O Bem e o Mal

Mateus, 16:13-23
Marcos, 8: 27-33
Lucas, 9:18-22

Um amigo, estudioso dos textos evangélicos surpreendeu-me, afirmando:
– Jesus era um peripatético.
Censurei sua irreverência.
Ele sorriu.
– Trata-se do mestre que ensina andando. Vem da experiência de Aristóteles, que discutia idéias e transmitia instruções, caminhando com seus discípulos.
Jesus, sem dúvida, cultivava o peripatetismo.
Viajava com freqüência. Visitava muitas cidades.
Longas caminhadas… Podiam durar semanas. Sempre conversando, orientando o colégio apostólico.
Ensinamentos importantes eram transmitidos durante as viagens.

***

Logo após o esclarecedor diálogo com os representantes do judaísmo, Jesus esteve na região de Tiro e Sidom, na Fenícia.
Prosseguindo, atravessou o território de Decápolis, formado por dez cidades gregas.
Sempre atendendo à multidão, curando enfermos e enfrentando as diatribes de seus adversários, que tentavam comprometê-lo com as autoridades ou com o povo.
Esteve, também, em Cesaréia de Filipe, pequena localidade ao norte da Palestina, num vale verdejante, homenagem a César Augusto, por Filipe, o governador judeu nomeado por Roma para a tetrarquia da Galiléia. Era assim denominada, para distingui-la de outra Cesaréia, edificada por Herodes, o Grande.
Em dado momento, Jesus perguntou aos discípulos:

– Quem dizem os homens ser o filho do Homem?

Usava com freqüência essa expressão, referindo-se a si mesmo.
Antecipava que haveriam de situá-lo como Deus encarnado, e deixava bem clara sua condição.
Era filho do Homem, um ser humano.
Eles responderam:

– Uns dizem que és João Batista; outros Elias e outros Jeremias ou algum dos profetas, que ressurgiu.

Interessante, amigo leitor!
Se o povo judeu admitia ser Jesus um vulto eminente da história judaica, obviamente aceitava a reencarnação.
Quanto a João Batista, muita gente não distinguia o Messias do profeta que o anunciara, julgando tratar-se da mesma pessoa.

***

Após ouvir as referências dos discípulos, perguntou Jesus:

– Mas vós outros, quem dizeis que eu sou?

Simão Pedro adiantou-se:

–Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo.

Jesus o cumprimentou:

– Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o sangue quem to revelaram, mas meu Pai que está nos Céus…

A expressão Cristo significa ungido, escolhido para orientar e conduzir. Anunciado pelos profetas, o mensageiro divino era aguardado há séculos pelo povo judeu.
Naquele exato momento, inspirado pela espiritualidade maior, Simão Pedro fazia importante proclamação:
Jesus era o Cristo!

***

Não obstante os prodígios operados e a beleza de seus princípios, o Mestre não seria aceito pelas lideranças judaicas.
Esperavam alguém de espada na mão para elevar Israel ao domínio de todas as nações.
Jamais admitiriam um Messias que exaltava a paz, não a guerra; o amor, não o ódio; o perdão, não a vingança, com uma mensagem universalista que pretendia irmanar todos os povos.
Perfeitamente consciente disso, Jesus afirmou, em assombrosa profecia, antecipando o que enfrentaria:

– É necessário que o filho do Homem sofra muitas coisas, e seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite no terceiro dia.

Suas afirmativas causaram impacto.
Os discípulos julgavam o advento do Reino de Deus como uma conquista material.
Imaginavam que, no momento oportuno, Jesus convenceria os incrédulos e submeteria os poderosos à sua vontade soberana.
No entanto, hei-lo falando em lágrimas, sacrifícios, morte!…
Simão Pedro, talvez o mais perplexo com aquelas afirmativas, reclamou:

– Deus não o permita, Senhor! Isso de modo algum te acontecerá!

Jesus respondeu, veemente:

– Afasta-te de mim, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e, sim, das coisas dos homens.

***

O episódio reserva preciosa lição:
Num momento, Simão Pedro situa Jesus como o mensageiro divino.
Logo em seguida, perplexo diante de suas revelações, pretende contestá-lo.
As reações do apóstolo exprimem com fidelidade uma das grandes contradições da personalidade humana:
A facilidade com que mudamos o ânimo, oscilando entre o Bem e o mal, a Luz e as sombras, a Virtude e o vício…
Esse dualismo, sempre presente em nosso comportamento, impõe sérios embaraços ao relacionamento com as pessoas, anulando as mais belas oportunidades de edificação da jornada humana.
Sob inspiração do Bem, construímos templos religiosos e instituições filantrópicas; sob influência do mal, transformamo-los em arenas de disputas e desentendimentos.
Sob inspiração do Bem, edificamos o lar, pretendendo sustentar as flores de um amor sem fim, a estender-se por abençoada prole; sob influência do mal, perdemo-nos em agressões e omissões, em deserções e traições, que aniquilam nossas melhores esperanças.
Sob inspiração do Bem, empolgamo-nos pelo propósito de seguir a Jesus; sob influência do mal, perdemo-nos em viciações e mazelas que nos colocam à margem de seu caminho.

***

Não é preciso grande esforço de raciocínio para compreender esse desvio. Porque buscamos a luz e, freqüentemente, estamos em trevas.
A causa é o egoísmo, que nos leva a desejar que tudo gire em torno de nossa personalidade, ao sabor de nossas conveniências, como se fôssemos o centro do Universo.
Fazemos dele a medida da Vida.
Imaginamos bom o que corresponde às nossas expectativas.
Consideramos mau o que nos contraria.
Por isso, os piores momentos estão sempre relacionados com nossas frustrações.

– Estou angustiado – o pai não me atende.
– Estou irritado – a esposa não me entende.
– Estou magoada – o marido esqueceu meu aniversário.
– Estou arrasado – o colega foi promovido na minha frente.
– Estou furioso – o chefe censurou meu desempenho.
– Estou descrente – o Senhor não ouve minhas orações.

Mesmo como discípulos de Jesus, estamos dispostos a seguir seus exemplos de fraternidade e amor, tolerância e bondade, desde que ninguém nos contrarie.
Se isso acontece, imediatamente contrariamos o Evangelho.
Daí a nossa instabilidade emocional, a dificuldade em sustentar a paz…
Por isso, o programa básico de nosso equilíbrio envolve um ajuste de nossos sentimentos. Muito mais importante do que exigir o atendimento de nossos caprichos é atender à vontade de Deus, expressa no Evangelho.
E se nos empolgamos pela grandeza de Jesus, manifestando disposição em segui-lo, não nos esqueçamos de o caminho do Cristo é de trabalho, renúncia e sacrifício de nossos interesses pessoais em favor do bem comum.
Caso contrário, à semelhança de Simão Pedro, facilmente seremos envolvidos pelas sombras, tropeçando em nossas próprias mazelas.

(Do livro Não Peques Mais, de Richard Simonetti)

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