Ética da Transformação

Ética da Transformação

Ermance Dufaux

ÉTICA DA TRANSFORMAÇÃO

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral”

(O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVII, Item 4)

A reforma íntima é um trabalho processual.

Processual significa aquilo que obedece a uma sequência. Em conceito bem claro, é a habilidade de lidar com as características da personalidade melhorando os traços que compõem suas formas de manifestação. Caráter, temperamento, valores, vícios, hábitos e desejos são alguns desses caracteres que podem ser renovados ou aprimorados.

Nessa saga de mutação e crescimento, o maior obstáculo a transpor é o interesse pessoal, o conjunto de viciações do ego repetido durante variadas existências corporais e que cristalizaram a mente nos domínios do personalismo.

O hábito de atender incondicionalmente as imposições dos desejos e aspirações pessoais levou-nos a cruel escravização, da qual muito será exigido nos esforços reeducativos para nos libertamos do “império do eu”.

Negar a si mesmo ou “despersonificar-se”, esvaziar-se de “si”, tirar a máscara é o objetivo maior da renovação espiritual. Esse o grande desafio a seguido por todos os que se comprometeram com seriedade nas nobres finalidades do Espiritismo com Jesus e Kardec.

Extenso será esse caminho reeducativo na vitória sobre nossa personalidade manhosa e talhada pelo egoísmo… O meio prático e eficaz de consegui-lo, conforme ensinam os bons Espíritos da Codificação, é o conhecimento de si mesmo (O LIVRO DOS ESPÍRITOS – Questão 919)

Entretanto, para levar o homem ao aprimoramento, o autodescobrimento exige uma nova ética nas relações consigo e com a vida: é a ética da transformação, sem a qual a incursão no mundo íntimo pode estacionar em mera atitude de devassar a subconsciência sem propósitos de mudança para melhor. O Espiritismo é inesgotável manancial no alcance desse objetivo. Seu conteúdo moral é autêntico celeiro de rotas para quantos desejam assumir o compromisso de sua transformação pessoal com segurança e equilíbrio. Sem psicologismo ou atitudes de superfície, a Doutrina Espírita é um tratado de crescimento integral que esquadrinha os vários níveis existenciais do ser na ótica imortalista.

Nem sempre, porém, verifica-se tanta clareza de raciocínios entre os espíritas acerca dessa questão. Conceitos mal formulados sobre o que seja a renovação interior têm levado muitos corações sinceros a algumas atitudes de puritanismo e moralismo, que não correspondem ao lídimo transformador da personalidade, em direção aos valores capazes de solidificar a paz, a saúde e a liberdade na vida das criaturas. Por esse motivo, será imperioso que as agremiações do mundo, erguidas em nome do Espiritismo ou aquelas outras que expandam a luz da espiritualização entre os homens, investiguem melhores noções sobre a ética da transformação, a fim de oferecer a seu profitentes uma base mais cristalina sobre os caminhos e percalços no serviço da iluminação de si mesmo.

A prática especial e meta fundamental dos ensinos dos bons Espíritos são a melhora da humanidade, a formação do homem de bem. O Espiritismo, em verdade, está nos elos que criamos, uns com os outros, e que passam a fazer parte da personalidade nova que estamos esculpindo com o buril da educação. Os “ritos” ou práticas doutrinárias são recursos didáticos para o aprendizado do amor – finalidade maior de nossa causa. Na falta do amor, as práticas perdem seu sentido divino e primordial.

Em face dessas reflexões, evidencia-se a urgência da edificação de laços de afetos nos grupamentos humanos, no intuito de fixarmos na intimidade as mensagens do Evangelho e do bem universal. Afeto é a seiva vitalizadora dos processos relacionais e o construtor de sentidos nobres para a existência dos homens.

O autoconhecimento, através das luzes de imortalidade que se espera dos fundamentos espíritas, é um mapa de como chegar ao “eu verdadeiro”, a consciência. Todavia, essa viagem não pode ser feita somente com o mapa, necessita de suprimentos morais preventivos e fortalecedores, necessita de uma ética de paz consigo próprio.

Somente se conhecer não basta, é necessário um intenso labor de autoaceitação para não sairmos nas garras de perigosas ameaças nessa “viagem de retorno a Deus”, cujas mais conhecidas são a culpa, a autopunição e a baixa autoestima, as quais estabelecem o clima psicológico do martírio. É preciso uma ética que assegure a transformação pessoal um resultado libertador de saúde e harmonia interior. Tomar posse da verdade sobre si mesmo é um ato muito doloroso para a maioria das criaturas.

À guisa de sugestões maleáveis, consideremos alguns comportamentos que serão efetivos roteiros de combate, vigília e treinamento para instauração das linhas éticas no processo autotransformador:

* Postura de aprendiz – jamais perder o vistoso interesse em buscar o novo, o desconhecido. Sempre há algo para aprender e conceitos a reciclar. A postura de aprendiz se traduz no ato da curiosidade incessante, que brota da alma como sendo a sede de entender o Universo e nossa parte “dança dos ritmos cósmicos”. Romper os preconceitos e fugir do estado doentio da autossuficiência.

* Observação de si mesmo – é o estudo atento de nosso mundo subjetivo, o conhecimento das nossas emoções, o não julgamento e a autoavaliação constante. Tendemos a avaliar o próximo e esquecer o serviço que nos compete, no entanto, relembremos que perante a imortalidade só responderemos por nós, no que tange ao serviço de edificação dos princípios do bem na intimidade.

* Renúncia – a mudança íntima exige uma seletividade social dos ambientes e costumes, em razão dos estímulos que produzem reflexos no mundo mental. No entanto, a renúncia deve ampliar-se também ao terreno das opiniões pessoais e valores institucionais para os quais, frequentemente, o orgulho nos ilude.

* Aceitação da sombra – sem aceitação da nossa realidade presente, poderemos instaurar um regime de cobranças injustas e intermináveis conosco e posteriormente como os outros. A mudança para a melhor não implica em destruir o que fomos, mas dar nova direção e maior aproveitamento a tudo que conquistamos, inclusive nossos erros.

* Autoperdão – a aceitação, para ser plena, precisa do perdão. Recomeço é a palavra de ordem nos serviços de transformação pessoal. Sem ela o sofrimento e a flagelação poderão estipular provas dolorosas para a alma. É uma postura de perdão às faltas que cometemos, mas que gostaríamos de não cometer mais.

* Cumplicidade com a decisão de crescer – o objetivo da renovação espiritual é gradativo e exige devoção. Não é serviço para fim de semana durante a nossa presença às tarefas do bem, mas serviço continuado a cada instante da nossa vida, onde estivermos. Somente assumindo com muita seriedade esse desafio o levaremos avante. Imprescindível a atitude de comprometimento com a meta de crescimento que assumimos. Somos egressos de experiências frustradas no desafio do aperfeiçoamento pessoal, portanto, muito facilmente somos atraídos para ilusões variadas. Somente com muita severidade e muita disciplina construiremos o homem novo e almejado.

* Vigilância – é a atitude de cuidar da vida mental. Cultivar o hábito de higiene dos pensamentos, da meditação no conhecimento de si, da absorção de nutrição mental digna nas boas leituras, conversas, diversões e ações sociais. Vigilância é a postura da mente alerta, ativa, sempre voltada a ideais enriquecedores.

* Oração – é a terapia da mente. Sem oração dificilmente recolheremos os germens divinos do bem que constituem as correntes de energia superior da vida. Através dela, igualmente, despertamos na intimidade forças nobres que se encontram adormecidas ou sufocadas pelos nossos descuidos de cada dia.

* Tolerância – toda evolução é concretizada na tolerância. Deus é tolerância. Há tempo para tudo e tudo tem seu momento. Os objetivos da melhoria requerem essa complacência conosco para que haja mais resultados satisfatórios. Complacência não significa conivência ou conformismo, mas caridade com nossos esforços.

* Amor incondicional – aprender o autoamor é o maior desafio de quem assume o compromisso da reforma íntima, porque a tendência humana é desgostar de sua história de evolução, quem toma consciência do ponto em que se encontra ante os estatutos universais da lei divina. Sem autoamor a reforma íntima reduz-se a “tortura íntima”. Aprender a gostar de si mesmo, independente do que fizemos no passado e do que queremos ser no futuro, é estima a si próprio, o estado interior de júbilo com nosso retorno lento, porém gradativo, para uma identificação plena com o pai.

* Socialização – seu interesse pessoal é o grande adversário de nosso progresso, então a ação em grupos de educação espiritual será excelente meditação contra o personalismo e a vaidade. Destaquemos assim o valor das tarefas doutrinárias regadas de afetividade e siso moral. São treinamentos na aquisição de novos impulsos.

* Caridade – se socializar pode imprimir novos impulsos e reflexões no terreno da vida mental, a caridade é o “dínamo de sentimentos nobres” que secundaram o processo socializador, levando-o ao nível de abençoada escola do afeto e revitalização dos ensinamentos espíritas.

* * *

Conviveremos bem com os outros na proporção em que estivermos bem conosco mesmo. A adoção de uma ética de paz, no transcorrer da metamorfose de nós próprios, será medida salutar no alcance das metas que almejamos, ao tempo em que constituirá garantia de bem-estar e motivação para a continuidade do processo.

O exercício de negar a si mesmo não inclui o descuido ou o descrédito pessoal, confundindo a sombra que precisamos reciclar com necessidades pessoais que não devemos desprezar, para o bem-estar e equilíbrio. Cuidemos apenas de atrelar essas necessidades de conformidade com os novos rumos que escolhemos.

Fazemos essa menção porque muitos corações queridos do ideal supõe que reformar é negar ou mesmo castigar a si, quando o objetivo do projeto de mudança espiritual é tornar o homem mais feliz é integrado a sua divina tarefa perante à vida.

Nos celeiros de luz dos repositórios do Evangelho, verificamos um exemplo de rara beleza e oportunidade que servirá como diretriz segura para a “despersonificação” dos servidores do Cristo na obra do amor: Ananias, o apóstolo chamado para curar o Doutor de Tarso. Quando o Mestre o chama pelo nome, o colaborador humilde, com prontidão e livre dos interesses pessoais, responde sabiamente: “Eis-me aqui, Senhor”.( ATOS DOS APÓSTOLOS, 9:10) O nome dessa virtude no dicionário cristão é disponibilidade par a ser vir e aprender , o programa ético mais completo e eficaz para quantos desejam a autoiluminação.

Espirito Ermance Dufaux

Livro: Reforma Intima Sem Martirio –  Cap.2

Psicografia Wanderley S. de Oliveira

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