O ESPIRITISMO E OS CONCEITOS DE ADMINISTRAÇÃO E DE GESTÃO
Ivomar Costa
Toda organização é composta por seres humanos que, como seres detentores de capacidades incompletas, necessitam atuar em grupo para atingir resultados valiosos para si mesmos e para a sociedade. Toda organização necessita de gestão. Por isso, as organizações espíritas também precisam de gestão, quer dizer, não escapam deste imperativo. A gestão está presente nas organizações espíritas, quer queiram ou não, quer estejam conscientes, quer não estejam conscientes deste fato os seus componentes.
Mas o que é Gestão e o que é Administração? Serão conhecimentos, técnicas e processos que de algum modo estão em desacordo com o Espiritismo? Afirmam muitos espíritas, com certa dificuldade de aceitação da aplicação de sistemas de gestão às organizações espíritas, se bem que agora esta resistência diminuiu muito, que nossas organizações não necessitam de administração ou gestão, pois segundo seu entendimento, são “organizações de caridade”, e por isso não podem ser “burocráticas”. Com tal posição demonstram desconhecer o que é administração, pensando-a somente através de lugares comuns e preconceitos, e o que é a Burocracia, quando não demonstram intensa preguiça mental. Quem não domina um assunto não deve emitir opiniões e proposições infundadas sobre ele. Nossa posição é que não há desacordo essencial, mas simplesmente alguns desacordos periféricos.
Os conceitos que vamos expor aqui de forma alguma serão essencialmente concordantes com os estabelecidos pelos principais estudiosos da Administração. Esta, enquanto ciência, ainda está em fase de consolidação dos seus paradigmas, o que pode representar um problema, mas também uma abertura para novas conceitualizações. Existem ainda muitas teorias concorrentes, o que torna o campo indefinido e dificultoso para os que não adentraram profundamente na sua base de conhecimento.
Outro fator que predispõe à esta variedade de conceitos e definições de “Administração” é que partindo preferencialmente da análise de casos específicos e que depois são generalizados, ou seja, usando o método indutivo, as interpretações variam ao infinito. Estudam-se casos em que o foco é colocado sobre organizações e sistemas de gestão em culturas diferentes, sendo, entretanto, a maioria dos casos estudados em países com sociedades e economias desenvolvidas. Certamente que o método indutivo tem seu mérito, porém, pela crença de que não existe nada além dos sentidos materiais, tal método deixa de fora outras realidades não experimentáveis e geralmente não reproduzíveis, que bem podem ser a parte mais importante. A desconsideração com os métodos dedutivos deve-se em grande parte ao preconceito aplicado aos métodos de pensamento da Escolástica, mas principalmente à metafísica. Ao abandonarem a metafísica e a Escolástica, acusada de trabalhar sobre fantasias ou detalhes excessivos, o que verdadeiramente ocorreu, mas somente com filósofos menores, e não com os seus expoentes, os cientistas jogaram fora uma extraordinária fonte de conhecimento. Felizmente, aos poucos, diante do círculo vicioso em que se mete cada vez mais a ciência, ao considerar a matéria como o único elemento do universo, e não conseguindo explicar plausivelmente os fatos com que se depara, retorna para métodos consagrados, haja vista o crescimento das teorias das teorias sistêmicas e da complexidade. Somente a tentativa de não reconhecer uma realidade que transcende à matéria e coordena o universo físico, inorgânico e orgânico, e o universo humano, consciência e sociedade, pode ter dado origem ao materialismo científico e filosófico que impera atualmente.
Há algum tempo a análise dedutiva foi excluída dos métodos da Administração. Os métodos racionais, visando a conceitualização a partir de certas premissas, decaiu em uso e até a busca de princípios foi excluída. Como não se acredita em leis imanentes no universo, além das leis físicas, buscar princípios transcendentes que ordenariam as organizações humanas seria, na consideração de quem assim pensa, rematada perda de tempo. Partindo deste entendimento, ao aplicarem unicamente o método indutivo, a Administração tornou-se uma verdadeira confusão de conceitos. Mesmo assim é possível trabalhar pois a interpretação de certos estudiosos prevalecendo por algum tempo facilita o entendimento e a coerência conceitual. E além disso, porque os profissionais que se dedicam à gestão das organizações orientam-se, na falta de sólidos sistemas de pensamento, por questões puramente pragmáticas e utilitaristas.
Todavia, consideramos válido o método dedutivo e acreditamos na possibilidade da existência de princípios lógicos para a Administração.
Existe muita confusão entre as acepções de Administração e Gestão. Algumas vezes são tratados como termos unívocos e outras como equívocos. Por exemplo, as tradicionais etapas compostas pelo planejamento, “organização”, direção e controle, são seguidamente tratadas na literatura como “processo administrativo”, quando na verdade, são apenas “etapas do processo de Gestão”. Após muitos anos de estudo dedicado ao tema concluímos que Administração e Gestão são termos distintos. Para nós a Administração é a área do conhecimento dedicada ao estudo dos fatos humanos que implicam a atividade ordenada e cooperativa para a produção de algo ou, dizendo de outro modo, o objeto da Ciência da Administração é Toda e qualquer atividade humana produtiva.
A Administração atual é composta por dois grandes grupos de teorias. Lembremos que as teorias são extraídas das leis que conexionam os fatos observados e explicam estes fatos. Temos, então, as “Teorias Organizacionais”, que estudam os agrupamentos humanos “formais” e produtivos sob o ponto de vista da sua intencionalidade e determinam a sua melhor forma; dizer que uma agrupamento é “formal” significa que é não-natural, como a família, e não espontâneo, como um grupo de amigos que resolve de última hora preparar um churrasco no domingo; formalidade, neste caso quer dizer “intencional” e obedecendo a regras específicas. O outro grupo é o de “Teorias de Gestão”, que estudam e determinam as técnicas, processos e procedimentos que façam a organização atingir os fins propostos de modo eficiente e eficaz.
Quando nos expressamos utilizando o termo “produção” ou “produtivo” não estamos nos referindo unicamente à fabricação de objetos materiais, mas sim a qualquer resultado tangível ou intangível. O médico que cura um doente está “produzindo” algo, isto é, um resultado; o operário que fabrica um vaso de cerâmica está produzindo algo, bem como o padeiro que amassa e assa o pão; o palestrante que expõe a “doutrina” também produz alguma coisa, da mesma forma que o professor que ensina matemática, por exemplo. Não importa para a administração qual o tipo de resultado, mas sim que a atividade cooperativa gerou um resultado.
Para que um resultado seja atingido de maneira consciente é necessária certa ordem. Esta é a disposição entre os elementos que compõem um objeto qualquer. Se olharmos para um automóvel veremos que os pneus devem estar embaixo e não em cima, por exemplo. Caso ocorresse dos pneus estarem colocados na parte superior desconfiaríamos imediatamente que algo está “fora do lugar”, e o automóvel não se moveria de um local para outro, impedindo que o resultado esperado pelo infeliz proprietário seja atingido. Sem ordem, indubitavelmente algumas vezes se consegue algum resultado, mas nem sempre o resultado desejado e dentro das condições de eficiência exigida. No entanto, se esta ordem for demasiadamente rígida ocorrerá um “congelamento” das atividades e se descambar para a desordem, ou seja, se os elementos estiverem “fora do lugar”, sem as conexões adequadas, quase nada poderá ser produzido. Assim, as teorias da gestão estudam as condições em que os elementos devem ser dispostos para, apresentando certa ordem, atingirem os resultados propostos. Esta ordem deve estar no meio termo entre a ordem excessiva e a desordem.
Podemos perceber desde logo que uma das funções da gestão é a conexão dos elementos para que o resultado almejado seja atingido dentro das condições de eficiência, obedecendo á disposição de espaço e tempo, sincronizando ações e estimulando os fatores produtivos.
Dentro da Administração, enquanto área do conhecimento, por geralmente usar o método indutivo, imperam atualmente visões do homem como auto-interessado e guiado exclusivamente por valores materiais. Há predominância de interpretações utilitaristas. Esta concepção de certa maneira molda os sistemas de gestão atuais.
Certamente não se deve entender que a exigência de uma “ordem” seja a admissão da existência de uma única forma correta (the one best way) de pensar a Administração e a Gestão. O avanço do pensamento administrativo já atingiu o ponto de abandonar explicações simplistas, lineares, aquelas em vários efeitos seriam produzidos por uma única causa. Hoje, admite-se generalizadamente que a forma das organizações, tanto como os sistemas de gestão são contingenciais, ou seja, sofrem as influências do contexto onde atuam, por isso nunca existe uma essencialmente idêntica à outra. Porém, o próprio resultado buscado, bem como a característica primordial deste, por exemplo, se é tangível, como uma panela de alumínio, ou se é intangível como a satisfação de assistir a um bom filme, determinarão, modificarão completamente, os sistemas de gestão, tornando diferentes entre si os de produção de bens tangíveis dos de produção de bens intangíveis. Evidencia-se aqui a contingencialidade a partir tanto dos fatores internos ou inerente, como dos fatores externos. Embora estabelecendo uma faixa onde impera certa ordem, as organizações estarão inseridas em contextos diferentes, de forma que os fatores extrínsecos a elas condicionarão a ordem intrínseca, da mesma maneira que a ordem intrínseca influirá sobre os fatores extrínsecos. O problema é encontrar a faixa adequada para cada organização.
Algo que escapa aos estudiosos da Administração é que as organizações e os sistemas de gestão são construídos por seres humanos. Com isso não estamos afirmando que não reconheçam algo tão simples e importante, mas sim que consideram os seres humanos como estáticos. A evolução intelectual do ser humano é considerada sem dúvida, no entanto, tais estudiosos parecem desconhecer que o ser humano é dotado de uma consciência moral em constante evolução. E isto faz uma diferença enorme para pensar as organizações e os sistemas de gestão.
Ao considerar o ser humano de maneira restrita, sem a variável “evolução” intelecto-moral, as teorias da Administração perdem grande parte do seu poder explicativo. O Espiritismo, ao contrário, além de considerar o ser humano como um espírito em constante evolução, adiciona ainda à intrínseca necessidade gregária, o trabalho, a necessidade de “adoração”, e mais importante do que tudo, o ser humano é dotado de uma poderosa “energia” que lhe é inerente, usualmente denominada “amor”, que o move para progredir sempre, como elementos imprescindíveis a serem considerados nas teorias explicativas da Administração. Para não usar o termo espírita “adoração” os filósofos passaram a utilizar o termo “transcendência”. O amor, não aquilo que se entende popularmente, mas essa energia poderosa inerente ao espírito, para os estudiosos da Administração, carrega consigo uma carga semântica extremamente romântica, portanto, pejorativa, para ser considerado como uma variável a ser pesquisada. Para o Espiritismo, todo ser humano é dotado de uma necessidade inata de vinculação com a divindade, e esta vinculação se dá sobretudo por meio da “produção” do bem, que é o amor em ato. Por sua vez, o trabalho é considerado toda “atividade útil”, isto é, toda atividade que produz algum bem. Desta maneira o trabalho, espiriticamente considerado, é um modo de adorar a Deus. O trabalho bem realizado é uma manifestação do amor potencial. Quando o ser humano não satisfaz esta necessidade porque esteja inconsciente dela, ou porque a organização ou os sistemas de gestão não privilegiem estes aspectos, passa a apresentar “distúrbios”, disfunções produtivas, que afetam profundamente a organização e os seus sistemas de gestão, conduzindo a resultados contraproducentes.
Infelizmente, essa visão avançada do ser humano ainda não penetrou totalmente nas organizações espíritas. Quando se tenta criar métodos de gestão apropriados de gestão para as nossas organizações há sempre uma desconfiança que se deseja “burocratizar”. No entanto, uma observação atenta identifica que a maioria das organizações espíritas, por desconhecerem a possibilidade de um pensamento organizacional e métodos apropriados de gestão específicos para elas, ou recai na “burocratização” que dizem evitar, aquela ordem excessivamente rígida a qual nos referimos antes, devido a despersonalização das pessoas promovida pelos métodos e procedimentos inadequados, ou na “desordem” da excessiva impessoalidade e espontaneidade, manifestada na liberdade excessiva e sem direcionamento, que levam a resultados fracos e desgastantes dos recursos e das pessoas. Muitas organizações espíritas já se desfizeram por adotarem este entendimento errado.
Qual seria, então, o método de gestão adequado para as organizações espíritas? Bem, esta é uma resposta que temos apenas parcialmente, embora o que já temos sirva para elevar as organizações espíritas a um patamar mais alto. O que interessa neste momento é dizer que tais métodos dependem principalmente dos resultados que se pretende atingir, dos elementos que compõem estas organizações, da maneira como são vistos os seres humanos que fazem parte delas.
Se o Espiritismo tem um papel importante na geração de novas instituições que gerarão a nova era, as organizações espíritas têm, então, uma função relevante na preparação dos indivíduos para realizarem a passagem de uma era para outra. Mas não será de qualquer maneira que as organizações espíritas conseguirão isso. Elas precisarão de sistemas de gestão adequados e baseados em um pensamento organizacional seria, filosoficamente e cientificamente fundamentado na Doutrina Espírita e nas ciências contribuintes da Administração.
Ivomar Costa