Amor, excelso amor…

Jorge Hessen

jorgehessen@gmail.com

“O amor é a força mais abstrata e, também, a mais poderosa que o mundo possui.”(Mahatma Gandhi)

Dizem os Benfeitores do além que, nos albores de sua evolução, predominam no homem as cargas instintivas. Na medida em que avança na escala da evolução, surgem as sensações. Com o passar dos milênios, irrompem os sentimentos – ponto fundamental para o desabrochar do amor. Isto posto, analisemos os sentimentos que advêm das tendências eletivas e o das afinidades familiares. Na primeira condição, estão as expressões complexas do desejo, do sensualismo; na outra situação, sedimentam-se a fraternidade e o enlevo conjugal, numa simbiose mágica, químio-eletro-magnética, na entranha do ser.

Na questão 938-a de “O Livro dos Espíritos” lemos: “A natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem”. (1) O amor deve ser o objetivo excelso no roteiro humano para a conquista da paz na sua expressão apoteótica.

Porém, diversas vezes, o nosso sentimento é meramente desejar, e tão-somente com o “desejar”, desfiguramos, instintivamente, os mais promissores projetos de vida. Alguns estudiosos estabelecem que o “amor” é a resultante de uma determinada reação química comandada pelo cérebro. (!?) Deste modo, sobressai-se a feniletilamina (2) produzida pelo organismo, à medida em que surge uma atração sexual intensa.

A Dra. Hellen Fischer, estudiosa do tema, afirma que o romantismo tende a desvanecer-se em pouco tempo. Fischer afirma, ainda, que existe outra substância relacionada ao “amor”: a Ocitocina, que sensibiliza os nervos nas contrações musculares, mas o efeito dessas substâncias é pouco duradouro, resultando nas separações entre os casais, razão do grande número de divórcios. (3) (sic)

Nesses argumentos absurdamente maquinais, os “especialistas” propõem uma análise dos sentimentos, apenas como resultante de um amontoado de forças nervosas, movimentando células físicas, regidas pela combinação de substâncias neurotransmissoras. É totalmente despropositada essa tese que subestima a vontade, o pensamento, o livre-arbítrio do ser racional, atribuindo-se o “arrefecimento do amor” ao simples processo de descompensação hormonal e às alterações das combinações neuropsicoquímicas.

Nos dias de hoje, fala-se e escreve-se muito sobre o sexo e pouco sobre o amor. Certamente, porque esse sentimento não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de definição. Por isso, a poesia, campo mítico por excelência, encontra, na metáfora, a tradução melhor da paixão, como se esta fosse o amor. Segundo o psiquiatra William Menninger, “o amor é um sentimento que a gente sente quando sente que vai sentir um sentimento que jamais sentiu”.(4) Entendeu?… Nem eu!

Esse vazio conceptual deve-se à dificuldade de manifestação de solidariedade e fraternidade no mundo de hoje. O desenvolvimento dos centros urbanos criou a “síndrome da multidão solitária”. As pessoas estão lado a lado, mas suas relações são de contiguidade.

A paixão é exclusivista, egoísta, dominadora, é predominantemente desejo. Para alguns pensadores, esse sentimento é a tentativa por capturar a consciência do outro, desenvolvendo uma forma possessiva, onde surge o ciúme e o desejo de domínio integral da pessoa “amada”.

O legítimo amor é o convite para sair de si mesmo. Se a pessoa for muito centrada em si mesma, não será capaz de ouvir o apelo do outro. Isso supõe a preocupação de que a outra pessoa cresça e se desenvolva como ela é, e não como queiramos que ela seja. O amor representa a liberdade, e não o psicótico sentimento de posse. É a lei de atração e de todas as harmonias conhecidas, sendo força inesgotável que se renova sem cessar e enriquece, ao mesmo tempo, quem dá e quem recebe.

Podemos até afirmar que o amor é quase tudo o que imaginamos ser: é o extasiar-nos com a presença do outro, sem que essa presença seja a nossa única razão de existir e sonhar; é a índole de ajudar o outro, todavia sem exigir que o outro seja ou faça, somente, o que julgamos correto; é a sublimidade dos bons sentimentos dirigidos ao outro, porém, sem que haja limites ou condições para que expressemos tais sentimentos; é o abraço, o olhar sereno, o aperto de mão, a palavra dúctil e tranquila, os ouvidos atentos para ouvir; tudo isso em função do outro, contudo, sem que venhamos impor, ao outro, que nos recompense; e, mais ainda, que todo esse sentimento possa ser projetado a todas as pessoas, não somente aos nossos consanguíneos, mas aos amigos próximos e companheiros de jornada humana.

Se quisermos melhor contemplar e traduzir o que é amor, inspiremo-nos na placidez dos campos, no sussurro do frágil regato, na cadência dos silvos dos pássaros ao lado da destreza instintiva da ave tecelã… Arrebatemo-nos no tremeluzir das flores em multicores, nas pétalas singelas que espalham aromas em pequenos canteiros, nas miríades de mundos que enfeitam galáxias nos jardins do firmamento e no brilho feérico da estrela que jaz no infinito.

O amor está presente na leve brisa que acaricia os ramos de uma roseira e nos vendavais que agitam ondas imensas nos oceanos; está no tênue sussurro da criança e, também, nas estrondosas explosões solares; está na força do jovem que busca seu espaço ao sol e na sabedoria do ancião que recorda e descansa; está na graciosidade da borboleta e na habilidade inconteste dos reflorestadores alados. O amor é a dinâmica da vida, e a harmonia da Natureza é o remédio para todos os males que atormentam o homem.

Em síntese, tudo o que possamos idealizar sobre o amor pode se consubstanciar como parcela deste sentimento, mas ele é muito maior e mais abrangente, até porque o bem-querer, toda a bondade, a tolerância, a alegria, a proximidade, só poderão ser um fragmento do amor quando não tiverem laços no apego, na imperiosa necessidade de permuta, no egoísmo que exige sempre condições e regras.

Em verdade, o amor só será verdadeiro e incondicional quando for dilatado por todos nós, a todas as coisas e a todos os seres que nos cercam, nessa estupenda experiência humana que é a própria vida.

 Referências bibliográficas

(1) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB ed. 2002, questão 983-a

(2) Líquido oleoso, incolor, redutor enérgico, uso como reagente [fórm.: C6H8N2]

(3) FISCHER, Helen. The Anatomy of Love, New York: Norton,1992

(4) MENNINGER, Willian C. e MUNRO Leaf. ABC da psiquiatria, São Paulo: ed. Ibrasa 1973 1 edição tradução de Nair B

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