Entre a fé na razão e a razão da fé

Entre a fé na razão e a razão da fé

Cesar Boschetti

Qual é o sentido da vida?

E a morte?

O que é a morte?

Haverá algo além da morte?

Haverá algo além do mundo material que conhecemos?

Ou será a morte apenas e tão somente a inexorável extinção, total, absoluta e definitiva de uma existência sem nexo?

Que dizer do sofrimento? Qual o sentido do sofrimento? Por que uns sofrem mais que outros? Por que certas coisas são amadas por alguns e odiadas por outros? Por que existe o mal?

Por que a enorme diversidade de filosofias e ideologias, ora afinadas entre si, promovendo a paz, a fraternidade e o progresso, ora completamente antagônicas, ensejando conflitos, guerras e destruição? Por que somos tão iguais e, ao mesmo tempo, tão diferentes uns dos outros?

A razão pode nos dizer alguma coisa acerca disso tudo?

O que é razão afinal de contas?

E a fé…? O que é a fé?

Podemos ter fé na razão?

Qual a origem da razão? Terá ela desabrochado na mente do homem macaco sem qualquer germe anterior de fé? E a fé? Terá a fé surgido na consciência do homem macaco sem qualquer interferência de alguma forma de exame ou questionamento antecedente? Será que no universo da mente humana é possível estabelecer uma fronteira clara e objetiva entre razão e fé? Será que esses dois aspectos da natureza humana podem ser isolados um do outro? Será que em nosso cérebro existem neurônios que lidam somente com a razão e neurônios que lidam somente com a fé? E se assim for, qual a origem dessa diferença? Por que a seleção natural não eliminou um deles? Será que o homem macaco teria saído das cavernas e chegado às metrópoles de hoje, só com os neurônios da razão? Ou só com os neurônios da fé? Será que fé e razão são frutos de meras reações físico-químicas dentro do cérebro humano?

E a imaginação?

O que é isso? O que nos leva a imaginar coisas e sonhar com elas? De que modo, razão, fé e imaginação interagem na mente humana? De que modo razão, fé e imaginação se combinam e dão substância à criatividade humana em sua busca por um sentido na vida? De que modo razão, fé e imaginação dão forma aos nossos preconceitos, ao nosso egoísmo e ao nosso potencial como agentes de transformação? Qual a origem das diferentes concepções de Mundo? Por que essas concepções precisam competir entre si? Onde estará a verdade?

E por aí segue uma montanha de dúvidas, inquietações e angústias que não acabam nunca.  Essa montanha está e estará sempre à nossa frente nos caminhos da vida. Mostra toda a sua pujança nos momentos mais inesperados, afrontando nossa inteligência e nossos sentimentos, trazendo à tona toda a nossa ignorância sobre a vida e sobre o universo, ao mesmo tempo que revela nossa incrível capacidade inquiridora. Isto nos remete à Sócrates que, há cerca de 2500 anos, com muita humildade reconhecia – “só sei que nada sei”.

Será que as coisas mudaram de lá para cá?

Encaremos a verdade! A filosofia não nasceu com os gregos nem com os antigos sábios do oriente. Precisamos entender que a filosofia, a fé e a ciência, como manifestações do espírito humano, nasceram juntas, completamente entrelaçadas, no momento que o homem macaco se espantou e se amedrontou diante das manifestações de uma natureza desconhecida e assustadora que, de repente, se descortinou ante sua tosca percepção recém desperta. Era tudo muito confuso. Seu cérebro primitivo tentava em vão dar algum sentido ao que via e sentia. Um sentimento estranho deve ter se apoderado desse nosso tataravô meio homem meio macaco. Algo começava a martelar no interior de sua cabeça. Um misterioso desejo de querer entender o que via e o que sentia dentro de si. Foi neste momento que nasceram os deuses, os demônios e as dúvidas. A bendita dúvida que nos esmaga contra o desconhecido, mas também nos empurra para o futuro e para novos horizontes.

As questões filosóficas da existência, como Deus, alma, morte, propósito da vida, justiça, o bem e o mal. São questões desafiadoras. Nos acompanham desde tempos imemoriais e, provavelmente, continuarão nos acompanhando pelos séculos e séculos vindouros.

A história do homem tem sido uma formidável sucessão de sucessos e fracassos, heroísmo e covardia, amor e ódio, trevas e luzes, que bem representam as diversas facetas do espírito humano. É assim que caminha a humanidade.

A percepção de que o homem e o mundo são sistemas constituídos de partes que conversam entre si, se afetando mutuamente, e não mais por um conjunto de peças que podem ser separadas e analisadas isoladamente para compreensão do todo, abre novas perspectivas para o entendimento do mundo e da vida. A antiga visão reducionista, dá lugar a uma visão sistêmica da realidade complexa.

Razão e fé continuam sendo formas diferentes de percepção da realidade. Continua não sendo possível misturá-las, mas não há oposição nem conflito. Se a história do homem atravessou trevas e luzes, paz e guerra, atrasos e progressos, não foi por conta dos indivíduos serem mais ou menos religiosos ou racionais.

Fé é um sentimento, um encontro do indivíduo consigo mesmo, uma interrogação íntima, uma busca compulsiva por superação. Fé é um desejo interior de vencer as vicissitudes da vida. Um anseio de sobrepujar o sofrimento e domar a morte. Um clamor por algo que preencha os vazios de nossa alma. Fé é um desejo ousado de ver e ir além do horizonte. Um misto de esperança e confiança que a vida seja mais que um simples existir efêmero sem nexo e por isto vale a pena ser vivida. Essa fé abstrata, subjetiva, inexplicável, rebelde aos ditames da razão e que parece nos instigar a olhar acima do bem e do mal, é, parcialmente, objetivada pelas diversas religiões. O cristianismo, o judaísmo e o islamismo, por exemplo, dentre uma multidão de outros sistemas, são tentativas de objetivação da fé. Tentativas de reduzir a abstração metafísica da fé a algo mais próximo de nossas necessidades imediatas, por meio de dogmas e ritos capazes de produzir um conforto psicológico mais imediato. Aqui não cabem discussões ou críticas. Estamos no campo das necessidades subjetivas. Todos os sistemas, são igualmente válidos e ricos em simbolismo, significação e nobreza de valores. O problema surge com o egoísmo humano que enseja os preconceitos e as distorções interpretativas.

Na verdade, o egoísmo já teve sua importância na evolução do ser humano. O egoísmo está atrelado ao instinto de preservação do homem. Foi importante no princípio e, talvez hoje, ainda tenha algum papel em situações muito específicas, mas cada vez mais revela-se como um sentimento negativo que obsta a cooperação e a solidariedade entre os homens. Nós humanos não fomos feitos para vivermos isolados. Desde o princípio a natureza mostrou que tínhamos mais chances de sobreviver se nos reuníssemos, cooperativamente, em grupos. Além disso, a cobiça fermentada pelo egoísmo, leva o homem a explorar irracionalmente os recursos naturais e menosprezar outros seres humanos socialmente fragilizados. Isso vem produzindo a exaustão de vários recursos minerais, vegetais e animais do planeta, além de contribuir para uma desigualdade social cada vez maior. Desnecessário dizer que, poluição, vírus, bactérias e eventos climáticos mais violentos terão presença cada vez maior em meio à uma sociedade humana cada vez mais mesquinha e materialista.

Isso tudo é reflexo da falta de humildade e ignorância do homem. Humildade, bem ao contrário da percepção ordinária, não é se apequenar diante do outro, mas sim estar de mente aberta para ouvir o outro. Humildade vem de humos, que significa solo fértil. Ser humilde significa estar aberto ao autoconhecimento e o reconhecimento que, além das aparências, somos todos iguais em potencialidades. O resultado do egoísmo é o desequilíbrio ambiental e a péssima e injusta distribuição de oportunidades.

O egoísmo e a cobiça nos conduzem à ilusão de poder. Ilusão de que não dependemos dos outros. Esse é um terrível engano. Uma visão mesquinha e estreita da vida e do mundo, conduzindo-nos a um jogo sujo de poder pelo poder.

Este jogo sujo não tem limites. Nada que seja bom está imune a ser usado para o mal. Do sacro ao profano, do simples ao complexo, do remédio ao veneno, tudo pode ser usado para o bem e para o mal. O exemplo mais recente está na tecnologia da informação. A internet é um formidável instrumento para exercício da liberdade e divulgação de conhecimentos. Mas é também um poderoso canal para propagação de mentiras, desinformação e invasão de privacidade, com gente de má fé ludibriando gente de boa fé. Onde estará o mal? Nos avanços científicos e tecnológicos? Na fé nos benefícios destes avanços para o progresso do ser humano? Na possibilidade da existência de Deus e da alma? Em meio aos que acreditam? Em meio aos que não acreditam? Onde estará o mal? Será que estamos buscando respostas fazendo as perguntas certas?

Razão e fé são partes do mesmo sistema mental humano. Quer se queira ou não, os componentes racionais, emocionais e espirituais coabitam o mesmo “espaço mental” e interagem de forma complexa e sutil. Foi com essa estrutura mental que chegamos onde chegamos. E isto é um fato. No livro da natureza já há muita coisa bem compreendida e explicada pela ciência. Não há mais lugar para milagres nem para um deus feito a semelhança do homem. Mas a ciência ainda está longe de conhecer os limites da natureza. Provavelmente, nunca venhamos a conhecê-los. Basta atentarmos que no universo há um número infinito de galáxias cada qual com bilhões de estrelas. A nossa Via Láctea é uma modesta galáxia que abriga em sua periferia nosso modesto sistema solar. Existem galáxias a bilhões e bilhões de anos luz de nós. São partes da natureza cuja luz, ou seja, a informação de sua existência ainda não chegou até nós e quando chegar, talvez já não existam mais ou nosso sistema solar também já possa estar extinto. Nós, humanos, somos menos que bactérias caminhando sobre uma partícula de poeira cósmica em um canto perdido do Universo. Somos um paradoxo. Um quase nada capaz de a tudo questionar. Beira o irracional que não tenhamos humildade e não sintamos admiração diante desse quadro, fantástico. A. Einstein demonstrou sua sabedoria quando certa feita, humildemente, reconheceu que “por detrás da matéria há algo de inexplicável”. E se não quisermos tirar os pés do chão e voar pelas estrelas, basta refletirmos sobre o universo de nossa mente, tão pouco conhecido quanto o universo das galáxias. É irracional considerar as coisas da natureza que ignoramos que, diga-se, são muito mais do que possamos imaginar, como coisas fora da natureza, isto é, como sobrenatural. É pura arrogância e tolice essa visão. E vale notarmos que nossa pequenez diante do universo das galáxias e diante do universo da mente humana não é apenas uma questão de humildade. É também uma realidade factual.

A existência de Deus e do espírito são possibilidades. Crer nessas possibilidades é um ato de fé. Não há como submeter essas questões à Ciência convencional que não dispõe de instrumentos nem para aprovar nem para reprovar. São questões fora dos domínios da Ciência convencional. Mas não são questões irracionais nem sobrenaturais. O fato de não serem racionalizáveis da mesma forma que são os objetos ordinários, não significa que não possam estar abertas à crítica racional para que não conflitem com o que já está bem estabelecido pela ciência. Esta forma de fé, que poderíamos chamar de fé autocrítica, fé aberta ou fé raciocinada, como dizia A. Kardec em suas obras, não é ingênua, nem cega nem anticientífica. Estando aberta à crítica, também não é dogmática no sentido ordinário do termo. Observe que, a negação pura e simples de possibilidades fora dos domínios da Ciência convencional é também uma forma de fé, pois não pode ser autenticada nem falsificada pela ciência.

A ciência ou a razão não podem racionalizar a fé, mas podem estabelecer contornos racionais dentro dos quais a fé tenha seu espaço. Por outro lado, a fé não pode dirigir a razão, mas pode fornecer elementos de amor, de humildade e, por paradoxal que possa parecer, de ousadia para o trabalho da razão. A ciência não avança apenas apoiada na catalogação de observações empíricas. Mas avança sobretudo com a proposição de hipóteses, com frequência ousadas que, posteriormente, devem ser validadas ou falsificadas. Essas proposições, em primeira mão, envolvem acreditar em algo que ainda não foi demonstrado nem falso nem verdadeiro. É ter fé em uma ideia.

A busca por sentido na vida não precisa pressupor a existência de Deus e ou de uma consciência ou alma que sobreviva à morte do corpo físico. Mas são premissas poderosas e ricas em significação. Não são dogmas no sentido convencional. Contemplar essas possibilidades e refletir sobre suas possíveis consequências dentro do princípio de uma fé aberta não é um dogma, já que não é incondicional e abre-se à crítica e ao balizamento racional. Mas é uma expressão de fé. Uma fé que não se opõe à ciência, mas busca complementar e ampliar nosso entendimento sobre a vida. Buscar outras possibilidades é perfeitamente válido. A fé não precisa de cercas religiosas, apenas de atenção aos caminhos já traçados pela razão.

Na verdade, a perspectiva que haja algo mais em nós humanos, além de carne e ossos, vem ganhando relevância científica cada vez maior. O volume de eventos muito bem documentados de experiências de quase morte (EQM) vem crescendo rapidamente em todo o mundo. São situações onde o indivíduo, clinicamente morto, por uma parada cardiorrespiratória, por exemplo, e, portanto, impossibilitado de registrar qualquer informação ao seu redor, dá testemunho preciso de fatos ocorridos durante os instantes que permaneceu clinicamente morto. Esse testemunho, inclusive, pode referir-se a lugares externos àquele na qual se encontrava sob atendimento. Isso mostra claramente que a consciência do ser humano não está presa ao corpo e pode continuar existindo fora dele. Há muitos estudos em curso e muito ainda precisa ser elucidado, mas os indícios de existir algo mais além de carne e ossos em nós humanos são cada vez maiores. Isso sem falarmos nas experiências mediúnicas existentes desde sempre em meio à humanidade. Essas manifestações atingiram seu ápice em meados do século XIX na França. Foram meticulosa e sistematicamente estudadas por Kardec, inclusive com controle estatístico de coerência entre manifestações provenientes de inúmeras fontes diferentes de lugares diferentes e desconhecidas entre si. Kardec não era místico. Ao contrário, tinha formação científica e atitude racional.

De outro lado, a conduta do indivíduo frente a seus semelhantes e frente ao mundo, isto é, a postura moral e ética do indivíduo, também não requer a figura de Deus como bússola. A conduta moral e ética do homem pode ser balizada por um princípio muito simples – não fazer aos outros o que não se quer para si – ou seu corolário – fazer aos outros o que gostaria que fosse feito para si. Este é um princípio elementar consequente da inteligência humana, consequente da capacidade de análise e deliberação, consequente do livre arbítrio e, cada vez mais, consequente da consciência de ser parte ativa de um sistema maior, Gaia, a Mãe Terra. A moral e a ética são valores operacionais fundamentais do indivíduo em ralação ao mundo que o cerca. Mas as questões existenciais vão além disto. A necessidade emocional de haver um sentido para a vida, vai muito além do problema da ética e da moral. O indivíduo pode viver de modo ético pleno, sem prejudicar ninguém, sendo útil de algum modo ao próximo e à sociedade, em perfeita sintonia com o progresso, mas será como um autômato, vazio, sem um sentimento de que, de alguma forma, sua existência tem uma finalidade que não meramente operacional e efêmera. A expansão da consciência exige algo mais. Aqui entramos novamente nos domínios da fé e dos sonhos.

O sonho, por sua vez, é um motor poderoso do progresso. Envolve riscos e isso os torna ainda mais instigantes e atraentes. O risco de errar e fracassar, não deve ser motivo de tristeza ou desânimo. É difícil lidar com isto, mas cair, levantar, renovar forças e seguir em frente faz parte da fé raciocinada. É da natureza humana. Somente a fé pode trazer conforto para os reveses da vida e continuar nos impulsionando a seguir em frente. Vale anotarmos que fé e sonho caminham de mãos dadas.

A fé idealiza estradas para destinos desconhecidos. À ciência cabe planejar e abrir essas estradas.

O universo da fé natural, apesar de diferir do universo convencional das religiões institucionalizadas em torno de dogmas, ritos e hierarquias sacerdotais, não deixa de ser complexo e também vulnerável aos preconceitos, ao fanatismo e ao jogo de interesses. Essa é a grande dificuldade para o estabelecimento de uma aliança positiva entre fé e ciência. Mas a fé, uma vez liberta das amarras religiosas tradicionais, por sua abrangência, tem mais chances de dialogar com a ciência.

Um fato curioso é a não aceitação da fé como sentimento universal comum a todos os seres humanos por uma parcela expressiva de céticos. Muitos alegam não necessitarem de Deus nem da existência da alma para darem sentido à suas vidas. Aqui não há o que discutir. Do mesmo modo, muitos alegam não haver qualquer sentido a ser buscado, portanto, menor ainda a necessidade da fé. Dizem-se pessoas cujo sentimento da fé é completamente inexistente ou ausente. Também aqui não cabe discussão, entretanto, racionalmente falando, não se trata de inexistência de fé. Trata-se de uma expressão diferente de fé. fé na razão pura. Fé que a ciência basta para explicar o mundo como ele é. Fé que a consciência humana é manifestação exclusiva de ligações e reações químicas e nada mais que isso. São coisas que a ciência não pode até o momento corroborar nem reprovar e há fortes indícios que esteja ainda bem longe disso.

O ceticismo científico que não permite que a ciência opere fora dos limites seguros do universo material é critério de trabalho. O ceticismo dogmático que adota a ciência como possibilidade única de acesso aos mistérios do Universo resulta no que se convencionou chamar de cientificismo. Também não cabe discuti-lo, mas não faz sentido dizer que não haja aí uma forma de fé. Por isto, a percepção que o homem é uma combinação complexa, misteriosa, inseparável e única de razão, de imaginação, de emoção e de fé é uma chave importante para o futuro da humanidade. É puro egoísmo negar possíveis diálogos entre esses diferentes aspectos da percepção humana. Uma real ausência de qualquer expressão de fé ou, se quiser, esperança relativa ao futuro, resultaria em um desencanto total com a existência. Conduziria o indivíduo à uma depressão profunda e, possivelmente, irreversível. Seria a anulação do ser, do sonhar, do almejar e do ousar. Seria a negação de uma existência consciente e inquiridora. Seria um suicídio intelectual e psicológico. É importante acreditar, cultivar alguma forma de fé em valores pelos quais se acredite que valha a pena viver. A satisfação pura e simples dos apetites animais pode satisfazer momentaneamente, mas jamais conduzirá o espírito humano à satisfação plena de todos as suas aspirações e potencialidades.

A mente humana, a vida e o universo que nos cerca, são complexos demais para serem apreciados somente pelo filtro da razão. O espírito humano não tem na razão, na imaginação e na fé três motores distintos que podem ser ligados ou desligados e usados separadamente conforme se queira. Trata-se de um único motor que funciona a partir da interação precisa e misteriosa desses três componentes. Somos um sistema complexo cujo estudo das partes isoladas não permitem uma compreensão adequada do todo. Esse antigo paradigma está praticamente abandonado com a ascensão do pensamento sistêmico.

Mas não se muda de paradigma de uma hora para outra. Muitas ideias criam raízes profundas, sobretudo em terrenos inundados por preconceitos. Um diálogo entre ciência e fé vem se mostrando cada vez mais viável e necessário apesar de muitas barreiras ainda existentes. Cada vez mais se percebe que ciência e fé não são campos opostos. São campos distintos, não se misturam, mas se completam. Essa nova visão vem sendo cada vez mais bem acolhida inclusive por céticos. Apesar disto, a intolerância velada ou explicita entre crentes e descrentes ainda existe. Para muitos crentes os descrentes seriam indivíduos inclinados ao hedonismo, egoístas e alheios ao amor e compaixão. Por outro lado, para muitos descrentes, os crentes seriam indivíduos ingênuos de pouca inteligência, acovardados diante das vicissitudes da vida real ou hipócritas disfarçados de bons filhos tementes a um Pai inexistente.

Dentre os crentes também não faltam preconceitos entre as diversas manifestações de fé religiosa, cada qual reivindicando para sua seara o caminho da salvação. Do mesmo modo, a desarmonia e dissonância graça em meio aos descrentes, cuja fé na razão oscila entre o ceticismo lúcido e autocrítico ao fundamentalismo negacionista exacerbado. Por tudo isso precisamos compreender que a fé natural, aberta ou raciocinada, se coloca acima dessas mazelas irracionais e pode ensejar a harmonia entre fé, razão, emoção e imaginação.

Pode não parecer, mas novas e esplêndidas perspectivas poderão se abrir para o futuro de um homem novo, mais humilde, de mente aberta, mais tolerante e menos preconceituoso. O assunto é vasto e não se esgota em algumas poucas páginas. Os desafios são enormes, mas as possibilidades são magníficas.

Fonte: Grupo de Estudos Avançados Espíritas

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