Entrevista realizada pela Revista Semanal de Divulgação Espírita
“O CONSOLADOR”
“A Doutrina Espírita é ciência, filosofia e religião. Se tirarmos a religião, o que é que fica?”
Manifestando grande conhecimento da Doutrina Espírita, o estudioso e colaborador desta revista Jorge Hessen concedeu-nos uma extensa e lúcida entrevista. Questões como religião, aborto, eutanásia, criminalidade e conduta dos espíritas foram abordadas por ele, que, originário do Rio de Janeiro, reside há muitos anos em Brasília (DF). Sobre o aborto, Hessen afirma que os governantes precisam ter consciência de que aqueles que são expulsos do grupo familiar, antes mesmo de nascerem, haverão de retornar, “porque eles não podem ser punidos pela nossa irresponsabilidade, mas seremos justiçados na nossa irreflexão, através das leis soberanas da vida”.
O Consolador: Havendo nascido no Rio de Janeiro, por que escolheu Brasília como seu domicílio?
Jorge Hessen: Minha transferência do Rio de Janeiro para Brasília ocorreu em face da necessidade de implantação dos serviços técnicos metrológicos no Distrito Federal, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Sou metrologista a serviço no antigo Instituto Nacional de Pesos e Medidas, atualmente INMETRO.
– Qual a sua formação acadêmica?
Hessen: Sou formado e licenciado pelo MEC em Estudos Sociais UniCeub (ênfase em Geografia) e graduado e licenciado em História pela Universidade de Brasília (UnB).
– Que cargos ou funções você já exerceu e exerce no movimento espírita?
Hessen: Além de escritor, sou articulista com publicações no “Reformador”, “O Médium”, “O Espírita”, “Revista Internacional do Espiritismo”, “O Imortal”, entre outros. Exerci a função de Secretário e Diretor das Federações Espíritas do DF e Mato Grosso. Expositor espírita e membro da antiga Abrajee, colaboro com dezenas de Centros Espíritas do Estado de Goiás e do DF, através das exposições doutrinárias que faço.
– Quando você teve contato com o Espiritismo? Houve algum fato ou circunstância especial que tenha propiciado esse contato inicial? Hessen: Trilhei, no início da década de 1970, pela doutrina reformista da Igreja Batista Filadélfia, enquanto morava em Goiânia. Na época em que eu morava com minha mãe e irmãos, aconteceu um fato inédito para mim, quando um de meus irmãos, expressando-se de forma adversa à que costumava agir, me chamou a atenção, pois eu estava diante de uma manifestação mediúnica, que jamais havia presenciado antes. Conheci os postulados kardecianos na Comunhão Espírita de Brasília, através da leitura de “O Evangelho segundo Espiritismo”, em 1973, e daí em diante jamais deixei de estudar a doutrina.
– Qual foi a reação de sua família ante sua adesão à Doutrina Espírita?
Hessen: À época, foi positivo e estimulador o parecer de minha mãe, embora ela seja católica praticamente até hoje, aos 87 anos de idade, mas bastante acessível às mensagens espíritas.
– Dos três aspectos do Espiritismo – científico, filosófico e religioso – qual é o que mais o atrai?
Hessen: Escrevi um texto sobre o esforço de alguns confrades desavisados para expulsar Jesus das nossas hostes. Por inacreditável que possa parecer, ainda encontramos irmãos “espíritas” que questionam o aspecto religioso da Terceira Revelação. Negam a excelsitude de Jesus com febril descontrole emocional, referindo-se ao Mestre, como se Ele fosse um homem vulgar. Se aceitamos os preceitos da Doutrina Espírita, não podemos negar-lhes fidelidade absoluta. Prevendo esses estranhíssimos movimentos em nossas casas espíritas, Chico Xavier, há 21 anos, advertia na Revista Internacional do Espiritismo: “As falanges das trevas são muito poderosas, organizadas. O que elas desejam é expulsar Jesus do Espiritismo, e se tirarem Jesus do Espiritismo, este desaparecerá. Têm surgido, ultimamente, muitas práticas estranhas no movimento kardeciano. Estou alertando vocês porque eu tenho pouco tempo de vida e vocês devem defender esse tesouro”. Posteriormente, numa entrevista concedida a confrades de Uberaba, Chico reafirmou: “Se tirarmos Jesus do Espiritismo, vira comédia. Se tirarmos Religião do Espiritismo, vira um negócio. A Doutrina Espírita é ciência, filosofia e religião. Se tirarmos a religião, o que é que fica? Jesus está na nossa vivência diária, porquanto, em nossas dificuldades e provações, o primeiro nome de que nos lembramos, capaz de nos proporcionar alívio e reconforto, é Jesus” (1). “Ciência sem religião é mito e religião sem ciência é superstição”, eis outra afirmativa de Chico Xavier a respeito do assunto. Os argumentos em análise não devem ser tomados como excluindo a dimensão científica do Espiritismo. Conforme deixou claro, no desdobramento de suas pesquisas, Kardec compreendeu que tal dimensão não somente existia, mas constituía a base sobre a qual a filosofia espírita repousa. Os chamados “três aspectos” da Doutrina encontram-se inextricavelmente ligados. Talvez nem devêssemos utilizar essa expressão, porque pode induzir à idéia, errônea, de que estamos tratando de três elementos separados ou separáveis, que agrupamos apenas por conveniência.
– Que autores espíritas mais lhe agradam?
Hessen: Sou emmanuelista de carteirinha. Adoro tudo que Emmanuel escreveu.
– Que livros espíritas que tenha lido você considera de leitura indispensável aos confrades iniciantes?
Hessen: Cremos ser O Evangelho segundo o Espiritismo a obra mais indicada aos que se iniciam na doutrina, e, por isto, sempre o recomendamos.
– Se você fosse passar alguns anos num lugar remoto, com acesso restrito às atividades e trabalhos espíritas, que livros pertinentes à Doutrina Espírita você levaria?
Hessen: Com certeza, todos os de Allan Kardec. Não abriria mão disso. Depois, como somatório, as consagradíssimas obras de Emmanuel, como “A Caminho da Luz”, “O Consolador” e a coleção “Nosso Lar”, de André Luiz. Nesse trio de ouro, temos um patrimônio valiosíssimo para o espírito, capaz de nos acompanhar por várias encarnações.
– Um tema que suscita geralmente debates acalorados diz respeito à obra publicada na França por J. B. Roustaing. Qual é sua apreciação dessa obra?
Hessen: Não somos nem poderíamos ser roustainguista, pois não conhecemos, na íntegra, a obra que Roustaing compilou. Destarte, o bom senso nos sussurra que não devemos tecer comentários sobre quaisquer assuntos sobre os quais não tenhamos amplo domínio.
– Outro assunto em que a prática espírita às vezes diverge está relacionado com os chamados passes padronizados, propostos na obra de Edgard Armond. Embora saibamos que em nosso País a opção da maioria seja pela imposição das mãos tal como recomenda J. Herculano Pires, qual é sua opinião a respeito? Hessen: Não recomendo aplicação do passe com gesticulações estranhas ao seu objetivo. Uma simples imposição de mãos é o suficiente para se obter o resultado almejado, lembrando, ainda, que um médium, não possuindo as mãos ou os braços, pode perfeitamente aplicar o passe, pois os fluidos são elaborados pela prece e projetados por intermédio da mente. O efeito do passe não resulta da técnica adotada na sua aplicação, mas sim do propósito do médium passista de praticar a caridade e aliviar o sofrimento do paciente.
– Como você vê a discussão em torno do aborto? Os espíritas deveriam ser mais ousados na defesa da vida como tem feito a Igreja?
Hessen: Certa vez escrevi que não se pode admitir que pequena parcela da população brasileira, constituída por alguns intelectuais, políticos e profissionais dos meios de comunicação, venha a exercer tamanha influência na legislação brasileira em oposição à vontade e às concepções da maioria do povo, contrariando a própria Carta Magna de 1988. Creio que há uma certa acomodação dos espíritas. Poderíamos agir com mais rigor, para incomodar os abortistas de plantão. Os seres que são eliminados pela interrupção no corpo voltarão à família delituosa, quase sempre em um corpo estranho, gerado em um ato de sexualidade irresponsável. Por uma concepção de natureza inditosa, volverão até os delituosos, na condição de deserdados, não raro como delinqüentes. Se muitos tribunais do mundo não condenam a prática do aborto, as Leis Divinas, por seu turno, atuam inflexivelmente sobre os que, alucinadamente, o provocam. Fixam essas leis, no tribunal das próprias consciências culpadas, tenebrosos processos de resgate que podem conduzir ao câncer e à loucura, agora ou mais tarde. A literatura espírita é pródiga em exemplos sobre as conseqüências funestas do aborto delituoso, que provoca na mulher graves desajustes perispirituais, a refletirem-se no corpo físico, na existência atual ou futura, na forma de seriíssimas doenças cármicas. É óbvio que não estamos lançando condenação àqueles que estão perdidos no corredor escuro do erro já consumado, até para que não caiam na vala profunda do desalento. Expressamos idéias, cujo escopo é iluminá-los com o farol do esclarecimento, para que enxerguem mais adiante, optando por trabalhar em prol dos necessitados e, sobretudo, numa demonstração inconteste de amor ao próximo, adotando filhos rejeitados que, atualmente, amontoam-se nos orfanatos. Para quem já errou, convém lembrar o seguinte: errar é aprender, mas, ao invés de se fixarem no remorso, precisam aproveitar a experiência, como uma boa oportunidade para discernimento futuro.
– A eutanásia, como sabemos, é uma prática que não tem o apoio da Doutrina Espírita. Kardec e outros autores, como Joanna de Ângelis, já se posicionaram sobre esse tema. Surgiu, no entanto, ultimamente a idéia de ortotanásia, defendida até mesmo por médicos espíritas. Qual a sua opinião a respeito?
Hessen: Muitos médicos revelam que eutanásia é prática habitual em UTIs do Brasil, e que apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de um doente incurável é ato freqüente e, muitas vezes, pouco discutido nas UTIs dos hospitais brasileiros. Apesar de a Associação de Medicina Intensiva Brasileira negar que a eutanásia seja freqüente nas UTIs, existem aqueles que admitem razões mais práticas, como, por exemplo, a necessidade de vaga na UTI, para alguém com chances de sobrevivência, ou a pressão, na medicina privada, para diminuir custos. Nos Conselhos Regionais de Medicina, a tendência é de aceitação da eutanásia, exceto em casos esparsos de desentendimentos entre familiares, sobre a hora de cessar os tratamentos. Médicos e especialistas em bioética defendem, na verdade, um tipo específico de eutanásia, a ortotanásia, que seria o ato de retirar equipamentos ou medicações, de que se servem para prolongar a vida de um doente terminal. Ao retirar esses suportes de vida, mantendo apenas a analgesia e tranqüilizantes, espera-se que a natureza se encarregue da morte. A eutanásia vem suscitando controvérsias nos meios jurídicos, lembrando, no entanto, que a nossa Constituição e o Direito Penal Brasileiro são bem claros: constitui assassínio comum. Nas hostes médicas, sob o ponto de vista da ética da medicina, a vida é considerada um dom sagrado e, portanto, é vedada ao médico a pretensão de ser juiz da vida ou da morte de alguém. A propósito, é importante deixar consignado que a Associação Mundial de Medicina, desde 1987, na Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendo um procedimento eticamente inadequado. No aspecto moral ou religioso, sobretudo espírita, lembremos que não são poucos os casos de pessoas desenganadas pela medicina, oficial e tradicional, que procuram outras alternativas e logram curas espetaculares, seja através da imposição das mãos, da fé, do magnetismo, da homeopatia ou mesmo em decorrência de mudanças comportamentais. Criaturas outras, com quadros clínicos de doenças incuráveis, uma vez posto o magnetismo em atividade, também conseguem reverter as perspectivas de uma fatalidade, com efetivas melhoras, propiciando horizontes de otimismo para suas almas. Não cabe ao homem, em circunstância alguma, ou sob qualquer pretexto, o direito de escolher e deliberar sobre a vida ou a morte de seu próximo, e a eutanásia ou mesmo a ortotanásia, essa falsa piedade, atrapalha a terapêutica divina, nos processos redentores da reabilitação. Nós, espíritas, sabemos que a agonia prolongada pode ter finalidade preciosa para a alma e a moléstia incurável pode ser, em verdade, um bem. Nem sempre conhecemos as reflexões que o Espírito pode fazer nas convulsões da dor física e os tormentos que lhe podem ser poupados graças a um relâmpago de arrependimento. Dessa forma, entendamos e respeitemos a dor, como instrutora das almas e, sem vacilações ou indagações descabidas, amparemos quantos lhes experimentam a presença constrangedora e educativa, lembrando sempre que a nós compete, tão-somente, o dever de servir, porquanto a Justiça, em última instância, pertence a Deus, que distribui conosco o alívio e a aflição, a enfermidade, a vida e a morte, no momento oportuno. O verdadeiro cristão porta-se, sempre, em favor da manutenção da vida e com respeito aos desígnios de Deus, buscando não só minorar os sofrimentos do próximo – sem eutanásias/ortotanásias, claro! – mas também confiar na justiça e na bondade divina, até porque nos Estatutos de Deus não há espaço para injustiças. “Somos responsáveis pela situação em que o mundo se encontra”
– O movimento espírita em nosso país lhe agrada ou falta algo nele que favoreça uma melhor divulgação da Doutrina?
Hessen: Sinceramente? Quando pensamos nos milhares de espíritas de pouca cultura, humildes e materialmente pobres, porém verdadeiros vanguardeiros da Terceira Revelação; quando imaginamos que o edifício doutrinário se mantém firme em face do amor desses lídimos baluartes do Evangelho, impossível não nos entristecermos quando se trombeteiam em nossas hostes os excesso de consagração das elites culturais. Certa vez escrevi que a presença do elitismo nas atividades doutrinárias acaba por nos expor à dogmatização dos conceitos espíritas, na forma de Espiritismo para pobres, para ricos, para intelectuais, para incultos. É necessário que os dirigentes espíritas, principalmente os ligados aos órgãos unificadores, compreendam e sintam que o Espiritismo não surgiu, apenas, para os espíritas, mas para a humanidade e com ela dialogar. É indispensável que estudemos a Doutrina Espírita junto com as massas, que amemos a todos nossos irmãos, mas sobretudo aos espíritas mais humildes, social e intelectualmente falando, e deles nos aproximarmos com real espírito de compreensão e fraternidade. Portanto, devemos primar pela simplicidade doutrinária e evitar tudo aquilo que lembre castas, discriminações, evidências individuais, privilégios injustificáveis, imunidades, prioridades.
– Como você vê o nível da criminalidade e da violência que parece aumentar em todo o país, e como nós, espíritas, podemos cooperar para que essa situação seja revertida?
Hessen: O índice de criminalidade e de violência, no mundo todo, cresce assustadoramente, não temos a menor dúvida, pois os canais de informação de que dispomos, insistentemente, veiculam os fatos e as causas de tais barbáries. Esse é um problema muito complexo, mas é uma situação que pode ser revertida, não apenas por nós, espíritas, mas por uma ação conjunta, onde todos aqueles que se dizem cristãos podem colaborar para uma sociedade mais igualitária, mais justa. Outro fato crítico é que assimilamos subliminarmente as tais informações e, no cotidiano, reagimos violentamente, muitas vezes, perante os reveses da vida ou perante as contrariedades. Condenamos a violência alheia, e no nosso dia-a-dia, ao invés de agirmos de forma pacífica e fraterna, somos como que andróides, reagindo sempre de acordo com o que motivou a nossa reação. Somos autômatos sem nos apercebermos. Temos a nossa parcela de responsabilidade perante a sociedade, porque diante da indiferença ao defrontarmos com as crianças de rua, rejeitarmos até seus pedidos com irritação, fazemos de conta que ali não está um ser sem esperança de um futuro melhor, ou outras situações como mães desprovidas do essencial para acolher seus filhos, muitas vezes usando-os como ferramentas para ganhar uns trocadinhos. Diante das péssimas condições em que a Educação brasileira se encontra, diante da imensa dificuldade de lograr um emprego, da falta de habitação, das condições de vivenciar a cidadania, observamos e chegamos à conclusão de que todos somos responsáveis por este quadro assustador. Temos que ter consciência de que o governo precisa fazer aquilo que lhe compete, mas a transformação desse caos exige que cada um de nós faça a sua parte e envide esforços com fraternidade, sinceridade, a fim de termos uma realidade mais promissora e feliz. Há dois mil anos Jesus de Nazaré trouxe à humanidade um código de conduta, que daria ao homem a felicidade. Essa diretriz que Jesus deixou na Terra é a garantia da paz, da felicidade, do bem-estar social. Contudo, o homem perdeu-se no meio das suas lutas, do egoísmo, do orgulho, da violência, ignorou tal diretriz e, hoje, confronta-se consigo próprio, numa mistura explosiva de intranqüilidade interior e gargalhadas descontroladas. Jamais o homem conquistou tantas coisas na ciência como nos dias atuais, porém nunca caminhou tão vagarosamente em busca de sua espiritualização. São as contradições da vida contemporânea. Esse homem velho, que carrega dentro de si, ao longo das várias existências, experiências violentas, vê-se hoje a braços com uma dualidade muito intensa: os hábitos enraizados no passado, nas vidas anteriores, onde semeou essa violência, e a colheita, hoje, na sua vida, já que somos o somatório das nossas vidas pretéritas. O Espiritismo, demonstrando a imortalidade da alma, através dos fatos mediúnicos, aponta, também, que existe uma lógica para a vida e que cada um colhe, dela, aquilo que semeia ou semeou outrora, dentro da lei de ação e reação, onde cada ato, positivo ou negativo, irá repercutir invariavelmente em nós, trazendo-nos paz ou tormento interior. É claro que quem estuda o Espiritismo e pratica seus preceitos vê-se melhor instrumentalizado para a vida em sociedade, nestes tempos atribulados, encontrando conceitos lógicos e racionais para o entendimento da vida, numa visão evangélica da mesma. Assim sendo, os postulados espíritas são antídotos para a violência, visto que quem o conhece sabe que não poderá eximir-se de suas responsabilidades sociais, ciente de que seu futuro será decorrência do presente. Aquele que conhece o Espiritismo sabe, ainda mais, que terá de se modificar moralmente, se quiser ter mais harmonia íntima. O Espiritismo, no seu aspecto tríplice, resgata as verdades que Jesus ensinou, clareando o raciocínio, interpretando-as com mais lógica e atualidade dentro dos enfoques da pluralidade das existências, que, cada vez mais, vai sendo uma realidade nos centros de pesquisas desatrelados dos dogmas religiosos em torno do estudo da personalidade humana. Precisamos cultivar a compaixão, a generosidade que se conjuga no ato de dar as coisas, para aportar na atitude de olvidarmo-nos espontaneamente em favor do próximo. Aprendamos a orar e meditar, porque quem não tem o hábito de introjetar o pensamento, pela meditação, não se conhece a si mesmo, e nesse exercício teremos autoridade para soltar as estóicas vozes inarticuladas emitidas por quem sente alegria espiritual, como o fez Paulo: “Já não sou quem vive, mas o Cristo vive em mim…”. Torna-se imprescindível praticarmos o Evangelho nos vários setores do campo social, contribuindo com a parcela de mansidão para pacificá-la, até porque todos desencarnaremos um dia, mas a forma de nos comportarmos dentro do limite berço-túmulo é da nossa livre opção, e haveremos de alcançar a iluminação íntima com o ato de desejar, movidos pela fé raciocinada, consoante propõe “O Consolador”. “O Século XX foi o século mais sangrento de todos”
– A preparação do advento do mundo de regeneração em nosso planeta já deu, como sabemos, seus primeiros passos. Daqui a quantos anos você acredita que a Terra deixará de ser um mundo de provas e expiações, passando plenamente à condição de um mundo de regeneração, em que, segundo Santo Agostinho, a palavra “amor” estará escrita em todas as frontes e uma equidade perfeita regulará as relações sociais?
Hessen: Não podemos estabelecer tempo cronológico para afirmar que a Terra será um planeta de regeneração. A evolução dos mundos habitados ocorre no mesmo ritmo da dos seres que habitam em cada um deles. Na condição de expiação e provas, a Terra viveu e vive época de lutas amargas. Desde os primeiros anos deste século, a guerra se aninhou com caráter permanente em quase todas as regiões do planeta. A Liga das Nações, o Tratado de Versalhes, bem como todos os pactos de segurança da paz, não têm sido senão fenômenos da própria guerra, que somente terminarão com o apogeu dessas lutas fratricidas, no processo de seleção final das expressões espirituais da vida terrestre. O Século XX, recentemente findo, foi, sem dúvida, o século mais sangrento de todos. Após a Segunda Guerra Mundial, já tivemos 160 conflitos bélicos e 40 milhões de mortos. Se contabilizarmos desde 1914, estes números sobem para 401 guerras e 187 milhões de mortos, aproximadamente. Percebemos que há um grande número de pessoas aderindo às sugestões do mal, por simples ignorância. Estas serão renovadas no desdobramento de suas experiências, particularmente com a magna dor, em reencarnações regeneradoras. O problema maior está com aqueles em que o mal predomina nas entranhas de seus corações, o que constitui uma minoria. Estes, pela lei da seleção natural dos valores morais, serão expurgados do nosso convívio, assim que houver chegado a hora. Temos a impressão de que os atos violentos, praticados por mentes insanas, banalizam-se no curso do tempo, mas, apesar de essa violência sufocar, confundir, assustar e cercear o homem na sua liberdade de ir e vir, nunca se viram, em todos os tempos, tantas pessoas boas e pacíficas mobilizarem-se em prol de programas assistenciais aos irmãos menos afortunados, trabalhando voluntariamente por um mundo melhor e mais justo e com total desprendimento e espírito cristão. A Terra está entrando em uma fase de transição para mundo de regeneração, obedecendo às leis naturais de evolução. Mensagens da espiritualidade que nos vêm sendo transmitidas no movimento espírita, desde o final do Século XX, têm confirmado tal fato, e o homem não há como vetar os decretos de Deus. Percebe-se que, atualmente, tudo está se transformando muito rapidamente, trazendo mais conforto e melhor qualidade de vida ao habitante da Terra. A dor física está, relativamente, sob controle; a longevidade ampliada; a automação da vida material está cada vez maior, em face da tecnologia fascinante, especialmente na área da comunicação e informática. Quando poderíamos imaginar, por exemplo, há 50 anos, o potencial da Internet? Neste Século XXI, o planeta passará por um processo acelerado de transformação. É com muito otimismo que percebemos, no tecido social contemporâneo, a gestação de vários investimentos, envolvendo cientistas, filósofos, religiosos e educadores que se inclinam para a formulação de um mundo renovado. Busca-se um novo conceito do homem e um novo ideal de sociedade, alicerçados em paradigmas revolucionários da Nova Física. Se atentarmos apenas para a Informática e para a Medicina, enquanto fatores de progresso humanos a benefício de toda a Humanidade, perceberemos que Deus autorizou os Espíritos Protetores fazerem aportar, na Terra, os admiráveis avanços científicos que alcançamos. A transição de uma categoria de mundo, para outra, não se processa sem abalos, pois toda mudança gera conflitos. Há um momento em que o antigo e o novo se confrontam, estabelecendo a desordem e uma aparência de caos. A vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da atualidade. Fugindo-se da paranóia de datação do advento do Mundo de Regeneração, se quisermos atuar verdadeiramente, auxiliando o surgimento de um mundo melhor, tratemos de trabalhar incansavelmente pela divulgação das idéias espíritas, corrigindo as distorções (facilmente observadas) no rumo do movimento que abraçamos, a fim de que os condicionamentos adquiridos em outros arraiais religiosos não venham a contaminar nossa ação, pela também intromissão de atitudes dogmáticas e intolerantes. Para habitarmos um mundo regenerado, mister se faz que o mereçamos. Para tanto, urge que pratiquemos a caridade, não restrita apenas à esmola, mas que abranja todas as relações com os nossos semelhantes. Assim, perceberemos que a caridade é um ato de relação (doação total) para com os nossos semelhantes. Desta forma, estaremos atendendo ao chamamento do Cristo, quando disse: “Amarás o senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este é o maior e o primeiro mandamento. E aqui tens o segundo, semelhante a esse: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. – Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos”.
– Em face dos problemas que a sociedade terrena está enfrentando, qual deve ser a prioridade máxima dos que dirigem atualmente o movimento espírita no Brasil e no mundo?
Hessen: Reenfatizamos o que respondemos há pouco. Cremos que a presença do elitismo nas atividades doutrinárias vai expondo-nos à dogmatização dos conceitos espíritas, na forma de Espiritismo para pobres, para ricos, para intelectuais, para incultos. Isto é uma tendência mundial. É o que temos observado. Há uma desenfreada tendência à elitização no seio do movimento espírita. Ora, o Espiritismo veio para todos. É indispensável que o divulguemos nas massas mais humildes, social e intelectualmente falando, e delas nos aproximarmos. Do jeito que a coisa está caminhando, em pouco tempo estaremos, em nossas casas espíritas, apenas falando e explicando o Evangelho de Cristo às pessoas laureadas por títulos acadêmicos ou intelectuais. Preocupam-nos bastante os eventos grandiosos pagos (à guisa de colaboração NUNCA espontânea). Os atuais dirigentes precisam refletir melhor sobre o exacerbado elitismo. Os eventos gratuitos devem ser realizados, obviamente, mas urge considerar que esses simpósios sejam estruturados sobre programação aberta a todos e de interesse da doutrina, não para ser uma ribalta de competição para intelectuais com titulação acadêmica, como um “passaporte” para traduzirem “melhor” os conceitos kardecianos. Sinceramente, não consigo compreender o Espiritismo sem Jesus e sem Kardec para todos, com todos e ao alcance de todos, a fim de que o projeto da Terceira Revelação alcance os fins a que se propõe.