Êxtase e Dupla Vista
Cláudio Conti
O Espiritismo veio ensinar um grande número de lições para o ser humano a respeito de si mesmo. Em uma análise superficial, pode-se crer que esteja limitado a conceitos morais, contudo, não apenas isso, pois traz explicações sobre a necessidade da aplicação desses conceitos e os benefícios advindos, além do esclarecimento sobre um sem número de fenômenos envolvendo a alma. Nas palavras de Kardec:
“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações”[1].
Dentre os ensinamentos espíritas, gostaríamos de ressaltar o que poderíamos denominar de “segunda vida” do espírito, isto é, sua existência durante o período de sono. Dessa forma, os nossos pensamentos e comportamentos durante o estado de vigília ditam os nossos interesses e, com isso, os locais em que iremos chegar com maior liberdade propiciada pelo sono.
No texto intitulado Sono e Sonambulismo, publicado neste jornal na edição de outubro, apresentamos o conceito de que a quantidade de matéria estabelece o grau de liberdade do espírito durante o sono – quanto maior a quantidade de matéria, menor o grau de liberdade. Dessa forma, a facilidade de deslocamento e o meio em que se manifestará estão relacionados com a camada do perispírito em que ocorre o desdobramento [2].
Sono, sonambulismo, êxtase e dupla vista são fenômenos a que o espírito está sujeito e, devido ao pouco conhecimento sobre essas questões, muito variadas podem ser as consequências devido a uma avaliação errônea por parte de profissionais da área médica, quando deparados com pacientes sujeitos a tais ocorrências. Contudo, devido a semelhanças e peculiaridades de cada uma, apresentam uma certa dificuldade para o seu entendimento.
Quais seriam as semelhanças e as diferenças entre sono, sonambulismo e êxtase? E a dupla vista estaria relacionada a esses assuntos? Todos esses fenômenos compartilham do mesmo princípio: a emancipação da alma. O estado de sono é comum a todos os espíritos encarnados na Terra; contudo, o sonambulismo, o êxtase e a dupla vista dependem de uma predisposição da organização física.
Esta questão é apresentada muito claramente em O Livro dos Espíritos, à medida que dizem: “há disposições físicas que permitem ao espírito desprender-se mais ou menos facilmente da matéria”[3].
O espírito, parcialmente liberto, podendo deslocar-se facilmente, irá para o local que lhe interessar. Desta forma, alguém preocupado com seu trabalho poderá, durante o sono, ocupar-se de seu ofício profissional; aqueles que gostam de festas e lugares barulhentos irão, com toda certeza para boates, bares etc.; aqueles que se dedicam ao estudo irão para locais onde estejam sendo realizadas reuniões de estudo; ainda existem aqueles que, devido ao ócio, nem saem do quarto, permanecendo ao lado do corpo em completa inércia.
Ao compararmos os graus de liberdade, temos que no sono é menor que no sonambulismo, o qual, por sua vez, é menor que no êxtase. Na condição em que se encontra, o extático pode, inclusive, visitar mundos superiores e usufruir, mesmo que temporariamente, da felicidade que existe nesses mundos [4].
Contudo, por mais atrativa que possa parecer essa possibilidade de vivenciar um tipo de felicidade que ainda não se encontra na Terra, é uma condição que requer cuidados, pois, diante do que é inalcançável para os habitantes de um mundo de expiações e provas, o extático pode experimentar um desejo de não retornar.
Com relação a essa questão, os espíritos alertam que o extático “poderia morrer. Por isso, é preciso chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o prende a esse mundo, fazendo-o sobretudo compreender que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao planeta terreno”[5].
Em resumo, durante o sono e o sonambulismo, o espírito transita pela Terra, podendo vivenciar experiências tanto do mundo material quanto do mundo espiritual, porém o extático é capaz de visitar mundos mais etéreos, superiores ao que vivemos, e vislumbrar as suas maravilhas e a felicidade.
A dupla vista, por sua vez, compartilha o mesmo princípio básico com o sono, sonambulismo e êxtase, sendo, também, um estado de libertação do espírito com relação ao corpo. Todavia, ocorre em estado de vigília. O espírito parcialmente “livre”, é capaz de entrar em contato com o mundo espiritual, podendo usufruir algumas de suas propriedades de espírito liberto. Nessa condição, é capaz de ver, sentir e ouvir além das limitações impostas pelo organismo físico [6].
Os sentidos pertencem ao espírito e não ao corpo físico, que apenas exerce limitações ao mundo material em que se vive. Liberto, mesmo que momentaneamente, o espírito é capaz de ver além e através dos obstáculos físicos.
Dessas possibilidades, compreendemos as palavras de Léon Denis: “o homem é para si mesmo um mistério vivo. De seu ser não se conhece nem utiliza senão a superfície”[7].
Fonte: Correio Espírita
Notas bibliográficas:
- Allan Kardec. O que é o Espiritismo, pg 40.
- Claudio C. Conti. Jornal Correio Espírita, edição de outubro de 2019.
- Allan Kardec. O Livro dos Espíritos, questão 433.
- Ibidem. Questão 440.
- Ibidem. Questão 442.
- Ibidem. Questão 447.
- Léon Denis. No Invisível, pg. 131.