Alcoolista

Geraldo José de Sousa

– Alcoolista há muitos anos. Quando ébrio — e era esse seu estado natural —, não possuía consciência do tempo, dos fatos, da vida.

Não chegou a essa situação de uma hora para outra. Começou bebendo socialmente com os “amigos”, que nessa fase ainda existem.

Pouco a pouco, foi aumentando a sede, as doses e a periodicidade dos tragos foi encurtando. Os “amigos” foram sumindo, a pouco e pouco.

Deixava uma garrafa aqui, outra ali, sempre à mão, meio escondidas, pela consciência, pela certeza do erro que cometia.

Sofria a família: a mulher, os filhos, os pais, os irmãos e os verdadeiros amigos.

Mas ele não percebia isso. E negava, quando lhe diziam que estava bebendo demais. Ele, um alcoólatra? De jeito nenhum! Sabia beber.

Bebia socialmente.

Hoje bem sabe que “Alcoolismo é também doença da negação”. O alcoolista não admite que é dependente do vício que, por isso, o domina e maltrata, submetendo-o às conseqüências que dele advêm, para si e para seus dependentes.

Mas, ao contrário do que dizia, excedia-se e ficava agressivo, verbal e fisicamente, ironizando os demais, agredindo-os, humilhando-os, menosprezando-os.

Assim agindo, afastava a todos. Foi ficando cada vez mais só.

Nova desculpa para beber mais e mais.

Perdera muitos empregos e agora era impossível obter outro. Sua postura e seu hálito desaconselhavam qualquer contratação, não obstante ser profissional competente, quando sóbrio. Um acidente de trabalho levara-lhe dois dedos da mão direita, ao operar simples máquina.

A saúde já não era a mesma. Tremiam-lhe as mãos, estava pálido, abatido e precocemente envelhecido.

Não possuía mais carro. Estava livre de provocar acidentes por suas mãos. Mas várias vezes fora acidentado, ao atravessar ruas. Lesões, fraturas e internações, eram, amiúde, o resultado.

O primeiro casamento fora destruído. As privações que impunha à família, os maus tratos, a má conduta, a desonra, as humilhações e o embrutecimento próprio tornaram-lhes insuportável sua companhia.

Ainda bem que os filhos não lhe seguiram os maus exemplos, reconhece hoje!

Internado várias vezes em clínicas, inutilmente. Tornara-se peso para a família e para a sociedade.

A segunda esposa desistira de recuperá-lo. Nem ligava para sua vida; ao que fizesse ou deixasse de fazer. Quando tinha problemas mais sérios com ele, chamava seu filho mais velho, que vivia em outra parte.

Uma noite, acorda caído no chão, dentro de casa, e o filho estava lá — amava e ama esse filho, que o olhava com um misto de amor, angústia e impotência.

Não esquecerá jamais aquele olhar, que lhe pesou na alma, tocando-o no íntimo do ser.

Para sair daquela posição incômoda, no chão, inventou que havia escorregado. Com vergonha, mentira. Vergonha imensa. Queria sumir.

Em realidade, levantou-se e foi beber mais.

Mas conseguiu, um dia, parar.

E foi aquele incidente — aquele olhar de compaixão e dor, do filho, ao vê-lo caído no chão — que despertou nele a necessidade de mudar; que o levou a admitir que era um alcoólico, dependente do vício, enfermo, gravemente enfermo, carente de auxílio.

Levado por um amigo, compareceu, alcoolizado, sem escutar e sem entender muita coisa, à sua primeira reunião nos Alcoólicos Anônimos.

Mas fez planos de sair dali e ir beber mais, imediatamente. Deixaria de beber no dia seguinte.

Outro incidente, ocorrido naquela primeira reunião, foi fundamental para sua recuperação. Um baixinho feio, pobre, desdentado, desafiou-o, até de forma antifraterna — o que é incomum no A.A., onde todos são tratados com absoluto respeito e muito amor —, afirmando-lhe:

— Você é ou não é homem para ficar sem beber 24 horas?

Para mostrar-lhe, àquele pilantra, de que era capaz, por vaidade, afinal, desde então não mais bebeu. Isto há vários anos. Recuperou-se com a ajuda de Alcoólicos Anônimos.

Agradece a Deus, ao filho e àquele “baixinho” que o libertaram do vício.

Hoje, tem o amor dos filhos; o respeito deles e por eles. Amor e respeito que são fatores fundamentais, sublimes, para recuperar quem se acha caído.

Benditas as mãos fraternas, estendidas em nome do Amor!

Publicado no Reformador de agosto/02, p. 16, sem a última frase.

FIM.

Esta entrada foi publicada em Artigos, Dependência Química. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário