Jorge Hessen
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Sem adentrar em pormenores sobre diferentes significados do termo herança (do latim haerentia) ou espólio, (do latim spollium), propomos conceituar palavra como o conjunto dos bens que integra o patrimônio deixado pelo desencarnado , e que serão partilhados, no inventário, entre os encarnados (herdeiros ou legatários). Herança é, portanto, o direito de herdar (receber algo de uma situação anterior). Eis alguns exemplos clássicos: “O meu avô deixou para meu pai uma fazenda em Goiás como herança”, “O Santiago dilapidou a herança dos seus pais”, “minha tia deixou-me como herança um apartamento em Brasília”
Via de regra, o homem contemporâneo sonha “receber uma herançazinha” de um parente próximo abastado, “estar bem na vida”, “ganhar bem” e às vezes até contempla “trabalhar para enriquecer” , porém, normalmente , permanece sob miragens. Obviamente esse desígnio materialista , dos tempos atuais, compõe a fórmula de “ignorância dos valores espirituais na Terra, onde se verifica a inversão de quase todas as conquistas morais. Foi esse excesso de inquietação, no mais desenfreado egoísmo, que provocou a crise moral do mundo, em cujos espetáculos sinistros podemos reconhecer que o homem físico, da radiotelefonia e do transatlântico, necessita de mais verdade que dinheiro, de mais luz que de pão.” 1
Por outro lado, há pessoas riquíssimas que têm experimentado significativa desambição material. O magnata Warren Buffett , quarto homem mais rico do mundo, prometeu doar 99% de sua fortuna antes de desencarnar. Começou anunciando o direcionamento de 83% para a Fundação Gates. O bilionário afirmou que quer dar aos seus filhos somente o suficiente para que eles sintam que podem fazer tudo, mas não o bastante para que eles acharem que não precisam fazer nada. O poderoso Bill Gates, primeiro homem mais rico do mundo, Michael Bloomberg , Nigella Lawson e o músico inglês Sting, não deixarão suas fortunas como herança para os filhos. Ambos defendem a tese que seus filhos precisam trabalhar para ganhar o próprio dinheiro. 2
O tema é instigante. Os fortuitos herdeiros necessitam pensar que “há bens infinitamente mais preciosos do que os da Terra, e esse pensamento ajudará a desapegar destes últimos. Quanto menos valor se dá a uma coisa, menos sensível se fica à sua perda. O homem que se apega aos bens da Terra é como uma criança que apenas vê o momento presente; aquele que não é apegado é como o adulto, que vê coisas mais importantes, pois compreende essas palavras proféticas do Cristo: Meu reino não é deste mundo.” 3
Sobre a questão do espólio o Espírito Humberto de Campos expõe em “Cartas e Crônicas o seguinte trecho: “Em família observe cautela com testamentos. As doenças fulminatórias chegam de assalto, e, se a sua papelada não estiver em ordem, você padecerá muitas humilhações, através de tribunais e cartórios… (…)” 4A cobiça por uma herança é tão grave e real que o Espírito André Luiz também aconselhou que se faça uma avaliação prudente “sobre as questões referentes a testamentos, resoluções e votos, antes da desencarnação, para [o desencarnado] não experimentar choques prováveis, ante inesperadas incompreensões de parentes e companheiros. Pois o fenômeno da morte exprime realidade quase totalmente incompreendida na Terra.” 5
O Codificador inquiriu aos Espíritos se “o princípio segundo o qual o homem não passa de um depositário da fortuna que Deus lhe permite gozar durante sua vida tira-lhe o direito de transmiti-la a seus descendentes” ? Os Benfeitores elucidaram que “o homem pode perfeitamente transmitir, quando desencarna, os bens de que gozou durante sua vida, pois o efeito desse direito está subordinado sempre à vontade de Deus, que pode, quando quiser, impedir seus descendentes de desfrutar deles; é assim que se vê desmoronarem fortunas que pareciam solidamente estabelecidas. Portanto, o homem é impotente na sua vontade, julgando que pode manter a sua fortuna em sua linha de descendência, mas isso não lhe tira o direito de transmitir o empréstimo que recebeu, uma vez que Deus o retirará quando achar conveniente”. 6
Quase sempre a partilha dos bens torna-se uma prova muito difícil tanto para os encarnados quanto para os desencarnados. Kardec igualmente explorou o tema na questão 328 do Livro dos Espíritos quando indagou às “vozes do além” se o desencarnado assiste à reunião de partilha de seus herdeiros. Os Benfeitores Espirituais afirmaram que “quase sempre. Para seu ensinamento e castigo dos culpados, Deus permite que assim aconteça. Nessa ocasião, o Espírito julga do valor dos protestos que lhe faziam. Todos os sentimentos se lhe patenteiam e a decepção que lhe causa a rapacidade dos que entre si partilham os bens por ele deixados o esclarece acerca daqueles sentimentos. Chegará, porém, a vez dos que lhe motivam essa decepção.”
O assunto nos transporta para as eras apostólicas quando alguém da multidão pronunciou a Jesus: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança”. Ele respondeu: “Homem, quem me estabeleceu juiz ou árbitro da vossa partilha?” Depois lhes disse: “Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens”.8
Em suma, fazemos o remate final com a reflexão de Humberto de Campos, “se você possui algum dinheiro ou detém alguma posse terrestre, não adie doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las. Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós, em muitas ocasiões, à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões de cheque.” 9
Referências Bibliográficas:
1 Xavier, Francisco Cândido. O Consolador , ditado pelo espírito Emmanuel , pergunta 68, RJ: Ed. FEB. 1977
3 Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVI, RJ: Ed FEB 2008
4 Xavier, Francisco Cândido. Cartas e Crônicas, ditado pelo espírito Humberto de Campos, cap. 4 “Treino para morte” Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1967
5 Vieira,Waldo. Conduta Espírita, ditado pelo espírito André Luiz, Rio de Janeiro: Ed. FEB 1977
6 Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVI, RJ: Ed FEB 2008
7 Kardec, Allan. O Livro dos Espírito, pergunta 328, RJ: Ed FEB 2008
8 Lc. 12:13-15
9 Xavier, Francisco Cândido. Cartas e Crônicas, ditado pelo espírito Humberto de Campos, cap. 4 “Treino para morte” Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1967