AUTODESCOBRIMENTO
Uma viagem dentro de mim mesmo
Geraldo Campetti Sobrinho
Ao reflexionar sobre esse tema, alinhavei alhures, pelos idos de 2011, o texto Em Busca de Identidade, a seguir transcrito, com o intuito de contribuir para o entendimento de mim mesmo e, quiçá, auxiliar no autoencontro do leitor:
O que me faz ser quem eu sou? Essa é uma dúvida que entrementes me surge…
A questão é curiosa e me faz perceber que ainda não me conheço integralmente.
Bem provável é que me conheça, ainda, muito pouco, apenas de relance.
Quem sou eu, de onde vim, o que estou fazendo aqui, para onde vou, o que será de mim? São perguntas que não costumamos fazer a nós mesmos. E quando as fazemos, as respostas não são encontradas dentro de uma gaveta ou num arquivo de computador.
Imagino que as explicações estejam nos escaninhos da mente ou nos refolhos do coração, onde também são guardadas as emoções e os sentimentos.
As respostas estão dentro de nós mesmos…
Assim, há necessidade da busca interior, para o autodescobrimento e o despertar de potencialidades latentes em nossa intimidade, boa parte delas ignorada pelos seus hospedeiros.
Quando estendo o olhar ao cosmos infinito à procura de conexão extrassensorial, percebo que o macrocosmo mantém relação causal com o microcosmo, tornando impossível conhecer o todo sem que se estabeleça intrínseca relação com a parte.
A necessidade de integração demandada por minha alma resta insolúvel quando não consigo compartilhar com o todo do qual faço parte a parte que sou, para que o todo seja integral.
É uma incompletude que me faz indagar: o que me faz ser quem eu sou?
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A temática do autodescobrimento é estudada por Joanna de Ângelis (FRANCO, 2000) ao nos estimular à descoberta de recursos interiores não explorados, insertos em estado latente no âmago do ser, aguardando desenvolvimento.
Necessário recorrer a alguns valores ético-morais: a coragem para decifrar-se, a confiança no êxito, o amor como manifestação elevada, a verdade que está acima dos caprichos seitistas e grupais, que o pode [o ser] acalmar sem o acomodar, tranquiliza-lo sem o desmotivar para a continuação das buscas.
Nessa abordagem psicológica, depreendemos virtudes identificadoras dos Espíritos batalhantes em constante labor de autossuperação e descobrimento de si mesmos, de retirada de véus que os cobrem ou os escondem em escaninhos de labirintos subjetivos, quais sejam: coragem, confiança, amor e verdade.
A coragem para decifrar-se é disposição que nem todos estão determinados a assumir. O autoenfrentamento exige força de vontade incongruente com a tibieza, fragilidade ainda manifesta na insegurança e indecisão dos errantes, ilusoriamente estagnados na ociosidade comportamental e acomodados a vícios da inferioridade. Empreender uma viagem para dentro de si, desvendar se, perscrutar-se atravessando camadas e atingindo a essência, penetrando a intimidade do ser, desnudando personalidades, para culminar no autoencontro da identidade real, do Espírito Imortal, exige coragem, hombridade e intrepidez.
Muitos – presumimos até a maior parcela da Humanidade -, estagiam nos estados letárgicos do sono e da inconsciência, decorrentes da ignorância ou da deliberação. Não se encontram despertos para as realidades maiores da Vida, estão adormecidos e apenas sencientes às exterioridades fugazes do hedonismo. Não conseguem aprofundar-se na sensibilização de estados superiores da magnificência divina estampada na Natureza exuberante, contudo imperceptível a seus olhos empanados.
O autoconhecimento constitui se no maior desafio do ser humano que principia a jornada luminosa rumo à perfeição relativa à qual está destinado pelos desígnios superiores. Será testado nas anfractuosidades íntimas, auscultado nos refolhos da alma, incitado ao autoexame, revolvido na estagnação, para liberar-se do efêmero, volátil e trépido, e vislumbrar o permanente, eterno e seguro, em conexão intrínseca com a essência divina de que se constitui, posto que filho e obra do Pai e Criador.
A confiança no êxito denota convicção do caminhante na conquista do anelo, por transparecer a serenidade consciente de quem laborou arduamente e acredita que, após a consecução dos empreendimentos próprios, independentemente de se ter logrado êxito ou não, tudo o mais será resultado da Bondade Divina a se revelar em sua vida. Diligenciada a sua quota, Deus misericordiosamente incumbe se do restante. É a paz de consciência, fruto do dever bem cumprido, alinhado às grandiosas potências da Natureza, consubstanciadas em perfeito misto de firmeza e serenidade, a demonstrar a onipresença de Deus.
A confiança traduz-se no somatório de credibilidade e afinidade, dividida pelos riscos possíveis, quando associada a relações interpessoais e vinculada à intracomunicação, no quesito da autoconfiança. Reflete estado íntimo nem sempre fácil de ser conquistado, pois, comumente, surgem sentimentos antagônicos, pensamentos obnubilados e fé vacilante. Não acreditamos em nós e, além disso, carecemos de afinidade conosco mesmos, expondo fragilidades do autoamor. A confiança é uma conquista que se dá no decorrer do tempo, após exercícios contínuos de autossuperação e perseverança na aquisição de hábitos saudáveis ao corpo e ao Espírito. O amor como manifestação elevada é base do autodescobrimento, fonte de vida e lei determinante no micro e macrocosmo dos multiversos, desde as primevas manifestações da evolução anímica até os níveis da angelitude, rumo à Causalidade Primária, de onde tudo se originou e para onde tudo converge. O amor reflete o sublime conúbio entre a criatura e o Criador, repercutindo as imarcescíveis leis que regem o Universo e o inefável sentido da Vida, dinâmico em beleza e harmonia.
Autodescobrir é reconhecer Deus dentro de si, é corroborar as sentenças evangélicas: sois deuses (João, 10:34); vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo.
(Mateus, 5:13 e 14). É descobrir o deus interno que habita em cada um de nós, a apontar a origem divina do ser humano e o destino que lhe está reservado no porvir.
E o amor é esse mecanismo imponderável a conduzir as criaturas na trajetória ascensional, resoluta e inexorável.
A verdade é a grande desafiadora do ser humano que vive fugas inócuas, no intento de se esconder, olvidando que, à semelhança dos passos na neve, os registros fazem-se marcantes, enquanto alguma tempestade não os oculte. Não é possível nos escondermos por muito tempo. Cedo ou tarde, a revelação demonstrará a veracidade dos fatos, pensamentos, sentimentos e palavras; mesmo que sob ignorância popular, a intimidade reservará as dimensões exatas das ocorrências ou construções psíquicas, alimentadas pela mente humana no decurso de suas existências. Os atenuantes e agravantes correrão pela Contabilidade Divina, que jamais se equivoca nos cálculos.
Joanna de Ângelis (FRANCO, 2000) leciona:
Erra-se tanto por ignorância como pela rebeldia. Na ignorância, mesmo assim, há sempre uma intuição do que é verdadeiro, face à presença íntima de Deus no homem. […] Tamanha a obviedade do ensino que nos passa despercebido.
Mesmo na condição de ignorantes, não poderemos alegar justificativas para o erro, pois a Lei de Deus está escrita em nossa consciência (KARDEC, 2017), e ali podemos encontrar as respostas a quaisquer dúvidas. O autodescobrimento consiste nessa busca incansável de conhecer a verdade, propiciadora da libertação, coadunando-se com o registro do discípulo amado no Evangelho de Jesus: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João, 8:32).
Essa jornada a ser empreendida pelo incipiente, condição inerente aos Espíritos em estágio evolutivo no qual por ora nos localizamos, pode levar o indivíduo a duas situações extremas e acentuadamente prejudiciais: a consciência de culpa e o sentimento de autopiedade.
A culpa pode se transformar em azorrague lancinante a minar as mais íntimas reservas de integridade, quando vergastam o ser à permanência nos grilhões do remorso devastador.
Recrudescem os acusadores, arvorados em juízes inclementes, a impingir árduas penalidades ao indivíduo que se permite auto-obsidiar ou vitimar-se pela obsessão decorrente de nefastas influências dos filhos de Deus, ainda baldos de luminescência, por insistirem deliberadamente em ínvios trajetos de aflição e incompreensões ante a Lei Maior da Vida. Eis os rebeldes, que insistem em erro por teimosia.
A autopiedade é um sentimento prejudicial ao ser humano por torná-lo incapaz de reagir, fazê-lo sentir-se impotente para apreender a realidade em sua dimensão desafiadora, levando-o à postura lamentável da comiseração por si próprio, como se abandonado pelas forças divinas e por todos os entes queridos. Sente-se relegado, esquecido e culmina por recolher-se à declarada insignificância, tombando nos estados enfermiços da falta de vontade e do desânimo, propiciadores de acentuadas patologias de natureza psicológica, afetiva e espiritual.
Nessa situação, o indivíduo não se vê como filho ou pai, irmão ou primo, sobrinho ou tio, não se enxerga como ser humano, abandonando-se a si mesmo a lamentáveis despautérios.
Num caso como noutro, imprescindível buscar ajuda médica, terapêutica, espiritual.
Medicamentos adequadamente preceituados, a depender de cada caso, podem ajudar. O atendimento fraterno na Casa Espírita, seguido de tratamento por meio da fluidoterapia, será oportuno se a situação assim demandar. Tudo, sempre com bom senso, discernimento.
A orientação da mentora de Divaldo Franco é no sentido de que nos liberemos da consciência de culpa e dos sentimentos de autopiedade pela assunção da responsabilidade.
Eis o melhor caminho. Somos responsáveis pelos nossos atos e escolhas, e inelutavelmente, estaremos sujeitos às suas consequências, pois assim é da Lei de Causa e Efeito – regente de nossos destinos -, que cada um responda segundo as suas obras. O sofrimento é decorrente da imperfeição, como exara o codificador no Código penal da vida futura (KARDEC, 2016).
Porém, a capacidade de vencer esse estado temporário está no próprio homem que pode usar de sua vontade para realizar grandes coisas, como Jesus nos estimulou: “Sois deuses”; “podeis fazer o que eu faço e muito mais” (João, 10:34; 14:12).
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Breve colóquio com um amigo de lides doutrinárias, no intercurso de uma live do programa Entre dois mundos: uma visão espírita da realidade, exibido pela FEBtv, possibilitou-nos conferir inusitada lição.
Compartilhou o irmão espiritista, em salutares reminiscências da convivência paternal, que o seu estimado genitor exortava-o a realizar indagação tríplice sempre ao ocaso de cada dia, antecedendo o sono físico:
1º) O que eu fiz de útil ou de bom hoje?
2º) O que eu aprendi de novo neste dia?
3º) Vivi com alegria?
Prescindível registrar que se as três respostas forem afirmativas, estaremos seguindo bom caminho, coadunados com as forças supremas. Se alguma for negativa, significa que precisaremos reavaliar nossa postura no decorrer de cada dia, sempre em busca da reforma íntima indispensável à ascensão ao Reino de Deus.
Essa jubilosa experiência evocou-nos a inolvidável recomendação de Santo Agostinho (KARDEC, 2017), quando nos convida a passar em revista o que fizemos ao longo do dia e buscar, no dia seguinte, reforçar o que é bom, corrigindo o que fizemos em dissonância com a Vontade Divina. Ali, nas assertivas agostinianas, encontramos uma exposição humanista de como nos devemos relacionar com Deus, com o próximo e conosco mesmos, agindo em harmonia com os preceitos da solidariedade, do respeito e do equilíbrio, assentados no Evangelho de Jesus e revivificados pelo Espírito Consolador do Espiritismo.
O amor a Deus, ao próximo e a nós mesmos, na observância do roteiro definido pelo Meigo Nazareno, é a estratégia mais efetiva para o autodescobrimento e a percepção profunda do verdadeiro sentido da Vida Imortal, concessão sublime que se esparge para toda a Criação, como assinatura de Deus na existência de cada um de nós.
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Geraldo Campetti Sobrinho / geraldocampetti@gmail.com
Revista Reformador – Novembro de 2017
Referências:
FRANCO, Divaldo P. O Homem Integral. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 11. ed. Salvador: LEAL, 2000. Pt. 3 – A busca da realidade, cap. 11 – Autodescobrimento.
KARDEC, Allan. O céu e o Inferno. Trad. Manuel Quintão. 61. ed. 4. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2016. Pt.1, cap. 7.
O Livro dos Espíritos. Trad.. Guillon Ribeiro. 93. ed. 4. imp. (Edição Histórica). Brasília: FEB, 2017. q. 919a e 621.