018 -, dos 70 anos do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948).2,3
Os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita 4 contém riquíssimo material de estudo e propositivo elaborado por notáveis líderes espíritas vinculados ao movimento espírita de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e do antigo Distrito Federal.
Como repercussão das teses aprovadas houve rejeição por parte da direção da Federação Espírita Brasileira da época.
Todavia, vários dos protagonistas do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, por estarem no Rio de Janeiro participando do Congresso da CEPA, repentinamente, foram recebidos pelo presidente da FEB. E num dia e meio, sem prévia preparação aconteceu a reunião que ficou conhecida como a Grande Conferência Espírita do Rio de Janeiro, também chamado “Acordo de Cavalheiros” e cognominado por Lins de Vasconcellos como “Pacto Áureo” e se constituiu no Acordo de Unificação do Movimento Espírita Brasileiro. Na oportunidade, o presidente da FEB Wantuil de Freitas, em nome da Diretoria da FEB, apresentou outra proposição, contendo dezoito itens, sintetizando os princípios sobre os quais poderiam assentar-se a União e a Unificação do Movimento Espírita, além de detalhamento de providências complementares para o funcionamento do Acordo.1,5
O Acordo foi assinado no dia 5/10/1949 na sede da FEB, “ad referendum” das Entidades cujos dirigentes estavam presentes, pois essa reunião não havia sido planejada e mesmo porque o tempo da reunião foi extremamente exíguo para se tratar de temas tão complexos.
Pelas reações ocorridas em São Paulo logo após o evento, e por declarações de alguns protagonistas, sabe-se que prevaleceu um gesto de boa vontade, mas com a expectativa de um futuro aprimoramento do documento.1,5
Esse aprimoramento ou revisão que não ocorreu, faz falta com vistas ao atendimento do cenário atual do movimento espírita.
A primeira questão a ser levantada é sobre o Artigo 1o do “Pacto Áureo”: “Cabe aos Espíritas do Brasil porém em prática a exposição contida no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo.”
E o outro relacionado à fundamentação, é que apenas no Artigo 12o cita-se duas obras de Allan Kardec: “As Sociedades componentes do Conselho Federativo Nacional são completamente independentes. A ação do Conselho só se verificará, aliás, fraternalmente, no caso de alguma Sociedade passar a adotar programa que colida com a doutrina exposta nas obras: O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, e isso por ser ele, o Conselho, o orientador do Espiritismo no Brasil.”
A citação do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, desde aquela época gerou controvérsias. Independentemente do conteúdo da obra há várias especulações ligadas ao fato de que se trata da única obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier que faz citação nominal de um autor não aceito pela ampla maioria dos espíritas brasileiros.1
Aí surgem indagações óbvias: Por que os proponentes do Acordo de união que foram participar do 2º Congresso da CEPA levando a tese “Prevalência do Espiritismo Religioso”, e a própria FEB deixariam de citar o livro O evangelho segundo o espiritismo, a obra espírita mais lida e comercializada no Brasil? Por quê no citado Acordo não estão relacionadas todas Obras Básicas de Allan Kardec?1
Fato digno de nota é que Francisco Cândido Xavier, não podendo comparecer ao citado Congresso Brasileiro enviou mensagem assinada pelo espírito Emmanuel com o título: “Em nome do Evangelho”, incluída nos Anais do Congresso.1,2,3,4,5
À vista disso consideramos que no caso de uma revisão do “Pacto Áureo” ou na elaboração de um acordo de união novo, e sem nenhum juízo do conteúdo geral do livro, seja removida a referência à obra Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho, bem como de apenas duas obras do Codificador, substituindo pela citação completa das Obras Básicas de Allan Kardec.1,2,3
Pelo menos em tempos mais recentes seria uma total incoerência, pois até nas recomendações de Estatutos para os centros espíritas, em geral, há a indicação como Artigo 1º, por exemplo:
“O Centro Espírita … fundado em … , neste Estatuto designado “Centro”, é uma organização religiosa, com duração indeterminada e sede na cidade de … , no endereço … , e que tem por objeto e fins: I – o estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação Espírita.”1
Depois de analisar o “Pacto Áureo” item a item em nosso livro União dos espíritas. Para onde vamos? concluímos:
“Em nosso entendimento e experiência, com os apontamentos acima expressos, o texto do “Pacto Áureo” está superado. Imaginemos um dirigente que, ao ler o citado documento, resolva colocar em prática “ao pé da letra” o que está definido em seus artigos. O “Pacto Áureo” é um importante referencial histórico, mas não é mais aplicável na atualidade.”1,2,3
Mesmo se considerando várias ações encetadas pelo CFN da FEB para se divulgar Allan Kardec, como a Campanha Comece pelo Começo, aprovada em novembro de 2014, não se pode olvidar que o “Pacto Áureo”, com a questão doutrinária que destacamos e vários itens defasados, ainda é uma norma vigente. Há necessidade de se rediscutir e se refazer o “Pacto Áureo”!
Extraído de: http://grupochicoxavier.com.br/o-evangelho-segundo-o-espiritismo-na…
Referências:
1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. União dos espíritas. Para onde vamos? 1.ed. Capivari: Ed. EME. 2018. 144p.
2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. 70 ANOS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIFICAÇÃO ESPÍRITA – HISTÓRICO. Texto da palestra em edição digital: http://www.usesp.org.br/Associacao/Documentos; Depois clique em DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA, que contém o arquivo: Palestra – Comemorações dos 70 anos do 1o CBUE.
3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. 70 ANOS DO CONGRESSO BRASILEIRO DE UNIFICAÇÃO ESPÍRITA – HISTÓRICO. Vídeo. Link: http://www.youtube.com/watch?v=oZVb7MfxejQ
4) Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE. 191p. Edição em versão digital AEC/USE: http://www.usesp.org.br/Associacao/Documentos; Depois clique em DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA, que contém o arquivo: Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita.
5) Monteiro, Eduardo Carvalho; D’Olivo, Natalino. USE – 50 anos de unificação. São Paulo: USE. 1997. 335p.
(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.