A homeopatia nas moléstias morais
Allan Kardec – Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sob a direção de ALLAN KARDEC
1867 > Março > A homeopatia nas moléstias morais
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Pode a homeopatia modificar as disposições morais? Tal é a pergunta feita por certos médicos homeopatas e à qual não hesitam em responder afirmativamente, apoiando-se em fatos. Considerando-se sua extrema gravidade, vamos examiná-la com cuidado, de um ponto de vista que nos parece ter sido negligenciado por aqueles senhores, por mais espiritualistas e mesmo espíritas que sejam, sem dúvida, porquanto há bem poucos médicos homeopatas que não sejam uma ou a outra coisa. Mas, para a compreensão de nossas conclusões, são necessárias algumas explicações preliminares sobre as modificações dos órgãos cerebrais, sobretudo para as pessoas alheias à fisiologia.
Um princípio que a simples razão torna admissível, que a Ciência constata diariamente, é que nada há de inútil na Natureza, que até nos mais imperceptíveis detalhes tudo tem um fim, uma razão de ser, uma destinação. Este princípio é particularmente evidente no que concerne ao organismo dos seres vivos.
Em todos os tempos, o cérebro tem sido considerado como o órgão da transmissão do pensamento e a sede das faculdades intelectuais e morais. É hoje reconhecido que certas partes do cérebro têm funções especiais e são afetadas por uma ordem particular de pensamentos e sentimentos, pelo menos no que concerne à generalidade; é assim que, instintivamente, na parte anterior se colocam as faculdades do domínio da inteligência e que uma fronte fortemente deprimida e retraída é para todo mundo um sinal de inferioridade intelectual. As faculdades afetivas, os sentimentos e as paixões estariam, consequentemente, sediados em outras partes do cérebro.
Ora, se considerarmos que os pensamentos e os sentimentos são excessivamente múltiplos, e partindo do princípio que tudo tem sua destinação e sua utilidade, é permitido concluir que não só cada feixe fibroso do cérebro corresponde à manifestação de uma faculdade geral distinta, mas que cada fibra corresponde à manifestação de uma das nuanças dessa faculdade, como cada corda de um instrumento corresponde a um som particular. Sem dúvida é uma hipótese, mas que tem todos os caracteres de probabilidade, e cuja negação não infirmaria as consequências que deduziremos do princípio geral. Ela nos ajudará em nossa explicação.
O pensamento é independente do organismo? Aqui não temos que discutir esta questão, nem que refutar a opinião materialista segundo a qual o pensamento é secretado pelo cérebro, como a bile pelo fígado; nasce e morre com esse órgão. Além de suas funestas consequências morais, essa doutrina tem contra si o fato de nada explicar.
Segundo as doutrinas espiritualistas, que são as da imensa maioria dos homens, não podendo a matéria produzir o pensamento, este é um atributo do Espírito, do ser inteligente que, quando unido ao corpo, serve-se dos órgãos especialmente encarregados da sua transmissão, como se serve dos olhos para ver e dos pés para andar. Sobrevivendo o Espírito ao corpo, o pensamento também a ele sobrevive.
Segundo a Doutrina Espírita, o Espírito não só sobrevive, mas preexiste ao corpo; ele não é um ser novo; ao nascer, ele traz ideias, qualidades e imperfeições que possuía; assim se explicam as ideias, as aptidões e as inclinações inatas. O pensamento é, pois, preexistente e sobrevivente ao organismo. Este ponto é capital e é por não o terem reconhecido que tantas questões permaneceram insolúveis.
Estando na Natureza todas as faculdades e aptidões, o cérebro encerra os órgãos, ou, pelo menos, o germe dos órgãos necessários à manifestação de todos os pensamentos. A atividade do pensamento do Espírito sobre um ponto determinado impele ao desenvolvimento da fibra ou, se se quiser, do órgão correspondente. Se uma faculdade não existir no Espírito, ou se, existindo, deve ficar em estado latente, estando inativo o órgão correspondente, ele não se desenvolve ou se atrofia. Se o órgão for atrofiado congenitamente, a faculdade não pode manifestar-se, e o Espírito parece dela privado, embora, em realidade, a possua, porquanto ela lhe é inerente. Enfim, se o órgão, primitivamente em seu estado normal, se deteriora no curso da vida, a faculdade, de brilhante que era, se reduz, depois se apaga, mas não se destrói; há apenas um véu que a obscurece.
Conforme os indivíduos, há faculdades, aptidões, tendências que se manifestam desde o começo da vida, outras se revelam em épocas mais tardias, e produzem as mudanças de caráter e de disposições que se notam em certas pessoas. Neste último caso, geralmente não são disposições novas, mas aptidões preexistentes, que dormitariam até que uma circunstância as viesse estimular e despertar. Podemos ter certeza que as disposições viciosas que se manifestam, por vezes subitamente e tardiamente, tinham seu germe preexistente nas imperfeições do espírito, porque este, marchando sempre para o progresso, se for fundamentalmente bom, não pode tornar-se mau, ao passo que de mau pode tornar-se bom.
O desenvolvimento ou a depressão dos órgãos cerebrais segue o movimento que se opera no Espírito. Essas modificações são favorecidas em todas as idades, mas sobretudo na mocidade, pelo trabalho íntimo de renovação que se opera incessantemente no organismo, da seguinte maneira:
Os principais elementos do organismo são, como sabemos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que, por suas múltiplas combinações, formam o sangue, os nervos, os músculos, os humores e as diferentes variedades de substâncias. Pela atividade das funções vitais, as moléculas orgânicas são incessantemente expelidas do corpo pela transpiração, pela exalação e por todas as secreções, de sorte que se não fossem substituídas, o corpo reduzir-se-ia e acabaria deperecendo. O alimento e a aspiração incessantemente trazem novas moléculas, destinadas a substituir as que se vão, de onde se segue que, num tempo dado, todas as moléculas orgânicas são inteiramente renovadas, e que numa certa idade, não existe mais uma só das que formavam o corpo em sua origem. É o caso de uma casa, da qual se arrancassem as pedras uma a uma, substituindo-as sucessivamente por novas pedras da mesma forma e tamanho, e assim por diante até a última. Teríamos sempre a mesma casa, mas formada de pedras diferentes.
Assim é com o corpo, cujos elementos constitutivos são, dizem os fisiologistas, totalmente renovados de sete em sete anos. As diversas partes do organismo continuam existindo, mas os materiais são trocados. Dessas mudanças gerais ou parciais nascem as modificações que sobrevêm, com a idade, no estado de saúde de certos órgãos, as variações que sofrem os temperamentos, os gostos, os desejos que influem sobre o caráter.
As aquisições e as perdas não estão sempre em perfeito equilíbrio. Se as aquisições superam as perdas, o corpo cresce e engrossa; se se dá o contrário, o corpo diminui. Assim podemos entender o crescimento, a obesidade, o emagrecimento e a decrepitude.
A mesma causa produz a expansão ou a cessação do desenvolvimento dos órgãos cerebrais, conforme as modificações que se operam nas preocupações habituais, nas ideias e no caráter. Se as circunstâncias e as causas que agem diretamente sobre o Espírito, provocando o exercício de uma aptidão ou de uma paixão que até agora estava em estado de inércia, a atividade que se produz no órgão correspondente aí faz afluir o sangue, e com ele as moléculas constitutivas do órgão, que cresce e toma força na proporção dessa atividade. Pela mesma razão, a inatividade da faculdade produz o enfraquecimento do órgão, como também uma atividade muito grande e muito persistente pode levá-lo à desorganização ou ao enfraquecimento, por uma espécie de desgaste, como acontece com uma corda muito esticada.
As aptidões do Espírito, portanto, são sempre uma causa, e o estado dos órgãos, um efeito. Pode acontecer, entretanto, que o estado dos órgãos seja modificado por uma causa estranha ao Espírito, tal como doença, acidente, influência atmosférica ou climática; então os órgãos é que reagem sobre o Espírito, não alterando as suas faculdades, mas perturbando a manifestação.
Um efeito semelhante pode resultar das substâncias ingeridas, no estômago, como alimentos ou medicamentos. Essas substâncias aí se decompõem, e os princípios essenciais que elas encerram, misturados ao sangue, são levados, pela corrente da circulação, a todas as partes do corpo. É reconhecido pela experiência que os princípios ativos de certas substâncias são levados mais particularmente a tal ou qual víscera: o coração, o fígado, os pulmões, etc., e aí produzem efeitos reparadores ou deletérios, conforme sua natureza e propriedades especiais. Alguns, agindo desta maneira sobre o cérebro, podem exercer sobre o conjunto ou sobre determinadas partes, uma ação estimulante ou estupefaciente, conforme a dose e o temperamento, como, por exemplo, as bebidas alcoólicas, o ópio e outras.
Nós nos estendemos um pouco sobre os detalhes que precedem, a fim de facilitar a compreensão do princípio sobre o qual pode apoiar-se, com aparência de lógica, a teoria das modificações do estado moral por meios terapêuticos. Esse princípio é o da ação direta de uma substância sobre uma parte do organismo cerebral, tendo por função especial servir à manifestação de uma faculdade, de um sentimento ou de uma paixão, porque não pode ocorrer a ninguém que tal substância possa agir sobre o Espírito. Admitido, pois, que o princípio das faculdades está no Espírito e não na matéria, suponhamos que se reconheça numa substância a propriedade de modificar as disposições morais de neutralizar uma inclinação má, isto só poderia se dar por força de sua ação sobre o órgão correspondente a essa inclinação, ação que teria por efeito deter o desenvolvimento desse órgão, de atrofiá-lo ou paralisá-lo se ele for desenvolvido. É evidente que, neste caso, não se suprime a inclinação, mas a sua manifestação, absolutamente como se de um músico tirássemos o seu instrumento.
Provavelmente são efeitos dessa natureza que certos homeopatas observaram, e que os fizeram crer na possibilidade de corrigir, com o auxílio de medicamentos apropriados, vícios tais como o ciúme, o ódio, o orgulho, a cólera, etc. Uma tal doutrina, se fosse verdadeira, seria a negação de toda responsabilidade moral, a sanção do materialismo, porque então a causa de nossas imperfeições estaria apenas na matéria; a educação moral reduzir-se-ia a um tratamento médico; o mais perverso dos homens poderia tornar-se bom sem grandes esforços, e a Humanidade poderia ser regenerada com o auxílio de algumas pílulas. Se, ao contrário, e disto não resta dúvida, as imperfeições forem inerentes à inferioridade do Espírito, não será possível melhorá-lo pela modificação de seu envoltório carnal, como não se endireita um corcunda dissimulando sua deformidade sob o talhe de suas roupas.
Não duvidamos, entretanto, que tais resultados tenham sido obtidos nalguns casos particulares, porque, para afirmar um fato tão grave, é preciso ter observado, no entanto, estamos convictos que se enganaram sobre a causa e sobre o efeito. Os medicamentos homeopáticos, por sua natureza etérea, têm uma ação de certa forma molecular; mais do que outros, indubitavelmente, eles podem agir sobre certas partes elementares e fluídicas dos órgãos e modificar sua constituição íntima. Se, pois, como é racional admitir, todos os sentimentos da alma têm sua fibra cerebral correspondente para a sua manifestação, um medicamento que agisse sobre essa fibra, quer para paralisá-la, quer para exaltar sua sensibilidade, paralisaria ou exaltaria, por isso mesmo, a expressão do sentimento do qual ela fosse o instrumento, mas o sentimento não deixaria de subsistir. O indivíduo estaria na posição de um assassino a quem se tirasse a possibilidade de cometer homicídios cortando-lhes os braços, mas que não deixaria de conservar o desejo de matar. Seria, pois, um paliativo, mas não um remédio curativo.
Não se pode agir sobre o ser espiritual senão por meios espirituais. A utilidade dos meios materiais, se fosse constatado o efeito acima, talvez fosse de dominar mais facilmente o Espírito, de torná-lo mais flexível, mais dócil e mais acessível às influências morais; mas nos embalaríamos em ilusões se esperássemos de uma medicação qualquer um resultado definitivo e durável.
Seria diferente se se tratasse de dar suporte à manifestação de uma faculdade existente. Suponhamos um Espírito inteligente encarnado, mas tendo ao seu serviço um cérebro atrofiado e não podendo, pois, manifestar as suas ideias. Ele seria, para nós, um idiota. Admitindo-se – o que julgamos possível à homeopatia, mais do que a qualquer outro gênero de medicação – que se pudesse dar mais flexibilidade e sensibilidade às fibras cerebrais, o Espírito manifestaria seu pensamento, como o mudo ao qual se tivesse soltado a língua. Mas se o próprio Espírito fosse idiota, mesmo que tivesse ao seu serviço o cérebro do maior gênio, nem por isso seria menos idiota. Um medicamento qualquer, não podendo agir sobre o Espírito, não poderia nem dar-lhe o que ele não tem nem tirar o que ele tem. Mas agindo sobre o órgão de transmissão do pensamento, ele pode facilitar essa transmissão, sem que, em consequência disso, haja qualquer alteração na condição do Espírito. O que é difícil, e o mais da vezes impossível, no caso do idiota de nascença, porque há nele uma paralisação completa e quase sempre geral de desenvolvimento nos órgãos, torna-se possível quando a alteração é acidental e parcial. Nesse caso, não é o Espírito que é aperfeiçoado, são os seus meios de comunicação.
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1867 > Março > A homeopatia nas moléstias morais
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A homeopatia nas moléstias morais 2a. parte
Revista Espírita
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1867 > Junho > A homeopatia nas moléstias morais
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O artigo que publicamos no número de março sobre a ação da Homeopatia nas moléstias morais nos valeu, de um dos mais ardentes partidários desse sistema e ao mesmo tempo um dos mais fervorosos adeptos do Espiritismo, o doutor Charles Grégory, a seguinte carta que temos o dever de publicar, em razão da luz que a discussão pode trazer à questão:
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“Caro e venerado mestre,
“Vou tentar explicar-vos como compreendo a ação da Homeopatia sobre o desenvolvimento das faculdades morais.
“Como eu, admitis que todo homem com saúde possui rudimentos de todas as faculdades e de todos os órgãos cerebrais necessários à sua manifestação. Admitis, também, que certas faculdades vão se desenvolvendo sempre, ao passo que outras, as que indubitavelmente são rudimentares, depois de apenas terem emitido alguns lampejos, parecem extinguir-se completamente. No primeiro caso, em vossa opinião, os órgãos cerebrais que correspondem às faculdades em pleno desenvolvimento teriam sua livre manifestação, ao passo que os rudimentares, que o mais das vezes também se relacionam com aptidões rudimentares, se atrofiariam completamente, com o avançar da idade, por falta de atividade vital.
“Se, pois, por meio de medicamentos apropriados, eu agir sobre os órgãos imperfeitos; se aí desenvolver um acréscimo de atividade vital, se para aí indico uma nutrição mais poderosa, é evidente que aumentando o volume eles permitirão que a faculdade rudimentar melhor se manifeste, e que pela transmissão das ideias e dos sentimentos que tiverem colhido, pelos sentidos, no mundo exterior, eles imprimirão à faculdade correspondente uma influência salutar, e por sua vez a desenvolverão, porque tudo se liga e se mantém no homem; a alma influi sobre o físico, como o corpo influi sobre a alma. Então já observamos, por conseguinte, a primeira influência dos medicamentos, pelo do aumento dos órgãos sobre as faculdades correspondentes da alma, a possibilidade, portanto, do homem crescer em potencialidades e aptidões, por meio de forças tiradas do mundo material.
“Agora, para mim não está absolutamente provado que nossas pequenas doses, chegadas a um estado de sublimação e de sutileza que ultrapassam todos os limites, não tenham em si algo de espiritual, de certo modo, que por sua vez age sobre o Espírito. Nossos medicamentos, dados no estado de divisão a que a arte os submete, não são mais substâncias materiais, mas necessariamente são forças, ao menos em minha opinião, que devem agir sobre as faculdades da alma, que, também elas, são forças.
“E depois, como creio que o Espírito do homem, antes de se encarnar na Humanidade, sobe todos os degraus da escala e passa pelo mineral, pela planta e pelo animal e na maior parte dos tipos de cada espécie, onde preludia para seu completo desenvolvimento como ser humano, quem me diz que dando medicalmente o que não é mais nem mineral, nem planta, nem animal, mas o que se poderia chamar sua essência e de certo modo seu espírito, não agimos sobre a alma humana composta dos mesmos elementos? Porque, digam o que disserem, o Espírito certamente é alguma coisa, e porque ele se desenvolveu e se desenvolve incessantemente, deve ter haurido seus elementos nalguma parte.
“Tudo quanto posso dizer é que não agimos sobre a alma com as nossas 200ª e 600ª diluições, materialmente, mas virtualmente e de certo modo espiritualmente.
“Agora, aí estão os fatos, fatos numerosos, bem observados, e que bem poderiam demonstrar que não estou inteiramente errado. Para citar a mim mesmo, embora não goste muito de questões pessoais, direi que, experimentando em mim, há trinta anos, remédios homeopáticos, de certo modo criei novas faculdades, sem dúvida rudimentares, mas que na minha mais luxuriante mocidade jamais tinha conhecido, pois ignorava a Homeopatia, que hoje, aos cinquenta e dois anos, encontro bem desenvolvidas: a percepção da cor e das formas.
“Acrescentarei ainda que, sob a influência de nossos meios, vi caracteres mudarem completamente; à leviandade sucederam a reflexão e a solidez do raciocínio; à lubricidade, a continência; à maldade, a benevolência; ao ódio, a bondade e o perdão das injúrias. Evidentemente não é coisa para alguns dias; são necessários alguns anos de cuidados, mas se chega a esses belos resultados por meios tão cômodos, que não há nenhuma dificuldade em identificar os clientes que vos são devotados, e um médico os tem sempre. Eu mesmo observei que os resultados obtidos por nossos meios eram adquiridos para sempre, ao passo que os dados pela educação, os bons conselhos, as exortações seguidas, os livros de moral quase não resistiam ante a possibilidade de satisfazer uma paixão ardente, e as tentações em relação com nossas fraquezas, antes adormecidas e entorpecidas do que curadas. Se neste último caso o sucesso se manifestava, não era sem lutas violentas, que não era bom prolongar por muito tempo.
“Eis, caro mestre, as observações que desejava submeter-vos sobre esta tão grave questão da influência da Homeopatia sobre o moral humano.
“Para concluir: Quer seja pelo cérebro que o medicamento aja sobre as faculdades, quer aja ao mesmo tempo sobre a fibra cerebral e sobre sua faculdade correspondente, não está menos demonstrado para mim, por centenas de fatos, que a ação sutil e profunda de nossas doses sobre o moral humano é muito real. Além disso, é-me demonstrado que a Homeopatia deprime certas faculdades, certos sentimentos ou certas paixões muito exaltadas, para ativar outras muito reduzidas, e como que paralisadas e, por isto mesmo, conduz ao equilíbrio e à harmonia, de onde resulta a melhora real e o progresso do homem em todas as suas aptidões, e facilidade de vencer-se a si mesmo.
“Não julgueis que tal resultado anule a responsabilidade humana, e que se chegue a esse progresso tão desejado sem sofrimentos e sem lutas. Não basta tomar um medicamento e se dizer: “Vou triunfar de minha inclinação para a cólera, para o ciúme e para a luxúria.” Oh! não! O remédio apropriado, uma vez introduzido no organismo, não traz uma modificação profunda senão ao preço de violentos sofrimentos morais e físicos, e muitas vezes, de longa, de muita longa duração, sofrimentos que devem ser repetidos várias vezes, variando os medicamentos e as doses, e isto durante meses e às vezes anos, se quisermos chegar a resultados concludentes. Aí está o preço a pagar por seu melhoramento moral; aí a prova e a expiação pelas quais tudo se paga neste mundo inferior, e vos confesso que não é coisa fácil de se corrigir, mesmo pela Homeopatia. Não sei se, pelas angústias interiores que se sofre, não se paga mais caro esse progresso do que pela modificação mais lenta, é certo, mas sem dúvida mais suave e suportável da ação puramente moral de todos os dias, pela observação de si mesmo e o ardente desejo de vencer-se.
“Termino aqui. Mais tarde vos contarei inúmeros fatos que bem poderão convencer-vos.
“Recebei, etc.”
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Esta carta em nada modifica a opinião que emitimos sobre a ação da Homeopatia no tratamento das moléstias morais, que vêm confirmar, ao contrário, os próprios argumentos do Sr. Dr. Grégory. Portanto, persistimos em dizer que se os medicamentos homeopáticos podem ter uma ação sobre o moral, é agindo sobre os órgãos de sua manifestação, o que pode ter sua utilidade em certos casos, mas não sobre o Espírito; que as qualidades boas ou más e as aptidões são inerentes ao grau de adiantamento e de inferioridade do Espírito, e que não é com um medicamento qualquer que se pode fazê-lo avançar mais depressa, nem lhe dar as qualidades que não pode adquirir senão sucessivamente e pelo trabalho; que uma tal doutrina, fazendo depender as disposições morais do organismo, tira do homem toda responsabilidade, a despeito do que diz o Sr. Grégory, e o dispensa de todo trabalho sobre si mesmo para se melhorar, pois poderíamos torná-lo bom, malgrado seu, administrando-lhe tal ou qual remédio; que se, com a ajuda de meios materiais, podem ser modificados os órgãos das manifestações, o que admitimos perfeitamente, esses meios não podem mudar as tendências instintivas do Espírito, assim como, cortando a língua de um falador, não se lhe tira a vontade de falar. Um uso do Oriente vem confirmar nossa asserção por um fato material bem conhecido.
Certamente o estado patológico influi sobre o moral a certos pontos de vista, mas as disposições que tem essa fonte são acidentais e não constituem o fundo do caráter do Espírito. São essas, sobretudo, que uma medicação apropriada pode modificar. Há pessoas que só são benevolentes depois de haver jantado bem e às quais nada se deve pedir quando estão em jejum. Deve-se concluir que um bom jantar é um remédio contra o egoísmo? Não, porque essa benevolência, provocada pela plenitude da satisfação sensual, é um efeito do próprio egoísmo; é apenas uma benevolência aparente, um produto desse pensamento: “Agora que não mais preciso de nada, posso ocupar-me um pouco com os outros.”
Em resumo, não contestamos senão que certas medicações, e a Homeopatia mais que qualquer outra, produzem alguns efeitos indicados, mas contestamos mais do que nunca os resultados permanentes, e sobretudo tão universais, como alguns pretendem. Um caso em que a Homeopatia sobretudo nos pareceria particularmente aplicável com sucesso, é o da loucura patológica, porque aqui a desordem moral é a consequência da desordem física, e que agora é constatado, pela observação dos fenômenos espíritas, que o Espírito não é louco. Não há que modificá-lo, mas lhe dar os meios de se manifestar livremente. A ação da Homeopatia pode ser aqui muito eficaz porquanto age principalmente, pela natureza espiritualizada de seus medicamentos, sobre o perispírito, que representa papel preponderante nessa afecção.
Teríamos mais objeções a fazer sobre algumas das proposições contidas nesta carta, mas isto nos levaria muito longe. Contentamo-nos, pois, em considerar as duas opiniões. Como em tudo, os fatos são mais concludentes que as teorias, e são eles, em definitivo, que confirmam ou derrocam as últimas. Desejamos ardentemente que o Sr. Dr. Grégory publique um tratado especial prático de Homeopatia aplicada ao tratamento das moléstias morais, para que a experiência possa generalizar-se e decidir a questão. Mais que qualquer outro, ele nos parece capaz de fazer esse trabalho ex-professo.
Revista Espírita
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