O luto e seus desafios na visão Espírita
Janaína Magalhães
“Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós” (Amado Nervo)
Uma certeza que todos temos é a de que em algum momento iremos morrer. Apesar disso, o tema morte ainda é considerado tabu e é evitado sempre que possível. A escritora norte-americana Judith Viorst, em seu livro Perdas necessárias, ressalta:
“A morte é um dos fatos da vida que reconhecemos mais com a mente do que com o coração. E geralmente, enquanto nosso intelecto reconhece a perda, o resto de nós continua tentando arduamente negar o fato” (VIORST, 2004, p. 245).
Quando passamos pela dor da perda de um ente querido, ou seja, o luto, é que nos damos conta de que a morte existe e, apesar de não aguardá-la, ela chega e nos pega, na maior parte das vezes, de surpresa. Não estamos preparados para ela. Mesmo nas mortes causadas por doenças, nas quais existe a possibilidade de se despedir do ser amado, ainda assim, a reação de inconformismo ou revolta vem à tona.
De acordo com Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíça, são cinco os estágios da dor pelas quais o enlutado passa: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. (ROSS, 1996, p. 51-125) Durante esse período, que pode durar semanas, meses ou até anos, quando as pessoas não lidam com esses sentimentos, a dor não passa. Ao contrário, fica estagnada e corre o risco de se transformar em um luto patológico, ou seja, aquele que impede à pessoa de retornar às suas atividades cotidianas. (CARVALHO, 2014, p. 61-62)
Sentir saudades é compreensível, mas esse sentimento deve ser trabalhado de forma a evitar que o ser fique preso, fechado em sua dor interna. Com o auxílio de uma terapia ou, se necessário, o tratamento psiquiátrico, o enlutado poderá falar sobre a pessoa que partiu, sobre sua história e refletir sobre o que a perda lhe trouxe de ensinamento, sobre questões como o desprendimento e mesmo sobre temas existenciais como: qual o significado da vida? A morte é o fim? A vida continua após a morte?
Quando passamos pelo luto essas questões surgem frequentemente em nossa mente como uma forma de buscarmos explicação para o que aconteceu. E uma das maneiras de encontrarmos força para superarmos essa dor é através da fé. Kardec, por meio da Codificação Espírita, traz alívio e consolo para os que estão passando por esse processo de perda. Para os Espíritas, a morte não existe, é apenas a transição de uma faixa vibratória para outra, sendo o Espírito um ser imortal. Essa segurança na continuidade da vida promove a certeza de que em determinado momento todos irão se reencontrar.
A comunicação dos Espíritos e a crença na reencarnação fazem do Espiritismo uma fonte de alento e de esperança, permitindo compreender melhor o porquê dos mais diversos tipos de perdas e entender que a Justiça Divina está presente em tudo. Nada é por acaso, tudo tem sua razão de ser e, mesmo que não entendamos de pronto, existe uma causa anterior às aflições que podem ter origem nesta ou em vidas passadas.
Francisco Cândido Xavier, também conhecido como Chico Xavier, psicografava cartas de filhos que desencarnaram endereçadas às suas mães, com detalhes sobre o desencarne e sobre o ente querido que só a família sabia, trazendo a certeza da vida após a morte. As comunicações mediúnicas são uma das formas de contato com os que já morreram, mas não devemos nos esquecer que “o telefone toca de lá pra cá e não o contrário”, ou seja, as manifestações acontecem atendendo a necessidade de intercâmbio dos Espíritos e não dos encarnados.
Outra forma de nos comunicarmos e auxiliarmos o ente que desencarnou é pela prece. Através dela, os amigos e familiares poderão sintonizar com o ser que se foi e endereçar-lhe votos de paz e serenidade onde ele estiver. Essa prece, quando feita sem revolta, ou sentimentos negativos chega ao ser desencarnado como uma chuva de bênçãos que alivia as dores e alimenta o Espírito levando ânimo e fé para a continuidade da caminhada evolutiva.
Pela questão 936 de O Livro dos Espíritos podemos entender melhor como o sofrimento dos familiares e amigos afetam o ser desencarnado:
Como é que as dores inconsoláveis dos que sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam?
O Espírito é sensível à lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra, mas uma dor incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nesta dor excessiva, ele vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo ao adiantamento dos que o choram e talvez à sua reunião com estes (KARDEC, 2022, p. 338).
A ressignificação da perda, quando transformamos a dor em força, é também uma forma de processarmos o luto de maneira positiva. Podemos deixar de focar naquilo que perdemos e começarmos a olhar em direção aos nossos próprios potenciais e utilizá-los em prol do outro, encontrando novo sentido para a vida. Um exemplo dessa elaboração é a do cantor e compositor Eric Clapton, que, ao perder seu filho de 4 anos, trabalhou seu luto e compôs o maior sucesso de sua carreira: “Tears in heaven”. Quando aceitamos a separação do nosso ser amado (último estágio do luto), que pela fé Espírita se faz momentânea, tudo se torna mais leve. Aceitar a morte não significa desistir da vida, mas com a aceitação há um amadurecimento na confiança. Não há luta, mas uma abertura; todas as nossas resistências são abandonadas (CARVALHO, 2014, p. 66-68).
Ao acreditarmos em Deus e na sua infinita sabedoria ficamos mais resignados diante da vontade Dele, sem nos revoltarmos ou enraivecermos perante os fatos. Cada um terá sua hora de desencarnar e ao aceitarmos e nos prepararmos para isso, o momento do desenlace será mais fácil e menos sofrido, tanto para os que vão como para os que ficam.
“À proporção que o homem compreende melhor a vida futura, o temor da morte diminui; uma vez esclarecida a sua missão terrena, aguarda-lhe o fim calmo, resignado e serenamente” (KARDEC, 2013, p.19, capítulo II, item 3).
Fonte: Letra Espírita
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Referências
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CARVALHO, Tânia Fernandes de. Deixe-me Partir. 1.ed. São Paulo: Petit, 2014.
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KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. 2022. Campos dos Goytacazes: Editora Letra Espírita.
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KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 61. ed. Brasília: FEB, 2013.
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KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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VIORST, Judith. Perdas necessárias. 28. ed. São Paulo: Melhoramentos Ltda, 2004.