Evolução e Espiritualidade

Dalmo Duque dos Santos


1.  O Governo do Universo

A Consciência é o governo do Universo. É ela quem reina e comanda a Vida, em todos os planos e dimensões que formam o Infinito. Nada escapa à sua Onisciência e Onipresença, através das leis que regulam a Natureza, em todos os lugares e mundos.

Quando passamos a perceber essa verdade em nós, iniciamos imediatamente o processo de gestão de nossas existências. Passamos a administrar os rumos que tomam as nossas vidas.

Somos pequenas consciências, criadas à imagem e semelhança de uma Consciência Maior, que rege as coisas e alimenta todas as necessidades. Somos microcosmos de uma realidade macro-cósmica.

Em nós existe, em pleno funcionamento, todas as dinâmicas e rítmicas que acontecem nos múltiplos esteios da Criação. Carregamos em nós todos os seus elementos vitais: a energia, o tempo, os ciclos, as pulsações, os compassos, circunstâncias, pensamentos, emoções, vontades, escolhas, decisões e finalmente as tramas do destino. Tudo isso é o Reino da Vida, que existe dentro e fora de nós, simultaneamente.

Não é por outro motivo que todos somos, a todo instante, impulsionados pela necessidade de dominar e controlar as inúmeras forças que se movimentam ao nosso redor. Vivemos incomodados numa perturbação física e psíquica, tentando acalmar o turbilhão de inquietações íntimas e também exteriores.

Como Hércules, o filho de Zeus e Alemena, trazemos gravados em nossa memória espiritual os sinais das nossas origens divinas. Temos como metas compromissos inadiáveis, semelhantes aos Doze Trabalhos do célebre herói da mitologia grega, cuja realização representa as equações das coisas que precisamos entender, compreender e depois colocar em prática. Muitos enigmas ainda terão que ser decifrados.

Não é por outra causa também que estamos constantemente insatisfeitos, sempre em busca das coisas que consideramos inexplicáveis e incompreensíveis. Por isso sempre queremos mudar as que estão prontas e acabadas e resolver os problemas que estão, desde sempre, solucionados. Queremos ser deuses, dominar consciências, direcionar destinos alheios e contrariar a ordem natural. Enfim, queremos engolir toda a água dos oceanos e respirar  toda a poeira cósmica que se espalhada pelo espaço. E ainda assim continuamos entediados, insaciáveis, querendo governar o mundo, porém fugindo sempre da necessidade de governar a nós mesmos.

Esse tem sido o nosso dilema central, esquecendo-nos de que perigoso não é morrer e sim existir. Esse tem sido o nosso “ser ou não ser”, o drama de todas as consciências, a história de todas as criaturas e dos eternos mistérios da Criação.

Mas a consciência que herdamos do Criador tem sido a ferramenta principal das nossas tarefas, a bússola que vem nos guiando desde as mais rudes experiências dos reinos físicos até o nosso recente ingresso no reino psíquico. Ela é o meio que certamente nos conduzirá ao fim, que é o nosso encontro ou mergulho definitivo na Consciência Divina.

Ela não é mero efeito do acaso existencial, mas o produto de uma longa jornada evolutiva pela qual passam os seres vivos, em incontáveis experiências nos pacientes laboratórios da Natureza. E a parcela de consciência humana, na escala infinita da Consciência Divina, talvez seja apenas um dos inúmeros estágios desse grande percurso. Ainda assim, ela não dá saltos, e sim queima as etapas de um complexo processo de percepção da realidade:

  • 1º momento – a consciência  Apreende a realidade
  • 2º momento – a consciência Compreende a realidade
  • 3º momento – a consciência Significa a realidade
  • 4º momento – a consciência Projeta a realidade
  • 5º momento – a consciência Critica a realidade
  • 6º momento – a consciência Age sobre a realidade
  • 7º momento – a consciência Transforma a realidade

2.  A Emergência da Pessoa

O século XIX foi marcado pela explosão de movimentos de busca de felicidade, como reflexo dos desequilíbrios causados pela revolução industrial. No século XX essas ideologias e utopias tomaram formas esdrúxulas, em forma de sistemas políticos totalitários, guerras monstruosas, aniquilamento humano e ambiental. O próprio planeta foi colocado em risco diante da ameaça de uma hecatombe nuclear. Morte, servidão industrial, massificação, miséria, individualismo, narcisismo foram as principais marcas desse século tão promissor e  ao mesmo tempo tão sombrio. Durante esses cem anos estivemos mergulhados na ambição e no medo, na extravagância e na fome, nas multidões e na solidão, nas fantasias e na depressão; ora iludidos pela fama de quinze minutos, ora derrotados pela desilusão das coisas efême ras. Nunca se registrou tamanha situação de caos na experiência humana, uma crise sem precedentes; nunca se consumiu tantas drogas e alucinógenos para facilitar a fuga da realidade. A expansão da criminalidade e o aumento da população carcerária atingiram níveis assustadores.

Mas foi também no mesmo século XX, em plena crise, que surgiram os germes de uma nova forma de vida. Da própria ciência decadente aparecem novos paradigmas de observação da realidade; das próprias instituições, impotentes e desmoralizadas, brotam novas perspectivas para civilização. Uma nova geração começa a nascer no planeta, demonstrando um comportamento diferente dos seus antepassados. É a emergência da pessoa, antes sufocada pelo coletivismo da cultura de massas. Marilyn Ferguson[1] definiu esse curioso fenômeno como uma “conspiração ”.  Esse novo ser humano  se recusa ser tratado como uma peça de consumo ou mero dado estatístico. São eles novos focos de uma transformação silenciosa, sem alardes, e que se intercomunicam pela afinidade de sentimentos. “Conspiram” porque “respiram” juntos o mesmo ar, os mesmos anseios. São portadores de uma revolução invertida, de dentro para fora, e por isso permanecem em silêncio, num compasso de espera, aguardando o momento certo para atuar. Não poderiam comprometer a nova ordem das coisas. Muitos deles já entraram em cena e desempenharam complicados papéis de mudança; papéis de destaque ou anônimos, como suportes ou pontas de lança, mas todos comprometidos com as transformações.  São pessoas diferentes e que continuam a nascer todos os dias. Segundo Carl Rogers[2], eles terão uma infância atormentada, sofrerão as adversidades de um ambiente estranho e hostil, mas conseguirão sobreviver. Irão crescer, instruir-se para exercer as mais diversas profissões, geralmente ligadas ao processo de mudanças: na educação, nas artes, nos laboratórios, no ativismo social. Serão autênticos agentes da regeneração planetária e por isso ocuparão novos espaços e saberão explorar o novo tempo. É claro que também estão nascendo seres iguais ou piores aos do século XX, mas já são em menor número e brevemente serão impedidos de agir negativamente, pois serão vistos claramente como seres medíocres ou aberrações de passado inaceitável.
O momento atual é de lutas entre o velho e o novo, entre o vício e a virtude e de intensas contradições; é muito delicado e exige paciência e confiança no futuro; é uma longa fase de transição que deve ser vivida com coragem e vivenciada com aceitação e até sacrifício, como necessidade natural do processo de transformação.

Neste início de um novo século e de um novo milênio as instituições que trabalham pela qualidade de vida no planeta e pelo desenvolvimento da Humanidade já demonstram um vivo interesse em dar novos rumos no conhecimento e na melhoria da experiência humana. A Unesco, por exemplo, que é um órgão da Organização das Nações Unidas e voltado para as questões educacionais, elaborou um vasto estudo sobre as necessidades a serem preenchidas neste setor. Tais estudos devem preparar a Humanidade para os novos paradigmas sociais do novo milênio. Esse relatório, preparado por célebres educadores de diversos países e coordenado por Jacques Delors, elegeu como ponto fundamental os Quatro Pilares da educação para o futuro:

  • Aprender a  Conhecer
  • Aprender a Fazer
  • Aprender a Conviver
  • Aprender a Ser

Nesses quatro verbos dinâmicos, certamente inspirados por inteligências espirituais superiores, estão contidas e sintetizadas as experiências essenciais da vivência humana, incluindo as inteligências múltiplas. Neles visualizamos não só os conteúdos teóricos racionais e exteriores, mas também a valorização das experiências emocionais, fortemente responsáveis pela plenitude existencial da nossa espécie. Numa ordem evolutiva de transformação da pessoa – de dentro para fora e de fora para dentro – eles contemplam, portanto, não só as habilidades cognitivas,  mas também as competências, que influenciam o ser humano a tomar as mais importantes decisões. Mostram ainda, pela interação, as múltiplas faces e possibilidades do Ser:

  • Ser corpóreo: de dimensão e complexidade biológica.
  • Ser inteligente: de dimensão mental e complexidade psicológica.
  • Ser emotivo: de sensibilidade e expressividade sentimental.
  • Ser social: de relações e afinidades interpessoais.
  • Ser livre: de ir e vir, de agir e decidir.
  • Ser estético: que se alimenta de imagens e auto-imagens.
  • Ser volitivo: que se move pela vontade.
  • Ser histórico e planetário: do seu tempo e do seu ambiente.
  • Ser cósmico: de condição e consciência meta planetária.
  • Ser espiritual: de origem e condição metafísica.
  • Ser moral: de natureza ética, de dinâmica evolutiva e  positiva.

Nessa mesma linha de novas descobertas sobre a natureza humana e de propostas renovadoras  Bernardo Toro[3] desenvolveu “Os Sete Códigos da Modernidade”, que são os saberes necessários para compreender e conviver na nova sociedade contemporânea. Baseando-se em experiências desafiadoras de ensino e educação em escolas públicas e comunidades carentes, o pesquisador colombiano identificou as principais ferramentas para interpretação e experimentação des se novo mundo, dessa nova ordem: velocidade tecnológica, diversidade social, incerteza e instabilidade de paradigmas, incongruência entre o efêmero e as permanências, multiculturalismo e fragmentação da realidade são as novas condições de vida e perspectivas que a humanidade tem pela frente.

  • Dominar as diferentes formas de leitura e escrita;
  • Resolver equações lógicas e psicológicas;
  • Analisar, descrever e interpretar dados, fatos e situações;
  • Compreender e atuar no contexto social;
  • Receber  aberta e criticamente os meios e mensagens  da comunicação;
  • Localizar, acessar e otimizar a informação acumulada;
  • Planejar, trabalhar e decidir em grupo.

As Contra-correntes de regeneração

Outra tendência afinada com tais propostas são as idéias do filósofo Edgard Morin[4], cuja análise histórica da passagem do milênio identificou as três principais forças negativas predominantes no século XX : o aniquilamento, o irracionalismo e a servidão industrial. Identificou também, por outro lado, as contra-correntes que lutam pelo estabelecimento de uma nova ordem mundial, mais harmônica e humanista:

  • Ecologista : movimenta-se pela preservação ambiental e pela conscientização ecológica;
  • Qualitativa: luta pela qualidade de vida, pela humanização do trabalho, pelo exercício dos direitos de cidadania e integridade  humanas;
  • Resistência ao consumismo: pratica a temperança, a frugalidade e luta contra o consumo supérfluo e a cultura do desperdício de recursos;
  • Resistência ao capitalismo desumano: é contra a tirania do dinheiro e do lucro e luta pela correta aplicação e distribuição da riqueza;
  • Resistência à frieza utilitarista: exemplifica a poesia, a espiritualidade e o amor; combate a disseminação do comportamento individualista e da indiferença social;
  • Pacifista: acredita no amor e no perdão e trabalha contra a disseminação da violência.

Segundo Morin todas essas contra-correntes buscam um novo sentido para a Humanidade, na construção de uma Civilização Planetária, através do desenvolvimento de uma consciência antropológica, da maturação de um civismo global e da espiritualização da condição humana. Profetizadas nas obras de ficção científica de Isac Asimov, como “fundações”, esses núcleos sociais ou átomos regeneradores foram surgindo em pequenos grupos idealistas na medida em ocorriam os abusos empreendidos pelas forças destruidoras e tirânicas e que colocavam em risco milhões de anos de evolução. Inicialmente foram vistas com desconfiança pela sociedade exatamente porque ousavam destoar dos conceitos comuns. Eram desacreditados porque se apoiavam em pessoas  sem nenhuma influência formal, e sim em jovens idealistas, ad ultos já conhecidos como velhos rebeldes, grupos de utopistas que nunca haviam mostrado resultados práticos de suas idéias. Mas com o tempo essas contra-correntes foram crescendo, tomando forma e força, ocupando espaço político e social. Na década de 1960 eram apenas pequenos grupos isolados; na década de 1980 foi tomando formato de organizações, como do Partido Verde, na Alemanha. E de protesto em protesto, e muitos abaixo-assinados, as contra-correntes foram se impondo como alternativas aos sistemas opressores do capital industrial, gerador de guerras, de morte e destruição ambiental.  Podemos identificar na reunião de todas elas a síntese da Regeneração, na qual o nosso planeta poderá superar a condição de mundo inferior – de provas e expiações – adquirindo um perfil superior em moralidade e harmonia com as leis universais.
Atualmente continuamos insistindo nessa desarmonia com essas leis e por isso sofremos constantemente os choques de retorno  dessas ações negativas. Elas são, quase sempre, estimuladas pelo egoísmo, pelo individualismo, pela ganância, pelo hábito pessoal e social das fugas da realidade, da mentira, da ilusão, da alucinação  e outros mecanismos defensivos mentais. Essa situação de impasse entre a animalidade instintiva e a humanidade intuitiva exige uma reestruturação mental, pela educação dos sentidos físicos e psíquicos.

Novos verbos dinâmicos também estão nesse repertório de grandes transformações históricas visualizadas por Morin: o bem pensar; o cultivo da introspecção;  a abertura para novas idéias e experiências; compreensão, pela empatia , da diversidade planetária e da complexidade humana.  Tudo isso se resume numa nova Inteligência Global.

3.  A Era da Inteligência Emocional 

A melhor expressão da espécie humana é sua inteligência, diferenciada das demais espécies pela sua capacidade de fazer escolhas. E a maior expressão dessa inteligência são os sentimento e emoções, paixões e compaixões que o ser humano demonstra em relação às coisas e aos seus semelhantes. Este é o motivo pelo qual todas as culturas ensinam, de acordo com as suas tradições, que o Homem foi criado à imagem e semelhança da Divindade.  Ao contrário do caráter quase estático da inteligência instintiva dos animais, a inteligência humana é dinâmica e constantemente desafiada pelas circunstâncias das existências. O fator mudança-adaptação do plano biológico animal é lento e quase imperceptível; porém, no plano psicológico hominal, é extremamente veloz, devido à percepção racional e dada à riqueza e diversidade das situações existenciais da experiência social humana. Diante dessa diversidade e impulsionado pelas paixões naturais, o ser racional não tem alternativa senão fazer escolhas, mesmo que seja em forma de fugas. É através dessa crescente riqueza circunstancial, estimulada pelas constantes descobertas e inquietações sociais, que se revelam as múltiplas faces da inteligência e também os segredos do funcionamento da mente e da aprendizagem. Foi por esse motivo que somente agora, em plena era tecnológica, antigas verdades, guardadas à sete chaves nos círculos ocultos,  vieram à tona nos tempos atuais. Foi dessa forma que desabou o mito científico da inteligência única e da pedagogia unilateral. Quando um Huberto Rohden afirma que “ninguém educa ninguém” – porque a educação é intransitiva – ou um Carl Rogers demonstra que o professor é apenas um facilitador, estão revelando essa face enigmática e atraente da mente humana, qu e só aprende algo e se deixa educar quando toma a decisão de se transformar. Quem decide o momento da educação é o próprio educando, pela auto-aprendizagem, que é a busca da sua realização. A educação não é somente intransitiva, mas é  também imprevisível, como o próprio ser humano.

Os conceitos existentes sobre a inteligência – hoje bastante transformados – , já vinham passando  por uma profunda revisão nas últimas cinco décadas do século XX. Diversos  filósofos, psicólogos e educadores desenvolveram nesse período pesquisas e teorias revolucionárias, mostrando que a mente humana não era somente uma fatalidade biológica ou um mero produto do meio social; e sim uma complexa combinação de experiências cujas conexões permaneceram desconhecidas e ainda permanecerão por muito tempo no terreno do mistério. Tudo indica que nas próximas décadas deste novo século esse tema tão atraente tomará rumos totalmente novos em relação  àqueles que vinham sendo propostos anteriormente.  É  assim que temos  visto a recente substituição do tradicional conceito de Q.I. (Quociente de Inteligência)  pelo Q.E. (Quociente Emocional) ou T.I.M.- Teoria das Inteligências Múltiplas. O primeiro julgava a inteligência do ponto de vista quantitativo, geral, único, fixo e imutável; o segundo já mostra a inteligência de um ponto de vista qualitativo, negando que exista somente uma inteligência geral e sim inteligências específicas e autônomas. Segundo essas novas teorias todos nós somos dotados de uma variedade de diferentes competências e habilidades cognitivas. O primeiro conceito restringia a inteligência ao pensamento lógico-matemático, mensurando-a com fórmulas da mesma natureza: o Q.I. seria então a proporção entre a inteligência de um indivíduo determinada de acordo com alguma medida mental, e a inteligência normal ou média para a sua idade[5].  O segundo conceito diverge da idéia de que a inteligência se mede pela capacidade de responder testes lógico-matemáticos e afirma que a mesma é caracterizada por um conjunto de habilidades emocionais na solução de problemas. Prova disso é o fato de que muitos indivíduos rotulados como “inteligentes” pelos testes de QI se mostraram inábeis na solução de determinados problemas que não os de ordem lógico-matemática.  E muitos indivíduos, também rotulados como “pouco inteligentes”  na realização dos teste s de QI se mostraram muito habilidosos na solução de problemas nos quais os indivíduos de QI elevado sempre fracassavam. Enfim, a Ciência começa a perceber uma verdade filosófica  tão antiga quanto a espécie humana: o livre-arbítrio como ferramenta de crescimento e autonomia pessoal; e a capacidade individual de fazer escolhas certas como o verdadeiro atributo da inteligência integral.

A partir dessas contradições teóricas e evidências de comportamento constatou-se que a inteligência não é absoluta, mas sempre relativa e proporcional ao grau de consciência da pessoa. Ela parte sempre do aspecto parcial e simples  para o integral e complexo, que é a verdade como um todo. Quando afirmamos que alguém é inteligente ou pouco inteligente devemos sempre acrescentar as seguintes perguntas: Inteligente em que? Para que?  Em que circunstância?

Inteligência sempre foi sinônimo de poder e superioridade e durante muito tempo ela vem sendo objeto sistemático de culto um social, sobretudo no mundo competitivo pós-industrial. Segundo esse conceito cultural, as pessoas tidas como inteligentes geralmente são vistas como seres superiores aos demais. Mas são superiores em que sentido? Em que circunstância?  Alexandre Magno, Júlio César e Napoleão Bonaparte eram seres muito inteligentes, mas não eram seres superiores aos demais seres humanos em diversos sentidos.  Hitler, apesar de ser vegetariano e abstêmio de carne, fumo e álcool, nunca foi exemplo de superioridade, sobretudo no aspecto moral.  Todos eles eram seres humanos e, portanto, tinham limi tes não ultrapassados pelo tipo de inteligência que possuíam.  Hitler tinha preconceitos contra judeus, negros, mulheres, etc.; isso é um limite na capacidade de solucionar problemas de convivência com aqueles que consideramos diferentes. Aliás, considerar pessoas ou conceitos diferentes como “inferiores ou “piores” denota claramente falta de habilidade mental para romper limites. Todos esses falsos “gênios” da história cometeram erros ao fazer escolhas e avaliações emocionais, provando que a inteligência que possuíam era limitada e parcial.

Foi isso que diferenciou esses famosos e “inteligentes” estadistas de alguns seres também inteligentes como Santo Agostinho, Gandhi, Confúcio ou Martin Luther King. Esses últimos eram pessoas que exibiam um tipo de inteligência não muito adequada para os padrões competitivos da arte militar e da conquista de territórios, mas extremamente habilidosos na competição contra inimigos interiores e na conquista do árido território íntimo. Eram, além de inteligentes, muito equilibrados emocionalmente. Suas conquistas interiores, aparentemente frágeis e impotentes, promoveram assustadoras mudanças exteriores, de grande impacto social. Logo, o equilíbrio emocional é um grande diferencial de inteligência. Isto porque, além da cognição e do pensamento lógico, esses indivíduos ampliaram suas inteligências através de outras experiências mentais, manifestadas pelos sentimentos e ações ainda incomuns na maioria dos seres humanos.

É por isso que o conceito de inteligências múltiplas abriu uma nova perspectiva na área do conhecimento, pois rompeu com os limites da “inteligência única”, que é por si só limitada e restrita, deslocando o ser humano para a “vivência”, que é uma forma de inteligência mais ampla, infinitamente irrestrita  e ilimitada. Vivência pode ser chamada de inteligência total ou integral, enquanto a inteligência, única e isolada,  é fragmentada e parcial.

A inteligência é um meio para se chegar ao conhecimento; a vivência é um fim, é o próprio conhecimento. E este “fim” não é o limite, mas o eterno “início” de novas e eternas experiências. Logo, conhecimento é uma experiência que na verdade não tem fim. Quanto mais conhecemos mais tomamos consciência de que não sabemos muito. Essa foi a vivência de Sócrates e foi por esse motivo que o oráculo o apontou como o homem mais sábio da Grécia, exatamente  porque o conhecido filósofo vivia afirmando que nada sabia e que a experiência mais importante na vida era o “Conhece-te a ti mesmo”.

Todo ser humano que desperta para as realidades que o rodeiam o faz buscando entender a lógica da sua existência. Suas dúvidas o levam a aprender coisas novas e solucionar problemas delas decorrentes. E naturalmente faz perguntas, busca respostas, trás consigo o germe da filosofia no sangue e na alma. Considerando a linha filosófica socrática, as dúvidas mais comuns são essas:

– QUEM SOMOS?

Resposta: Consciências, individualidades.

– DE ONDE VIEMOS?

Resposta: de uma fonte inteligente superior e criadora das coisas.

– PARA ONDE VAMOS?

Resposta: através de inúmeras experiências nos transformamos mental e constantemente do simples para o complexo, do homogêneo para o heterogêneo.

Mesmo discordando ou aceitando a lógica dessas respostas sentimos a necessidade de ir adiante, desvendar os mistérios que elas  deixam na superfície da nossa capacidade de compreensão. Queremos então aprofundá-las cada vez mais.

Sabemos o que é a inteligência, qual a sua função e isso nos leva a perceber primeiramente que ela se localiza em um determinado ponto do nosso organismo: a cabeça, especificamente no cérebro.  Mas os cérebros, organicamente falando, são todos iguais. Cérebros de criminosos famosos e de personalidades do mundo acadêmico, de pois de suas mortes físicas, foram dissecados por estudiosos e nada foi encontrado em suas medidas e características morfológicas que pudessem ser associadas à inteligência. Tanto o cérebro de Einstein quanto o do cangaceiro Lampião eram absolutamente idênticos.  Então, por que as pessoas são diferentes e reagem de maneiras diferentes? Onde está essa diferença?

Quando uma pessoa vê um objeto vermelho todas as outras pessoas também vêem o tal objeto vermelho porque os cérebros realizam uma operação física semelhante para interpretar essa informação visual. Mas essas pessoas podem ter uma reação diferenciada quando são questionadas sobre o que “sentem” a respeito da cor vermelha. Uns podem  “gostar” do vermelho e outros simplesmente “detestar” a mesma cor.

Por que isso acontece se os cérebros são iguais?

Resposta: quem manifestou o sentimento sobre a cor vermelha não foi o cérebro, mas algo que dá qualidade ao cérebro: a mente.  O cérebro é uma massa orgânica e a mente[6] é o conjunto das experiências que o cérebro manifestou; o cérebro é apenas um captador externo de informações, pelos sentidos exteriores; a mente é a matriz das informações interiores, o arquivo dessas informações. Se aplicarmos uma relação de causa e efeito nessa análise é fácil perceber que o cérebro é o efeito da mente, emb ora seja um instrumento orgânico essencial para a manifestação da mente. Um cérebro defeituoso ou lesado não veicula corretamente os pensamentos, as atitudes, sentimento e emoções emitidas pela mente.

Comparando algumas características podemos perceber algumas diferenças fundamentais entre cérebro e mente e estabelecer realmente onde está centro das inteligências:

O CÉREBRO: fisiológico, material , temporal, concreto, objetivo, são todos iguais na forma.

A MENTE: psicológica, espiritual, atemporal,  abstrata, subjetiva, são todas diferentes no conteúdo.

Para o filósofo Henri Bérgson, que dedicou sua vida ao estudo dessas diferenças conceituais, a percepção que temos do tempo e a existência da memória são provas irrefutáveis do universo mental:

“Todos os fatos e todas as analogias estão a favor de uma teoria que veria no cérebro apenas um intermediário entre as sensações e os movimentos, que faria desse conjunto de sensações e movimentos a ponta extrema da vida mental, ponta incessantemente inserida no tecido dos acontecimentos, e que, atribuindo assim ao corpo a única função de orientar a memória para o real e ligá-la ao presente, consideraria essa própria memória como absolutamente independente da matéria. Neste sentido, o cérebro contribui para chamar de volta a lembrança útil, porém mais ainda para afastar provisoriamente todas as outras. Não vemos de que modo a memória se alojaria na matéria; mas compreendemos bem – conforme a observação profunda de um filósofo contemporâneo [Ravaisson] – que “a materialidade ponha em nós o esquecimento”.

Segundo Bérgson o cérebro jamais poderia produzir as impressões e as referências que a mente consciencial dá ao tempo:

“A duração vivida por nossa consciência é uma duração de ritmo determinado, bem diferente desse tempo de que fala o físico e que é capaz de armazenar, num intervalo dado, uma quantidade de fenômenos tão grande quanto se queira. No espaço de um segundo, a luz vermelha – aquela que tem o maior comprimento de onda e cujas vibrações são portanto as menos freqüentes – realiza 400 trilhões de vibrações sucessivas. Deseja-se fazer uma idéia desse número? Será preciso afastar as vibrações umas das outras o suficiente para que nossa consciência possa contá-las ou pelo menos registrar explicitamente sua sucessão, e se verá quantos dias, meses ou anos ocuparia tal sucessão. Ora, o menor intervalo de tempo vazio de que temos consciência é igual, segundo Exner, a dois milésimos de segundo; ainda assim é duvidoso que possamos perceber um após outro vários intervalos tão curtos. Admitamos no entanto que sejamo s capazes disso indefinidamente. Imaginemos, em uma palavra, uma consciência que assistisse ao desfile de 400 trilhões de vibrações, todas instantâneas, e apenas separadas umas das outras pelos dois milésimos de segundo necessários para distingui-las. Um cálculo muito simples mostra que serão necessários 25 mil anos para concluir a operação. Assim, essa sensação de luz vermelha experimentada por nós durante um segundo corresponde, em si, a uma sucessão de fenômenos que, desenrolados em nossa duração com a maior economia de tempo possível, ocupariam mais de 250 séculos de nossa história”.

Refletindo ainda sobre a diferença que existe entre as pessoas, podemos afirmar com toda a certeza que ela não está no cérebro, mas na mente. É na mente que está localizada verdadeiramente a inteligência. É na mente que se encontra desde as experiências mais grosseiras e primitivas até as mais sofisticadas operações cognitivas. Quanto mais complexas são as experiências, mais complexas são as mentes.

Enquanto cérebro é composto de massa e dinamizado pelos neurônios, a mente é formada e desenvolvida pelo conjunto de habilidades ou inteligências cuja função é solucionar problemas de diferentes ordens. O conjunto dessas habilidades e competências opera e estimula os neurônios através das três vivências fundamentais: o Sentimento, o Pensamento e a Ação .

Durante todo o tempo de nossas vidas estamos pensando, agindo e sentindo.  Ser inteligente não significa apenas raciocinar; significa também agir  e reagir através de atitudes e emoções. É isso que tornam  pessoas diferentes entre si, mais ou menos experientes uma em relação às outras, com maior ou menor grau de maturidade.  Mas é bom lembrar que inteligência nem sempre é sinônimo de maturidade. Existem pessoas – crianças ou adultos –  muito inteligentes porém imaturas emocionalmente. Essa é basicamente a diferença entre inteligência e vivência.

É através dessas três vivências que mente realiza suas funções psíquicas: obter conhecimento e auto-conhecimento e desenvolver o auto-domínio.

Na manifestação das três vivências, isto é, o contato com o ambiente,  a mente tem como trabalho básico a solução de problemas e, num plano mais amplo, a ruptura de limites circunstanciais. Sempre que um problema é solucionado ocorre uma acomodação da nossa consciência; se o problema  não teve solução é sinal que há um limite que deve ser rompido para ser superado. Enquanto isso não for possível ocorre então a adaptação, processo no qual a nossa consciência “dribla” a realidade através da resignação, das fugas e também dos ataques às situações incômodas.

Vejamos também como ocorre esse “jogo” entre a mente o ambiente[7]

“A vida cotidiana é cômoda quando estamos em contato com as coisas comuns e banais. Mas quando surge uma mudança qualquer, rompendo-se a monotonia através de situações novas, ela passa a ser incômoda. Essas situações podem ser de fácil assimilação e geralmente resultam numa nova acomodação.  Porém, nem sempre as situações se acomodam. Na maioria das vezes as situações são incômodas – e nós sabemos a causa espiritual das mesmas – e geram uma sensação desagradável de ameaça ao nosso conforto íntimo. Diante dessas situações incômodas  temos como opção a acomodação,  o fracasso e adapta ção: nesta última temos a s tentativas de diminuição do sofrimento: a fuga , a resignação ou agressão.  Para nos adaptarmos ao fracasso podemos fugir da realidade incômoda e isso é feito de inúmeras formas: desde a mudança brusca de assunto até a situação extrema de entrarmos em coma. Fingir indiferença, usar drogas e remédios, tomar bebidas alcoólicas, fumar, praticar algum esporte, fazer uma viagem, ler um livro, dobrar a carga de trabalho, demonstrar agressividade física e verbal, desmaiar e até mesmo entrar em coma são diferentes formas de adaptação ante as situações incômodas. As formas de variam de acordo com as pessoas e das circunstâncias em que ocorrem. É nesses momentos que a mente exige operações cognitivas na qual temos que usar algum tipo de inteligência para aprender a resolver desde os pequenos até os mais complexos problemas: da porta que emperrou ou do aparelho eletrônico que não funciona até as mais graves provações de ordem moral.”

A Revolução das Inteligências Múltiplas
Com já dissemos, o conceito de uma inteligência genérica foi sendo gradualmente superado pelo conceito de inteligências múltiplas.  Segundo essas novas tendências da educação e da ciência do comportamento o ser humano possui potencialmente sete tipos de inteligências ou competências e habilidades cognitivas[8]. São habilidades e competências que foram sendo adquiridas desde os primórdios da raça humana constituindo três tendências cognitivas: as inteligências naturalísticas (instintivas e intui tivas), as inteligências técnicas (intelectuais e racionais) e as inteligências sociais (emocionais e expressivas).

  • Inteligência LINGUÍSTICA: habilidade e sensibilidade no uso e significado das palavras: retórica, persuasão, poesia, explicação, descrição e narração, etc.
  • Inteligência MUSICAL: habilidade e sensibilidade aos sons e ritmos.
  • Inteligência LÓGICO-MATEMÁTICA: habilidade na abstração, na criação de padrões, longas cadeias de raciocínio.
  • Inteligência ESPACIAL: habilidade de precisão e sensibilidade na percepção do espaço e do tempo, nas formas e objetos.
  • Inteligência CINESTÉSICO-CORPORAL: habilidade no uso do corpo com fins expressivos e no alcance de objetivos que exijam movimentos motores.
  • Inteligência PESSOAL: é uma inteligência única  no gênero e dupla na função: Intrapessoal é a capacidade de acesso à nossa vida emocional ou sentimental, pelo auto conhecimento;  e Interpessoal é capacidade é a capacidade de observar e fazer distinções entre as pessoas do seu convívio.

Essas inteligências não apareceram no ser humano num passe de mágica, como se fosse um decreto arbitrário do Criador para suas criaturas, privilégio e sucesso de uns e fonte de tormentos e fracasso para outros. Elas são o produto de uma evolução natural, regida por leis naturais, de um desenvolvimento histórico da esfera biológica para a psicológica, realizada em milhões de anos de experiências, de erros e acertos. Marcaram dessa forma a transformação de habilidades parciais no plano existencial em competências integrais, no plano vivencial. Cada uma dessas habilidades e competências surgiu por efeito de uma necessidade imperativa imposta pela Natureza ou pelas circunstâncias. A descoberta do fogo é a mais conhecida dessas experiências. As vicissitudes do frio e da fome deram impulso para o desenvolvimento de habilidades que foram responsáveis pela sobrevivência da espécie humana na Era Glacial. A educação humana primitiva era feita pela natureza, pois o próprio Homem a ela estava mais estreitamente ligado. As leis naturais funcionavam processo de ensino-aprendizagem. Com o desenvolvimento da razão e do livre-arbítrio, o ser humano passou a gerir sua própria educação e, não satisfeito com a sua autonomia, passou a desafiar a maestria da natureza na tentativa de submetê-la e transforma-la segundo assua necessidades. Essa ruptura coincide com o desenvolvimento das inteligências múltiplas e a verticalização gradual da consciência. Em cada época da Humanidade essas inteligências se manifestaram em protótipos históricos[9], dando um perfil antropológico para os grupos humanos e civilizações nas quais viveram. Esses protótipos foram na verdade grandes educadores, modelos de pedagogias avançadas no tempo. Em todos eles encontramos grandes projetos pedagógicos cuja essência era transpor as coletividades da barbárie para a civilização. Essa transposição teve como suporte o aparato da inteligência emocional desenvolvido no advento institucional da família, em cujas relações sociais sanguíneas e de efetividade foram se processando as primeiras noções de ordem, de valores, de moral e de ética. Foi a partir da família e de suas seqüências coletivas (clãs, tribos, frátrias) que os grandes educadores primitivos elaboraram seus projetos educativos facilitando ou reforçando as bases da civilização. Foi no trajeto histórico do costume para a lei, da família para o Estado, da moral para a ética, que esses educadores fixaram as bases do comportamento diferenciado que traziam g ravados em suas almas. Eram seres de superioridade inconfundível e desde cedo funcionaram como vetores de uma moralidade avançada e na maioria das vezes ainda incompatível com o moral predominante em suas épocas. Mas era exatamente essa característica que os tornavam aptos a exercer a função de agentes transformadores do comportamento comum. Na Antiguidade o veículo mais adequado para se processar tais mudanças eram os núcleos religiosos, que eram locais onde a curiosidade e a busca da verdade era mais comum. A iniciação religiosa e nos mistérios da natureza aconteciam nos templos ou em escolas iniciáticas alternativas que fugiam da viciação social e política do clero. É só lembrarmos do percurso histórico feito pelos judeus entre o Egito e a Palestina, no qual Moisés funciona como educador social ao implantar, em pleno deserto, o projeto da civilização judaica, base da futura civilização cristã. Antes da implantação Moisés fez sua iniciação  nos templos egípcios, conheceu os segredos do corpo e do Espírito, o domínio das forças elementares e da comunicação transcendental entre os mundos físico e metafísico. A essência do seu projeto era a idéia da Lei Universal, que deveria ser personalizada na figura de um Ser Único, superior e regulador de todas as coisas, em todos os lugares. O povo judeu seria a classe de aprendizagem mais adequada para esse empreendimento, base social potencialmente mais eficiente, pois reunia as condições culturais e circunstanciais para a efetivação dessas idéias avançada para a época: vinham de uma antiga luta de afirmação de identidade social (desde Abraão), estavam na condição de escravos, oprimidos pelo poder egípcio; passariam nesse trajeto por provas espetaculares nas quais poderiam avançar ou recuar, vencer ou fracassar. Todas essas provas eram ponto de escolha entre a barbárie e a civilização, entre a verdade espiritual e a ilusão material. Povo inquieto, inteligente, orgulhoso, pragm ático, criativo, de fácil inter-relacionamento com outras culturas, sobretudo no terreno dos negócios, os judeus não guardariam somente para si essa experiência da busca de Canaã. A longa formação e a dispersão das tribos na Diáspora seriam a garantia de que as lições de justiça divina ensinadas por Moisés seriam propagadas nos quatros cantos da civilização oriental, então predominante no planeta. O “curso” de quarenta anos no deserto forneceu preciosas experiências que permitiram a realização de escolhas decisivas, ricamente registradas no grande livro didático bíblico. Moisés foi, em sua época, um protótipo do Homem Teológico, legislador universal. É claro que a tradição sacerdotal ofuscou muito do brilho da sua sabedoria,  inventou e incorporando em sua obra elementos dogmáticos estranhos e pervertidos, como o exclusivismo racial e a violência do talião. Mas tantos os profetas, também excelentes educadores sociais, como o próprio Jesus , sublime pedagogo cósmico, se encarregariam de fazer justiço ao trabalho educativo de Moisés, revelando mais tarde a sua verdadeira face espiritual e libertadora. Hoje é fácil entender que os relatos bíblicos sobre a Moisés e o povo do deserto escondem  sedutoras metáforas vivenciais: a abertura  e passagem do Mar Vermelho, por exemplo, revela não somente espetáculo do fenômeno sobrenatural, que é puramente simbólico, mas a idéia do impasse educativo entre recuar para a barbárie e avançar para a civilização. Voltar para o Egito naquele momento significava morrer espiritualmente, retroceder e negar as lições de futuro e  permanecer no passado, na escravidão do orgulho, da persistência no mal, no sofrimento inútil e desnecessário. Canaã nunca foi um lugar geográfico, mas o mundo ideal, modelo de perfeição traçada na utopia de Moisés. A Palestina  materializou-se como Canaã por causa da teimosia e ambição da tradição e do imediatismo materialista daqueles que não souberam aproveitar as lições do deserto. Tanto é que, até hoje, esse falso território da liberdade continua sendo o centro das contendas políticas mundiais e de dolorosos resgates cármicos.  O mesmo equívoco deu-se no cultivo utópico da Jerusalém espiritual e do Reino de Deus ensinados mais tarde pelos profetas e por Jesus, e deturpados pela tradição clerical das igrejas.

Os protótipos antropológicos avançados deixaram marcam inegáveis da sua educação superior. Moisés ensinou a Lei, Khrisna iluminou as dúvidas sobre o livre-arbítrio e destino;  Buda exemplificou o domínio do desejo; Lao-tsé e Confúcio demonstraram os segredos da paciência e da honestidade; Zoroastro tranqüilizou os espírito humano dividido entre o bem e o mal; e Jesus vivenciou na própria carne a lição do amor  e do perdão.

Assim, na Pré-história apareceu o Homem Biológico;  nas primeiras civilizações da Antigüidade surgiu o Homem Teológico; nas peripécias da civilização greco-romana desenvolveu-se o Homem Racional; na transição do feudalismo para o capitalismo, com o advento da Renascença, delineia-se o Homem Metafísico; na Era industrial, em meio às descobertas científicas dos séculos XVIII e XIX, aparece o Homem Positivo; e na Era Atômica e da Informática, na transição do 2º para o 3º milênio, já encontramos sinais do Homem Psicológico.

Esses seis protótipos seriam ainda a base para o desenvolvimento, num futuro ainda distante, de um Sétimo Ser, o Homem Cósmico, que será a síntese de todas as inteligências, de todas as experiências acumuladas nos milênios anteriores. Segundo revelações de diversas tradições espiritualistas esotéricas, este Sétimo Ser, que supera todos os obstáculos das seis inteligências exteriores, é o protótipo que vai se manifestar na sétima raça e dominará a sétima inteligência, que é a plenitude, a felicidade, o nirvana, o reino de Deus, enfim o domínio das coisas exteriores e do universo interior, que é a Consciência Integral e Universal.

Então, em diversas épocas, encontramos essas manifestações da conquista evolutiva das múltiplas inteligências: os primeiros seres “adâmicos” que dominaram o  fogo e criaram a agricultura; os estadistas e líderes como Moisés , o faraó  Amenófis IV; filósofos como Zoroastro, Pitágoras, Sócrates, Buda, Confúcio, Lao-tse, Apolônio de Tiana; personalidades marcantes como Paulo de Tarso,  Hermes Trimegisto, Rama, Antúlio de Maha-Ethel , Gandhi, Santo Agostinho,  Francisco de Assis; figuras intrigantes como Albert Einstein, Anie Besant, Allan Kardec, Dom Bosco, Helena Blawastky, Sigmund Freud  poderiam certamente ser apont ados como protótipos desses seres históricos que desenvolveram habilidades fora do padrões da época em que viveram e servindo de modelos para as sociedades que  observavam seus exemplos.

Algumas dessas pessoas poderiam ser classificadas como um Sétimo Ser? Ao nosso ver todas elas atingiram a plenitude psicológica, mas somente Jesus tornou-se um verdadeiro protótipo do Sétimo Ser, a síntese das experiências que  transformam o Homem Psicológico no Ser Espiritual, superconsciente, completo e integral. Não se trata apenas de uma crença dogmática na sua pessoa ou simples admiração ideológica. Os próprios mestres de reconhecida sabedoria reconhecem sua inferioridade diante da magnitude de Jesus[10]. Nele nós podemos perceber a realização de experiências comuns a outros seres já altamente evoluídos, porém encontramos também vivências inéditas, não registradas anteriormente, e que revolucionaram o comportamento humano, que romperam historicamente paradigmas psicológicos e sociais que não haviam sido ultrapassados. É indiscutível modelo de perfeição relativa, dos seres criados, pois a perfeição absoluta é somente Deus, o Criador.  A figura histórica de Jesus, bem como de outras personalidades evoluídas, veio sendo ofuscada por leituras místicas e mitológicas que não souberam compreender à luz da razão os seus conceitos filosóficos e suas atitudes sociais; sua experiência refletiu a manifestação de uma inteligência superior vivendo num ambiente inferior. Sua “luz” interior, normalmente não revelada por seres evoluídos, por cautela e também pela inutilidade circunstancial, com ele teve que ser reve lada por necessidade histórica; daí o seu aspecto sacrificial. Era necessário compartilhar essa experiência não só com a iniciação a curto prazo dos discípulos, mas estender e investir a longo prazo numa iniciação coletiva das massas, num grande projeto pedagógico universal. As expressões “salvador” e “redentor” aplicadas a ele não possuem apenas significados místicos e de adoração exterior. Trata-se de uma definição da sua alta capacidade pedagógica de redirecionar o comportamento de coletividades humanas moralmente falidas. Esse tipo de experiência não ocorreu apenas em nosso planeta e deve ser comum em outros orbes cujas humanidades atingem ciclos evolutivos críticos e precisam ser reorientadas nas suas jornadas espirituais.  Ela sabia dos riscos de se “jogar pérolas ao porcos”, mas na sua “parábola do semeador”, percebe-se que há nele uma confiança no livre-arbítrio e na pontencialidade angélica e espiritual do ser humano ainda animaliz ado. Muitos “iniciados” modernos não compreendem por que Jesus resolver revelar sua luz para as massas. Fazem uma avaliação parcial da sua obra pedagógica, olhando apenas os resultados políticos e o triste episódio da sua condenação à pena de morte. Esquecem que a proposta era exatamente essa: o sacrifício pessoal e o perdão como lições derradeiras de alto impacto psicológico e social. Essa repercussão histórico-vivencial de Jesus não foi uma coincidência social e que virou tradição à toa, ao acaso. Ela teve a sua razão de ser, essencialmente exemplificadora, e  passou  a ser imitada e propagada  pelos primeiros mártires cristãos, seres já um tanto evoluídos, que perceberam que podiam experimentar essas ações e contribuir para a revolução ao mesmo tempo silenciosa e estrondosa de Jesus.  Cada cena registrad a, cada conceito explicado, cada exemplo vivenciado, cada símbolo, cada metáfora, cada revelação, cada atitude, cada cura,  tinha sempre seu significado filosófico e sua significância social. Foram três anos de tarefa pública e notória.  Seu nascimento não foi escolhido como marco divisor da nossa história somente pela imposição política dos estadistas cristãos ou das igrejas que durante muito tempo foram depositárias, nem sempre fiéis, das suas idéias. É que muitos cristãos sinceros e dedicados logo compreenderam, intuitivamente, a sua superioridade espiritual sobre o homem comum, chegando mesmo a confundi-lo com o próprio Criador. Este Ser Integral superou a perfeição relativa que caracteriza todos os seres que o antecederam e sucederam no tempo para ingressar na experiência interminável e sempre evolutiva da busca e  conquista da perfeição absoluta, que é Deus.

4. A Andragogia Espiritual

Andragogia é a prática educativa iniciática que, desde remotíssimos tempos, vem sendo utilizada em núcleos filosófico-religiosos. Ela visa, sobretudo, a formação de agentes multiplicadores (discípulos) de uma determinada doutrina. A iniciação, como técnica didática, é idêntica no que diz respeito à sua essência educativa e varia somente nas suas aplicações culturais, sendo comum tanto nas mais simples práticas primitivas tribais até as mais sofisticadas instituições sacerdotais. O pagé indígena, o feiticeiro ou curandeiro tribal, o padre católico, o pastor protestante, o xamã, o bruxo, o mago, o gurú, o pai-de-santo, a rezadeira ou benzedeira, todos são iniciados em suas respectivas áreas de conhecimento, obedecendo princípios e regras educativas necessárias ao exercício de suas funções ou papéis.

Nas civilizações teocráticas da Antiguidade oriental esse tipo de prática educativa foi predominante  porque a camada sacerdotal tinha grande influência social e política. O sacerdócio era um status diferenciado e altamente prestigiado nessas sociedades.

A introdução da educação iniciática oriental no mundo ocidental se deu através do contato da civilização greco-romanos com as culturas do Egito, da índia e da China. Sábios gregos como Heródoto, Platão e Pitágoras freqüentaram núcleos iniciáticos orientais. Mas a própria metodologia de ensino de Sócrates (a maiêutica e a ironia) funciona como um processo de iniciação no qual o discípulo tinha que romper barreiras e obstáculos para vencer etapas de aprendizagem. De todos esses sábios do Ocidente, Pitágoras foi o que mais se destacou nesse setor , criando uma escola iníciática de grande prestígio na qual se ensinava ao mesmo tempo o conhecimento racional , o fenomenal exterior (exotérico) e o fenomenal interior ou emocional (esotérico). A Matemática pitagórica tanto abrange o aspecto racional do universo (geometria) como o aspec to místico, como a teoria da perfeição numérica setenária.

Na Idade Média, em plena Era Metafísica, a educação iniciática, voltou a ser praticada nos círculos de elite, como contestação e alternativa ao monopólio cultural teológico da Igreja (ordens religiosas em mosteiros e conventos).  Nessas sociedades secretas ocultistas  os homens cultos e inquietos se reuniam para aprender e desenvolver conhecimentos proibidos. A Maçonaria é um exemplo desses núcleos, cuja origem foi a corporação de ofício dos pedreiros ou construtores ( do francês “masson” ou fazedor de massa).

Na Renascença essas sociedades secretas se propagaram em função do relativo clima de liberdade estabelecidos em cidades comerciais e pelas revoltas contra os abusos de poder do clero católico (Reformas). Nomes famosos como Galileu, Leonardo Da Vinci, Rafael, Miguelangelo foram iniciados nos mistérios metafísicos dessas escolas esotéricas e deixaram transparecer em suas obras os reflexos desses conhecimentos.

Com o advento do iluminismo e das Revoluções Liberais as escolas iniciáticas perderam muito da sua influência por causa do estabelecimento das liberdades civis. Mesmo assim, sabe-se que muitos desses movimentos foram pensados e tramados em núcleos iniciáticos ou pelos seus ex-alunos.

No mundo contemporâneo, com as crises existenciais geradas pelo clima de incerteza, a escolas iniciáticas ainda sobrevivem e em determinados setores avançam como alternativa educacional da chamada Nova Era, do III Milênio.

Características mais comuns  da educação iniciática:

  • Ocultismo, misticismo, mistérios, enigmatismo e simbolismo;
  • Busca do conhecimento das relações e inter-relações entre o Homem, Divindades e a Natureza;
  • Diferenciação entre o conhecimento Exotérico e o conhecimento Esotérico;
  • Relação de confiança entre mestre e discípulo;
  • Regras disciplinares e de conduta (silêncio, jejum, meditação, olhar, etc.);
  • Progressão gradual dialética em etapas (graus hierárquicos);
  • Instrumentos rigorosos de avaliação probatória;
  • Diferenciação metodológica entre a pedagogia e a andragogia.

Fazendo uma comparação teórica , enquanto a Pedagogia está voltada para a educação existencial das crianças a Andragogia volta-se para o aperfeiçoamento consciencial dos adultos. Para tanto, esta última lança mão de métodos diferenciados da educação infantil, capazes de amadurecer o indivíduo biologicamente já desenvolvido, porém emocionalmente imaturo, através do processo de despertamento. Essa metodologia consiste basicamente na reversão do conhecimento e do aprofundamento de experiências, do plano exotérico para a dimensão esotérica. O conhecimento esotérico está inserido no rol dos principais tipos de conhecimentos manifestados na experiência humana, a saber: o mágico, o empírico, revelado, lógico-racional, o experimental, e o intuitivo. O esoterismo enquadra-se, portanto, na esfera da revelação místico-religiosa, da qual prové m a maioria dos ensinamentos espiritualistas ministrados pelas escolas iniciáticas tradicionais e também pelas principais religiões históricas das civilizações. Lembrando Platão e sua analogia sobre o efeito moral do conhecimento nas pessoas, a Verdade é como uma luz que ofusca a visão do expectador que se habituou com a escuridão de uma caverna escura. Ele vai se adaptando gradualmente à medida que faz incursões de olhos vendados até que possa finalmente encarar a luz sem nenhuma proteção. A venda nos olhos é o exoterismo; tirar a venda dos olhos é processo de iniciação esotérica.

Todas as religiões e escolas filosóficas espiritualistas, em todas as épocas, guardam duas formas básicas de expressão social: uma esotérica, voltada para os setores mais intelectualizados, cuja minoria tende sempre a formar suas elites, corporativas ou não; e outra exotérica, voltada para as massas, para cuja maioria limitada intelectualmente assume significados simbólicos e ritualísticos mais acessíveis ao seu nível de compreensão.  Isso significa que as religiões e filosofias possuem conhecimentos  complexos que precisam ser, de uma forma ou de outra, vulgarizados, quase sempre em forma de dogmas e sacramentos cerimoniais.

Mas tudo isso só amplia ainda mais o fascínio que o ser humano tem pelo conhecimento esotérico. Menos palpável e realista do que os conhecimentos lógico-racional e empírico, ele não fornece provas  materiais dos fatos, porém gera  em todos nós uma profunda confiança na imaginação e na capacidade filosófica  de cultivar  as possibilidades do desconhecido.  A mente humana não se alimenta apenas de convicções lógico-racionais. Nossa auto-realização depende do entendimento e da compreensão de muitas outras coisas que estão fora dessa esfera limitada da cognição racional. Além do pensamento estão inúmeras outras experiên cias ainda não decifradas e que se escondem no universo dos nossos sentimentos e emoções. Somente quando estivermos suficientemente equilibrados nas três áreas vivenciais é que poderemos conviver com o conhecimento pleno e absoluto das coisas. Por enquanto teremos que viver na relatividade. Enquanto isso, não há nada de mal especularmos nesse terreno oculto e atraente do mundo das idéias, da esorealidade da qual falava Platão.

5. A Consciência e  a Verdade

“Aos quinze anos, minha inteligência se consagrava ao estudo. Aos trinta, mantinha-me firme. Aos quarenta, não tinha dúvidas. Aos cinqüenta, conhecia os decretos o Céu. Aos sessenta, o meu ouvido era um órgão obediente para a recepção da verdade. Aos setenta, podia fazer o que me desejasse o coração sem transgredir o que era justo”. – Confúcio (Kongtzeu).

Duas coisas predominam e todo o Universo: a Consciência – que é Deus e os seres criados à sua imagem e semelhança; e a Lei, que é a vontade de Deus governando os seres e a Natureza.

A Lei significa a ordem, o equilíbrio, a harmonia. A Consciência significa inteligência, pensamento, ação, emoção, realização, auto-controle, responsabilidade e convivência.

O contrário da Lei é o caos, o mal, a escuridão, o medo e a ignorância, a incerteza, a insegurança e o sofrimento.  O contrário da Consciência é a alienação e a loucura.

Quando a Lei e a Consciência não se chocam e andam juntas significam sempre o Bem, a Luz, a fé, a confiança, a sabedoria, a resignação, a tranqüilidade, a confiança e a felicidade.

A união da Lei com a Consciência resulta no conhecimento gradual da Verdade. Quando conhecemos a Verdade a nossa vida se transforma incessantemente.

A Verdade total ainda está bem longe do nosso alcance: ainda não temos maturidade para conhecê-la como um todo. Por isso vamos conhecendo-a em partes. Se conhecêssemos a Verdade de uma só vez entraríamos em desequilíbrio. Por isso, assim como as crianças que aprendem a andar por si próprias, vamos dando passos lentos, até adquirirmos segurança para pisarmos nesse terreno, para nós ainda tão  assustador e inseguro.

Em várias épocas Deus permitiu a manifestação na Terra, e em muitos outros mundos físicos, de seres sábios para mostrar a Verdade aos homens. Mostraram muitas coisas verdadeiras, mas não puderam mostrar tudo por completo. Krishna e Buda na Índia, Zoroastro na Pérsia,  Lao-tsé , Fo-Hi e Confúcio (Kong-Teseu) na China, Sócrates na Grécia,  Moisés e Jesus na Palestina. Todos eram legisladores morais e ampliadores da Consciência humana.

Todos eles falavam da Lei e da necessidade de praticarmos essa lei desenvolvendo a Consciência. Krishna e Buda ensinavam: amem os seres da Natureza e controlem os desejos; Moisés alertava: respeitem a Deus não matando e não roubando; Os mestres da China recomendavam: Cultivem a paciência e a bondade; Zoroastro explicava a importância do livre-arbítrio falando da luta constante entre o Bem e o mal; Sócrates refletia: sei que nada sei e recomendava: conhece-te a ti mesmo; Jesus pedia: sejam humildes, perdoem seus inimigos. Este, como o último grande sábio que se manifestou em nosso planeta, tinha plena consciência de sua responsabilidade e do momento histórico que estava inaugurando para a Humanidade: “Não pensei que vim destruir a lei ou destruir os profetas; eu não vim destruí-los, mas dar-lhes cumprimento; porque eu vos di go que o céu e a Terra passarão antes que tudo o que está na Lei não seja cumprido perfeitamente, até um único jota e um só ponto”.

Quando falavam da Consciência esses sábios convidavam todos para conhecer as maravilhas do nosso mundo interior, que uns chamavam de Nirvana, de Plenitude ou ainda o Reino de Deus.

Uma Consciência é a prova viva da existência de Deus, sua própria imagem e semelhança. A Consciência não pode jamais ignorar a Lei ou fugir de si mesmo agredindo sua natureza espiritual divina.
A Lei diz que somos todos iguais em Espírito, na origem, na raiz, que  é a nossa Consciência. Somos diferentes no pensar, no agir e no sentir porque temos a liberdade de escolha dos caminhos que vamos percorrer. Mas somos iguais naquilo que queremos atingir como finalidade.

Nossas diferenças nunca devem servir de motivos de conflitos e de violência. Pelo contrário, as diferenças existem para que pratiquemos a lei da convivência, conhecendo a Verdade única do Amor Universal.

Por Isso Jesus ensinava: aquele que se humilhar será exaltado, ou seja, aquele que respeitar a simplicidade e a ignorância do seu semelhante será sempre maior porque ficará com a consciência limpa e com o coração leve. Na sua enorme experiência espiritual, Jesus dizia: Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque meu jugo é suave e um fardo leve.

Quem tem a consciência limpa pelo senso de justiça e o coração leve pela humildade jamais sofre diante das dificuldades e da provas da Vida. Jesus já conhecia plenamente essa realidade do mundo interior e ensinava: Sejam inteligentes como as serpentes e simples como as pombas. A serpente é a necessidade de sobrevivência do corpo e a pomba a salvação da alma.

A humildade é o segredo para estarmos sempre quites com a Lei e paz com a nossa Consciência. Já o orgulho é a rebeldia, o egoísmo, a causa da manifestação de todos os nossos defeitos morais. Esses defeitos nos afastam da Lei, escurecem a nossa Consciência, nos tornam infelizes e derrotados.

A humildade não é covardia. É preciso muita coragem e disposição para ser humilde. O orgulho é sim uma covardia, porque incentiva o ser humano a mentir para si mesmo. Quem é mais covarde: aquele se enfrenta ou aquele foge de si próprio?

A Ciência humana desconhece as origens da consciência. Opinam muitos pesquisadores especulando que ela é produto da transformação dos organismos, vendo nisso somente o fenômeno visível e exterior. Não conseguem, portanto, estabelecer uma correta e clara relação de causa e efeito. Sabem que ela existe, pois carregam dentro de si mesmo essa prova viva, mas, contraditoriamente, não têm como prova-la objetivamente, segundo os paradigmas científicos que cultuam. Tanto a Consciência como a Mente continuam sendo considerados nas academias materialistas como uma crença. Até mesmo as clássicas experiências e teorias do Dr. Sigmund Freud são incluídas neste rol. No entanto ela aí está, seja como crença, seja como fato objetivo o u subjetivo, servindo sempre como referência no esforço que fazemos para compreender e aceitar a realidade.

Como percebemos, este é o assunto que mais incomoda e fascina aqueles que sentem a necessidade de explicar as coisas e, por isso, está presente em todas a atividades nas quais os ser humano estão envolvido. É só conferirmos nos dicionários[11] para constatar a enorme incidência de conceitos e circunstâncias em que a palavra “consciência” aparece como base nas definições filosóficas.

Mas uma coisa é certa: é indiscutível ela é a principal porta de acesso à Verdade, que todos nós buscamos ansiosamente. Trata-se de um termômetro e ao mesmo tempo uma bússola que utilizamos para navegar no imenso oceano do Desconhecido.

As leis Universais

O conhecimento sobre as Leis Universais não é simples produto teórico das elucubrações e dos ensaios teológicos e filosóficos do ser humano.

Trata-se de algo que está muito mais além das nossas cogitações mentais,  bastante limitadas pelas nossas atuais condições morais  e incapacidade de visualizar complexidade do Universo que nos rodeia.
Vivemos mergulhados neste imenso mar cósmico de estrelas e nebulosas, na verdade um Grande Oceano Mental  do qual somos parte indiscutível e inalienável.

O saber dessa verdade universal vem de longa data, através da revelação gradual do mundo e da realidade.

A revelação, como a própria verdade, tem muitos caminhos de manifestação e diferentes formas de se comunicação ao seu principal alvo, que o ser humano. O Homem é o primeiro estágio  de uma enorme escala consciencial na qual se realiza a revelação das coisas dos seres e da Vida.

Os caminhos da religiosidade, das artes e das ciências são os meio mais comuns para que a Verdade se manifeste em forma de revelação. E é principalmente através desses três campos de experiências que apareceram em todos os grupos humanos, de todas as épocas, os conceitos sobre as leis universais. Muitos diferem na forma, mas são idênticos na essência, provando que brotaram da mesma fonte e que cumprem a mesma finalidade de promover o crescimento e a felicidade das consciências que animam  a Criação.

Um antigo aforismo oriental afirma que “Dormimos no mineral, sonhamos no vegetal e acordamos no animal”. Já um recente axioma ocidental confirma que “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Não são também provas irrecusáveis da legislação e do equilíbrio universal? Também, não é verdade a relação entre o macrocosmo da realidade Universal e o microcosmo da realidade humana?

A tomada de consciência é, portanto, o início da imensa jornada de descobertas dos mistérios do Cosmos; e conhecimento das leis que regulam esse universo é o primeiro passo para compreendermos o que é o Caminho (que é o Conhecimento), o que é a Verdade (que é o Criador) e finalmente o que é a Vida (que somos nós, as Criaturas).

  • Lei da EVOLUÇÃO: é imperiosa em todo o Cosmo e nenhum ser escapa à sua ação transformadora, tanto na forma, como na essência.
  • Lei da RELATIVIDADE: toda forma é relativa, toda essência é absoluta. Deus no plano absoluto é inacessível, imponderável, invisível;  mas no plano relativo torna-se manifestado através dos universos materiais, tornando-se objetivo, ponderável, visível.
  • Lei da ORDEM:  é o equilíbrio universal absoluto resultante da perfeição e da harmonia do conjunto e da cada uma das partes em separado. O inverso disso seria o caos.
  • Lei da UNIDADE: Deus é unidade, por isso é absoluto e uno; no plano relativo manifesta-se fragmentado de forma dupla ou trina. O homem é  semelhante a Deus porque é  duplo e triplo : visível e invisível,  estável e transformável, mortal e imortal; é também triplo porque é espírito, energia e matéria.
  • Lei das UNIDADES COLETIVAS: nada existe individualmente isolado, independente. Toda individualidade resulta de agregados de individualidades ainda menores e até o infinito negativo, sendo, ao mesmo tempo, parte integrante de individualidades maiores, que o são de outras ainda maiores e assim até o infinito positivo.
  • Lei do TRANSFORMISMO: por esta lei toda a unidade do Universo se mantém inalterada, nada desaparecendo do Todo, mas unicamente se transformando através da evolução. O Espírito se transforma moralmente e mantém inalterada a sua essência.
  • Lei do RITMO:  o Universo todo funciona por meio de ritmos, desde os fenômenos astronômicos aos psíquicos, desde os químicos aos sociais. Tudo tem fluxo e refluxo.
  • Lei da CAUSALIDADE: não o acaso, tudo está concatenado pelo princípio de causa e efeito. Acaso é somente aquilo cujas causas desconhecemos.
  • Lei da POLARIDADE: tudo é duplo; tudo tem dois pólos. Tudo tem seus opostos e seus opostos são idênticos em natureza, porém diferentes no grau de vibração. Espírito e matéria são dois pólos opostos da mesma coisa; calor e frio, ódio e amor, masculino e feminino, perto e longe, luz e trevas, alto e baixo. Uma nota musical numa oitava abaixo é idêntica à mesma nota uma oitava acima, diferindo somente no grau vibratório.
  • Lei de VIBRAÇÃO: nada está parado no universo. Tudo se move, tudo vibra. As diferenças entre as diversas manifestações da matéria, energia e espírito resultam das diferenças vibratórias.
  • Lei do GÊNERO: o gênero está em tudo, manifestando-se em todos os planos. Tudo tem o seu princípio masculino e feminino, e isto se dá tanto no plano físico como no espiritual. No plano físico é o sexo, que é geração, no plano mental é regeneração, e no espiritual é criação.
  • Lei do LIVRE ARBÍTRIO: só aplicável aos Espíritos, encarnados e desencarnados; é o direito de ação individual pela liberdade com a recíproca da responsabilidade: é a ferramenta de ingresso na razão e na consciência. Seu uso ou abuso é que define a evolução ou a estagnação, o equilíbrio ou o desequilíbrio, a felicidade ou infelicidade dos Espíritos.

Sobre as leis secundárias temos uma série delas que complementam as primeiras nos casos específicos. São as chamadas manifestações morais das leis maiores e estão inter-relacionadas entre si:

  • Lei do TRABALHO: lei que permite a produção, a sobrevivência e a realização de inúmeras necessidades individuais e coletivas;
  • Lei de SOCIEDADE: compartilhar socialmente as experiências  para a aprendizagem e a evolução.
  • Lei da REENCARNAÇÃO: segundo a tradição oriental  é a lei que permite o retorno aos mundos físicos para a realização de novas experiências. A renovação orgânica, pelas múltiplas existências, facilita a renovação espiritual.
  • Lei da JUSTIÇA : é a expressão moral da lei de Causa e Efeito, também conhecida como lei do Carma;
  • Lei de ADORAÇÃO : é a relação natural entre a criatura e o Criador, manifestada segundo a evolução dos seres.
  • Lei de REPRODUÇÃO: são os recursos genésicos que  garantem a  perpetuação das espécies.
  • Lei de CONSERVAÇÃO : a manutenção da integridade física e moral.
  • Lei de DESTRUIÇÃO: é um recurso extremo, permitido pela própria necessidade de transformação.
  • Lei do PROGRESSO: nada impede o progresso, pois é uma necessidade impulsionada pela transformação e evolução; no plano relativo nada é definitivo.
  • Lei da IGUALDADE: as diferenças só ocorrem nas vibrações e não na essência; os seres são iguais perante a lei por isso são iguais em essência; a aplicação da lei lhes são diferentes na medida que são diferentes as suas necessidades e capacidades decompreensão.
  • Lei de LIBERDADE:  ser livre é atributo natural; o abuso da liberdade é que reduz e limita a sua atuação.

A Lei das Leis

Esta é a  lei que resume todas as outras e que pode ser definida como um “sentimento” superior. É um sentimento espontâneo e esclarecido que impulsiona a criatura a ser útil ao próximo, auxiliando-a na sua evolução, visando, não somente o seu bem, mas o bem de toda a coletividade da qual faz parte. É a Lei do Amor. Todos os Iluminados que ensinaram a realidade das leis universais deram a ele um destaque especial, pois tinha plena consciência de que para ela não existem teorias, mas somente a exemplificação.

Jesus, que é considerado, pela sua exemplificação vivencial, uma expressão máxima dessa lei no mundo físico, sabia da dificuldade que ser humano tem de compreender intelectual e espiritualmente as leis universais e, por isso optou pela simplicidade das parábolas e da exemplificação pessoal para ensinar algo tão complexo.  Nas suas bem-aventuranças estão resumidas  as principais leis do Universo e, se elas forem seguidas à risca, se transformarão em poderosas habilidades da inteligência espiritual. É o jeito mais prático de nos manter em sintonia com as leis do universo, senão vejamos:

1.       Bem-aventurados os pobres de Espírito porque deles é o Reino dos Céus (Mateus-5.3)

Pobreza de Espírito quer dizer humildade e Reino dos Céus quer dizer felicidade, a resolução de problemas do nosso mundo interno, que é  a integração perfeita ao Universo.

2.       Bem-aventurados os que choram porque serão consolados. (Mateus-5.5)

O choro e a dor devem ser vistos como experiências positivas, remédios amargos, porém eficientes;  a vacina contra o veneno é extraída do próprio veneno; é o produto das nossas más ações do passado; quem chora com paciência e resignação  é bem-aventurado porque compreende  essa realidade; quem se revolta  está reprovado na “prova” e tem que recomeçar a lição.

3.       Bem-aventurados os mansos porque eles herdarão a Terra. (Mateus-5.4)

A mansuetude não é a covardia, mas a superioridade sobre a violência; a violência é sinal de pouca inteligência, de brutalidade. Os radicais e egoístas pertencem ao mundo do passado, da inteligência inferior e instintiva, de uivos ranger de dentes; os mansos e caridosos pertencem ao mundo do futuro,  da inteligência superior e intuitiva. É a Terra  salva e renovada espiritualmente.

4.       Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão fartos (Mateus-5.6)

Os que esperam a justiça dos homens se decepcionam e se revoltam; os que conhecem a justiça divina sabem que nada ficará impune; é uma questão de tempo, não o tempo material, mas o espiritual; as aparências enganam e Deus escreve certo por linhas tortas.

5.       Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. (Mateus-5.7)

O perdão é fundamental para anular uma situação de desequilíbrio; não há limite para o perdão: perdoar setenta vezes sete  significa perdoar quantas vezes for necessário. Quando Jesus nos recomenda oferecer a outra face, não está recomendando a covardia ,mas fazendo uma crítica profunda à nossa incapacidade de perdoar.

6.       Bem-aventurados os limpos de coração porque verão a Deus. (Mateus-5.8)

A pureza de coração é sinônimo de elevação; a malícia é degeneração; as crianças são puras de coração; mesmo os selvagens não possuem a malícia dos civilizados; os preconceitos nos afastam dos bons pensamentos e da pureza de coração. Deus está escondido nas coisas que geralmente não queremos enxergar.

7.       Bem-aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus. Mateus-5.9)

Os Brandos e pacíficos são aqueles que não aceitam nem compactuam de forma alguma com a violência; são filhos de Deus por que já foram oprimidos, conhecem suas leis e sabem das conseqüências negativas da lei do mais forte.

8.       Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos Céus. (Mateus-5.10) e ainda:

9. Bem – aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem, e mentindo, disserem todo o mal contra vós. Folgai  exultai porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim também perseguiram os profetas que viveram antes de vós. (Mateus –5.11.12)

A injustiça é apenas aparente. O destino arma ciladas que, aparentemente, são coincidências. Pela lei de ação e reação, de causa e efeito, os perseguidores de ontem geralmente tornam-se os perseguidos de hoje e sabem que os seus sofrimentos têm uma finalidade útil, para si e para os outros; para isso existem gradualmente as provas, as expiações e as reparações; provas são opcionais, expiações são compulsórias e as reparações são geralmente espontâneas. Os cristãos se multiplicaram por causa das injustiças que sofreram e isso serviu de exemplo de fé e esperança para as multidões que os viam sofrer sem nada poder fazer senão aguardar a Justiça Divina.

6.  Conhecimento e Verdade

O conhecimento é a única porta de acesso à verdade.  Sem ele é praticamente impossível evoluir e a recusa ao seu acesso é um gesto de rebeldia e indiferença contra as leis do Universo. Quando aceitamos o conhecimento, reconhecemos que precisamos progredir intelectualmente e nos transformar espiritualmente, atitude que significa sempre luz e bem-aventurança. Significa também comprometimento, já que a posse do mesmo nos torna responsáveis pelas implicações dessas informações, seja em no plano individual, seja no coletivo. Quando recusamos o conhecimento, negamos a necessidade de progredir e bloqueamos a nossa maturação espiritual. Sofremos, quase sempre, as conseqüências negativas desse gesto, geralmente um sentimento de culpa e uma sensação de impotência diante das situações delicadas e desafiadoras.

Mas Deus sempre insiste e renova constantemente as possibilidades de acesso à Verdade. Essas oportunidades são praticamente inesgotáveis, mesmo quando estamos mergulhados em provações ou em graves processos expiatórios. Esta a essência das bem-aventuranças, conselhos sábios para todos aqueles que recusaram a luz do conhecimento ou então , mais grave ainda, impediram que seus semelhante não tivessem a cesso à ela.

Assim como são verdadeiras as cores do arco-íris, e inegáveis as sonoridades das notas musicais, sete também são os tipos de conhecimentos manifestados na experiência humana :

  • O Conhecimento MÁGICO (descoberta instintiva): os seres primitivos, ainda muito influenciados pelo instinto animal, descobrem de maneira mágica e infantil os fenômenos e recursos da Natureza. Era Pré-Histórica
  • O Conhecimento EMPÍRICO: adquirido pelo esforço da experiência prática. Exemplo: o mecânico quando busca solução para o conserto ou construção de uma máquina; o lavrador quando desenvolve uma variedade de sementes. Era Agrícola.
  • O Conhecimento REVELADO (transcendente): adquirido através das manifestações para-normais. Exemplo: as revelações religiosas históricas da Bíblia, do budismo, etc. Era Teológica.
  • O Conhecimento LÓGICO-RACIONAL (relação de causa e efeito): adquirido pela observação repetitiva dos fenômenos. Exemplo: os cientistas quando estudam os fenômenos da Natureza no ambiente ou no laboratório. Era da Razão.
  • O Conhecimento EXPERIMENTAL: obtido pela observação sistemática e metodológica da pesquisa científica. Tese, antítese e síntese. Era Industrial. Era Positiva.
  • O Conhecimento INTUITIVO: domínio do Superconsciente e das inteligências voltadas para os problemas subjetivos, interiores e espirituais. Era Psicológica e Espiritual.

A inter-relação desses conhecimentos é que forma o conjunto de CONCEITOS que temos sobre as coisas, isto é, a definição mais próxima que temos da Verdade. Quanto mais distante da verdade for o conhecimento, mais ele manifesta-se como PRÉ-CONCEITO, isto é, algo não definido, falso e mal formulado.

Na sua formação mental e social o ser humano desenvolve os VALORES para o exercício do juízo nas escolhas e decisões. É nesse percurso que desenvolvemos também os preconceitos mais comuns: raça, cor, sexo, origem, classe, profissão, religião, opinião, comportamento, gosto, condição pessoal, etc.  Muitos deles são adquiridos de forma inconsciente e por isso manifestam-se também de forma inconsciente, sem o nosso controle. Qualquer situação ou atitude que se choca  com os nossos VALORES desperta uma reação de defesa em forma de preconceito.

A distinção entre o preconceito e o conceito geralmente é obtida pela postura crítica (capacidade de observância e percepção), distinguindo o que é ESSENCIAL do que é SUPERFICIAL.  Isso só não acontece quando nos sentimos ameaçados ou quando aplicamos uma análise crítica da situação. Mas a postura crítica não ocorre somente no terreno lógico-racional (causa e efeito ou tese, antítese e síntese); ocorre também no plano emocional, pois é nele que estão gravados os preconceitos mais graves, onde nossas rejeições se manifestam de forma mais agressiva, ainda que camufladas. Nesse caso, o caminho mais seguro para evitar ataques inconseqüentes é sempre a auto-crítica e o auto-conhecimento. Quando deixamos a nossa emoção avaliar determinas situações quase s empre fazemos julgamentos (gosto ou não gosto) e conseqüentemente condenamos ou absolvemos de acordo com os nossos valores, que nem sempre são os mais corretos. Querer conhecer e criticar os outros é sempre um risco de julgamento superficial e projeção equivocada dos nossos limites e defeitos.  Para não julgar, nem cair em erro, é preferível sempre aceitar. E aceitar não quer dizer concordar nem aplaudir, mas simplesmente não julgar.  Essa foi a experiência que os grandes sábios se esforçaram para ensinar aos seres humanos a idéia de Vida Plena, ou seja, a aquisição de graus mais elevados de consciência e felicidade. Nas parábolas e exemplos desses sábios de todos os tempos encontramos sempre preciosos antídotos contra os preconceitos, quase sempre identificados nos personagens ou nas situações por eles relatadas.

7. A Mente versus o Cérebro

“A  lembrança não poderia resultar de um estado cerebral. O estado cerebral prolonga a lembrança; faz com que ela atue sobre o presente pela materialidade que lhe confere; mas a lembrança pura é uma manifestação espiritual. Com a memória estamos efetivamente no domínio do espírito.” Henri Bérgson

No século XIX desencadeou-se uma das mais intrigantes guerras ideológicas que a humanidade já havia presenciado. Em plena Era Industrial a Ciência foi estruturando-se em rígidos sistemas racionalistas e passou questionar todo o tipo de conhecimento que não se adequava aos paradigmas da sociedade capitalista. O principal deles era a religião católica cujos dogmas medievais impediam a expansão da moralidade burguesa e principalmente dos seus interesses econômicos. Era uma espécie de vingança histórica contra os abusos e perseguições aos livre-pensadores que durante séculos vinham sendo esmagados pelo terrorismo inquisitorial.  Charles Darwin, Herbert Spencer, Karl Marx e Frederich Nietzsche foram, entre tantos outros, os principais demolidores da fé dogmática e da propagação das teorias materialistas. Essa guerra de idéias foi polarizada em diversos campos, mas em alguns deles as batalhas certamente foram mais ardentes e encarniçadas: a biologia versus a física; o cérebro versus a mente; o determinismo versus o livre-arbítrio e, finalmente, o materialismo contra o espiritualismo. O conflito prosseguiu  e o chamado pensamento científico veio levando todas vantagens sobre o adversário religioso, pois tudo parecia convergir para ao encontro dos seus interesses e adentrou o século XX com uma força avassaladora. Para se ter uma pálida idéia dessa combinação entre a ciência e o capital, os conflitos militares, que raramente ultrapassavam os limites das ambições fronteiriças das nações, romperam de forma espetacular essa barreira geográfica. Essa união conseguiu transformar as guerras locais e regionais em guerras mundiais. Não foi por outro motivo que elas se ampliaram: o capital tornou-se um interesse mundial e a guerr a acompanhou a mesma tendência de globalização.  Ante o festival de posturas radicais de céticos e crentes, surge nessa transição entre dois séculos  uma inteligência fora dos padrões comuns na época e que causaria um certo desconforto entre os dois extremos do conflito.  Em meio ao longo percurso dessa confusão entre o ser e o não ser, o filósofo francês Henri Bérgson (1859-1940) observa calmamente essas discussões estéreis e dispara uma pergunta fatal:

“Se a mente é a matéria, para que serve a consciência?”.

A pergunta era também uma resposta às posturas dogmáticas dos religiosos, em sua maioria coniventes com a escravização de consciências, e também aos cientistas, que agora assumiam de forma arrogante a posição de novos  sacerdotes e donos da verdade. A questão que permanecia no ar era a seguinte: Afinal, o que é a mente? É uma realidade ou uma ilusão? Ilusão de ótica ou ilusão mágica provocada pela inteligência humana?

É que na perspectiva teórica materialista a mente é alguma coisa muito concreta, espacial, lógica, objetiva, física, absoluta. Já na perspectiva espiritualista ela é vista como alguma coisa mais abstrata, temporal, psicológica, subjetiva, metafísica e, portanto, relativa.  Apesar do confronto de opiniões, as duas facções filosóficas estavam buscando respostas dentro dos seus modelos de pensamento. Mas Bérgson, livre das limitações do método positivo e dos dogmas religiosos, mesmo porque não estava muito preocupado em provar nada, a não ser para si mesmo, entendia que a questão essencial dessa discussão sobre a vida e a existência estava na compreensão de outras coisas que antecediam essas teorias como, por exemplo, a necessidade de uma fil osofia do tempo. Sem essa filosofia seria impossível entender esses fenômenos existenciais.  Dizia ele:

“Tempo é duração, portanto transformação”.

Para ele o essencial não era definir a existência e ou não existência, mas compreender que as coisas mudam e porque mudam. Somente os seres que observam o tempo passar podem compreender a si mesmos. Somente aqueles que estabelecem a interligação existencial entre passado, presente e futuro podem estabelecer a relação entre causa e efeito. Mesmo os seres inferiores da Criação se guiam pelos ciclos do tempo natural, pelo clima, pelas estações, pelos ventos, chuvas, secas e tantos outros fenômenos da rotina natural.   Já os seres humanos se guiam pelo tempo histórico, cuja referência são os acontecimentos e as experiências adquiridas, os fatos marcantes da existência. Negar o tempo é o que se chama de alienação e certamente da consciênci a. Bérgson insiste nessa lógica causal:

“Tempo é acúmulo. O futuro é a transformação do passado”.

A consciência passa ser então o grande fator diferencial em todas as discussões existencialistas. Se alguns querem apenas conhecer e explicar os mecanismos da vida e outros, por outro lado, querem fazer desse conhecimento um ato religioso e de adoração, o problema da consciência deverá sempre estar presente, pois funciona como termômetro dos observadores sobre todas as coisas. Ao fazer essas reflexões o pensador francês concluiu que todos nós somos criaturas em constante processo de mutação, que somos suscetíveis a mudanças enriquecedoras e que somos livres para pensar e agir na construção dos nossos destinos:

 “Para um ser consciente, existir é mudar, mudar é amadurecer, amadurecer é continuar criando a si mesmo eternamente”.

Desafiando o dogma da superioridade humana sobre os demais reinos da natureza, Bérgson nos leva a admitir que a consciência é um estado de percepção e atuação que antecede aos órgãos físicos que lhe facilitam a manifestação no meio em que vivem. Para cada estado existencial configura-se um grau de consciência proporcional à necessidade daquele respectivo ser:

“Teoricamente, então, tudo o que está vivo pode estar consciente; não é necessário ter cérebro para estar consciente, assim como não é preciso ter estômago para digerir. Uma ameba faz digestão”.

Nessa comparação aparentemente irônica, Bérgson descobriu a roda da evolução anímica, uma verdade muito antiga ensinada nas mais conhecidas escolas iniciáticas do Oriente. Outros  filósofos contemporâneos e espiritualistas também raciocinavam nessa mesma linha. Para eles todos seres são vivos e o que os diferencia é exatamente o grau de consciência que carregam em seu psiquismo potencialmente evolutivo: no Reino Mineral  a consciência dorme, no Reino Vegetal ela sonha , no Reino Animal ela desperta e no Reino Hominal ela rompe o limite da irracionalidade e ganha novas dimensões que nunca cessam até a plenitude  na eternidade à frente.   Somente os seres humanos superam gradualmente os instintos e o determinismo biológico e passam a fazer as escolhas que caracterizam o livre-arbítrio. Viver é fazer escolhas, tomar decisões, adotar posturas, enfim manter o controle da máquina corporal e do sistema operacional mental. É assim que passamos a ter um grau mais complexo de consciência, que sabemos que existimos, que nos comportamos com exclusividade individual e que fazemos parte de um plano vivencial. E esse plano possui, aos nossos olhos ainda muitos limitados, dois aspectos: o da Vida e o das Existências.  Pela própria lógica do tempo que observamos, seja absoluto ou relativo, concluímos que a nossa Vida é única, mas as nossas existências são diversas. Mesmo assim, continua funcionando em dois aspectos: o individual, que é intrapessoal; e o coletivo, que são as nossas relações interpessoais, pela lei de sociedade. A combinação desses dois sentidos vivenciais resulta na formação da nossa personalidade, processo de uma longa jornada de construção no tempo e no espaço. Abrangendo a vida pessoal e coletiva, a consciência desperta e se desenvolve na medida que amadurecemos pela idade biológica ou pelas incontáveis experiências que realizamos nas suas inúmeras existências.

Consciência, portanto, é saber quem somos,  que temos uma memória e participamos de um grupo social, num determinado tempo da História. Cada um de nós tem um passado e também fazemos parte da História de todos e de tudo que acontece ao nosso redor. Quem não possui essa consciência torna-se alienado, isto é, inconsciente, desligado da realidade que o cerca, fora do contexto histórico em que vive.  Ao persistir nessa alienação o ser quase sempre permanece dominado e dependente dos outros; não usa o livre-arbítrio porque não faz escolhas conscientes; anula assim a sua individualidade e permitem que outras consciências façam as escolhas que ela deveria fazer.

Mas o despertar da consciência em graus mais complexos só ocorre quando começamos a conversar conosco mesmos, fazendo perguntas e tentando digerir respostas. Esse despertar é sempre caracterizado pela constante insatisfação do ser, consigo mesmo e com as cosias que acontecem ao seu redor. Para evitar um desequilíbrio sempre tomamos algumas providências defensivas, para suportamos as constantes crises que nos assaltam a alma. Dependendo da circunstância, a humildade, a aceitação, a resignação, são defesas muito úteis; noutras situações optamos pela agressividade em suas diversas manifestações. E assim vamos tocando o barco, sempre rio acima. Mesmo quando paramos em algum porto, que é o tempo presente, ou quando ficamos à deriva, muitas vezes arrastados pelas correntezas do tempo passado, não perdemos a noção de qu e estamos nos dirigindo rio acima, que é o tempo futuro. Para cada ser esse percurso tem um significado muito pessoal e uma dinâmica diferenciada. Cada um tem o seu tempo e o seu ritmo, mas todos têm o mesmo destino.

Essa é chave da consciência mais ampla e da busca de auto-realização em que todos nós persistimos; é a equação existencial que tenta solucionar a ligação entre essas três referências de tempo que ocupam as nossas mentes: o que fui, o que sou e o que vou ser. Tal solução só será encontrada quando estivermos preparados para conhecer a verdade integral das coisas e não em partes como o fazemos atualmente. São dúvidas que carregaremos futuro acima e sabe lá quando estaremos maduros e satisfeitos com essas respostas. Mas a importância não está  nas respostas em si, pois se as obtivéssemos agora provavelmente não as compreenderíamos integralmente, com o devido valor que elas exigem; o que importa nesse momento são as experiências e reflexões delas decorrentes, com todas as dificuldades e implicações que elas representam em nossas vidas. Isso é o que podemos chamar de estado de coisas, de consciência.

8. A História e o Destino

“Qualquer que seja a duração de vossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na duração e sim no emprego que lhe dais. Há quem viveu muito e não viveu. Meditais obre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante. Imagineis então nunca chegardes ao ponto para o qual vos dirigíeis? Haverá caminho que não tenha fim?” – Michel de Montaigne

Hércules era filho de Zeus e Alemena, a rainha de Tirinto. A deusa Hera, esposa de Zeus tentou frustrar o seu nascimento, mas somente conseguiu impedir que Hércules se convertesse em rei de Tirinto retardando sua vinda ao mundo até que nasceu outro menino que herdou o trono. Hercules nasceu, mas na condição de um escravo. Precocemente se manifestou a natureza semi-divina de Hércules. Hera enviou duas serpentes ao seu berço, mas o bebê as estrangulou. Desde muito cedo aprendeu as artes marciais. Ninguém podia se opor à lança nem à flecha de Hércules, que também era um lutador sobressalente. Hera não estava disposta a perder e no momento culminante do triunfo de Hércules lhe provocou um ataque de loucura. No meio da sua aterradora amnésia, o herói matou a esposa e os filhos.

Incapaz de recobrar a tranqüilidade de espírito, depois de cometer esse crime espantoso, Héracles consultou o oráculo de Apolo em Delfos. Este lhe respondeu que fosse a Tirinto e acatasse as ordens do rei Euristeu. O herói obedeceu e o monarca lhe encomendou uma série de tarefas ou trabalhos. Eram tarefas simples e complexas que se articulavam entre si e aos destinos de outras pessoas, numa verdadeira trama existencial.

Cada uma das 12 tarefas foi sendo cumprida por Hércules de acordo com as circunstâncias, conveniências e limites da sua força física e moral.  Algumas ele cumpriu corretamente e com relativa facilidade; em outras teve grandes dificuldades e as cumpriu através de artifícios ardilosos, o que agravava seus débitos diante das novas tarefas. Quando pensava que havia cumprido totalmente um trabalho, decepcionava-se porque via novamente diante de si algo semelhante ao que não havia concluído satisfatoriamente. Então revoltava-se e cometia novos erros. Finalmente Hércules defrontou-se com o 12º trabalho, que era tirar Cerbero dos infernos, o cão de três cabeças. Ao finalizar com êxito esta tarefa, o herói venceu Hades – rei dos mortos – e se tornou imortal.

Mas Hércules ainda tinha que viver parte da vida e sofreu novos ataques de Hera. Ela seduziu Djanira, a segunda esposa do herói, que o envenenou acreditando que lhe dava um remédio.

Transpondo esse relato mitológico para a esfera da interpretação objetiva podemos ter uma compreensão mais significativa do mito:

Hércules simboliza o Ser Consciente, “filho” de Deus, criado simples e ignorante; a perfeição relativa.

Hera simboliza o destino, o Programa Existencial da individualidade,  a sua constante busca do tempo futuro e ao mesmo tempo a raiz dos nossos compromissos como o passado, o karma e o imperativo da lei de Ação e Reação.

O rei Euristeu representa a sua Consciência e o Dever com os compromissos e responsabilidades assumidas na pré-existência.

Os 12 trabalhos representam a História e o jogo das circunstâncias no dia-a-dia e o uso do Livre arbítrio, a síntese da evolução espiritual humana, composta pelas as provas (obstáculos, seduções) e expiações (resgates de dívidas); na matemática esotérica o número 12 é produto da soma e da mutiplicação da estrutura setenária (3+4=7 e 3×4=12) significa os ciclos das existências, as probabilidades circunstanciais e tendências comportamentais que vivenciamos, simbolizadas nos doze meses do ano, na multiplicação das dos meses das estações do ano (4×3), nos 12 signos do zodíaco, assim como as doze tribos de Israel, os doze apóstolos do Cristo, etc.

Mas a História é muito mais do que o relato de acontecimentos, coisas, lugares e pessoas que viveram no passado. Na verdade, ela tem muito mais a ver com o futuro e com os fatos que atualmente afetam bem de perto as nossas vidas. Ela é uma sucessão lógica de acontecimentos no tempo e no espaço, encadeados em tramas individuais e coletivas, produto de ações e reações geradas pelas atitudes humanas. No grande tempo de longa duração da História cada um de nós possui um fragmento pessoal de realidade, um tempo individual e um cenário para atuação, delimitados pelo ciclo biológico do corpo e pelas circunstâncias sociais nas quais nos envolvemos. O tempo existencial a ser equacionado varia de pessoa para pessoa, mas, em média, dura entre 70 e 80 anos, o suficiente para a realização de experiências necessárias ao nosso padrão moral e de inteligência.

Existe na Natureza Divina uma relação proporcional entre o Macrocosmos e o microcosmos, como contata-se  na relação natural entre a semente e a Árvore . Assim como o Ser humano é o micro e o Criador é o Macro, o corpo físico é o micro e o Universo e o Macro, podemos dizer também que o dia está para a Existência assim como a existência está para a Eternidade. As experiências que realizamos nos segundos e minutos são simulações e treinamentos para unidades maiores e sucessivas do tempo existencial e vivencial. São nos inúmeros minutos que aprendemos e realizamos as coisas importantes do dia. São nos múltiplos dias que entendemos as coisas importantes da existência e assim sucessivamente. São nas diversas existências que compreendemos as coisas essenciais da vivência ou da Eternidade.

O relógio existencial possui quatro momentos que coincidem perfeitamente com as fases do ciclo biológico do corpo. Ele é a exteriorização da Bússola Eterna da Consciência. Enquanto o primeiro funciona no tempo absoluto, em sentido horário, medido pelos dias, horas, anos, até o limite da morte física, a segunda funciona no sentido inverso da introspecção, medida nos graus do tempo relativo, sem limites. Um marca a extroversão do ser no plano objetivo; a outra marca a sua introspecção no plano subjetivo da mente. Um define o status-quo da encarnação biológica e a outra aponta o rumo da ressurreição psicológica. No tempo de uma existência na carne, o relógio existencial e a bússola consciencial se interpenetram e  formam um terceiro marcador, que é o ciclo Dia-e-Noi te, de 24 horas divididas também em quatros momentos nos quais ora estamos em atividade biológica, ora em atividade psicológica, seja em vigília, seja durante o sono.   O Dia-e-Noite é a síntese e a transição do tempo absoluto do corpo biológico existencial para o tempo relativo da consciência e da eternidade. É no Dia-e-Noite que realizamos as experiências fundamentais para o desenvolvimento mais amplo da mente em seus três campos vivenciais – o Pensamento, a Ação e o Sentimento.

Em cada fase do nosso tempo pessoal diário acontecem pequenos fatos corriqueiros, importantes para a pequena mente existencial, limitada pelo cérebro; mas também os fatos essenciais, muito significativos para a mente maior, da consciência e da Vida. Esses fatos nos estimulam a pensar, agir e sentir as experiências e cada uma dessas operações se desenvolvem na medida que o corpo também amplia a sua manifestação no meio ambiente. Nossas existências se resumem num mecanismo constante de fazer escolhas e  tomar decisões, desde a mais simples, como tomar um copo de água, até as mais complexas, que causam grandes desgastes emocionais.  Diante dos fatos somos forçados a escolher, a tomar um dos caminhos que se abrem aos nossos olhos, mesmo que seja a opção do recuo ou opção da fuga. Toda escolha gera uma experiência e esta desencadeia em nós um irreversível processo de transformação mental, mesmo quando não aceitamos as conseqüências da escolha que fizemos; podemos até ficar estacionados numa determinada situação, mas já fomos afetados inevitavelmente pela mudança.  É isso que se chama “erraticidade”, uma situação de expectativa e ansiedade na qual o Ser já foi atingido pela necessidade de mudança, mas ainda não compreendeu o que se passa com ele e fica adiando ou planejando uma nova experiência.

Tudo indica que existimos num campo universal de atuação onde estamos sujeitos a leis que fogem do nosso controle individual. Leis como a de Ação e Reação e a de Evolução, só para citar as mais conhecidas, estabelecem limites em nossas escolhas; possuímos o livre-arbítrio, mas na maioria dos casos, ele está limitado e restrito a determinadas ações. Isso parece absurdo, mas a lógica desse limite está numa ordem maior que impede que as nossas decisões causem desequilíbrios além dos parâmetros da normalidade. Entendemos, então, que o livre-arbítrio é uma faculdade proporcional ao grau de maturidade do Ser. Na sua fase humana e individualista, em mundos materiais imperfeitos, naturalmente sofre as limitações necessárias a manutenção da ordem geral.  Na Terra e le ainda é o veículo do egoísmo e do personalismo, daí os distúrbios mentais que o aprisionam temporariamente como efeito dos abusos. Em mundos mais perfeitos sua manifestação provavelmente se amplia porque o Ser age sempre no sentido do bem estar da coletividade. Alguns autores chegam mesmo a especular que o livre-arbítrio se torna uma faculdade desnecessária quando o Ser se integra perfeitamente na harmonia universal e passa a cooperar em graus cada vez mais complexos da Criação Divina.

Em nosso caso, as escolhas ainda são muito afetadas pelas provas e expiações. Não podemos avançar em determinadas linhas de opção porque criamos obstáculos de ação que somente podem ser ultrapassados quando dali forem removidos os entulhos gerados pelos nossos gestos de destruição. São naturalmente entulhos mentais, experiências negativas antigas que nos prendem à condição estacionária da erraticidade, onde podemos tanto fazer escolhas, cometer erros, como também repetir experiências para reaprender com os fracassos. Aqui se vê claramente o limite entre o livre-arbítrio e o determinismo.  Na erraticidade  escolhemos com clareza e convicção, porque estamos conscientes da situação e operamos com a mente maior.  Quando encarnados, estaremos operando subjetivamente com a mente reduzida, sem memória objetiva. Seremos “atraídos” e “empurrados” para situações onde as escolhas e decisões sofrem as influências naturais dos acontecimentos. Poderemos recuar e desviar dos nossos caminhos, mas, ainda assim, teremos que suportar a sedução das circunstâncias ou o imperativo das reações “cármicas”.

Dessa forma, estamos ainda mergulhados no plano da Existência, restrito, incompleto, parcial e confuso, por causa multiplicidade de existências e personalidades. Nele estamos construindo parcialmente o nosso Eu, a nossa História, participando com o nosso tempo individual, interagindo com a Família, a Cidade, o País e a Humanidade. Mas, num plano mais amplo, que é a Vida Integral, ainda estamos atrelados a um Destino, que é um caminho ideal.  Ainda não possuímos maturidade emocional e inteligência suficientes para fugirmos desse destino e exercer com plenitude o livre-arbítrio.  Por isso, diante das crises existenciais, sempre nos colocamos e nos sentimos divididos entre a probabilidade e a fatalidade, entre a relatividade do tempo metafísic o  e o absolutismo do tempo físico e biológico. Enfim, estamos entre a liberdade e o limite. A primeira somente deixará de ser um ideal quando o segundo deixar de ser real. Quando nos livrarmos desses limites teremos uma sensação real de liberdade, sem angústia, sem ansiedade. O tempo será apenas uma sensação realizadora, sem interferência incômoda do passado e sem o medo do futuro. O passado não será mais nostalgia, o presente não será fantasia nem o futuro será visto como ideologia. Quando tudo isso for superado estaremos passando das múltiplas existências para a Vida única. Isso é o que os Seres Superiores chamam de Felicidade ou Plenitude, uma realidade comum nos mundos mais perfeitos e que na Terra  é inconstante e só ocorre em alguns momentos.

Mas a nossa atual felicidade, relativa e parcial, tem uma razão de ser; tem a ver com o nosso estado de espírito, que também flutua na perfeição relativa ou potencial de perfectibilidade.  Ainda não possuímos maturidade suficiente para sermos felizes. Essa questão é bem fácil de entender, mas nem sempre é fácil de compreender: se fôssemos transportados a mundo onde a felicidade plena é uma realidade coletiva não suportaríamos tal situação por causa da interferência dos conflitos íntimos que ainda não foram solucionamos e que ainda nos causa a instabilidade emocional. Pensamos que é fácil viver num mundo feliz quando ainda não nos sentimos felizes. Mas o processo natural é bem diferente e altamente dialético. Para atingirmos a felicidade integral temos que nos adaptar gradualmente atr avés do desmonte dos conflitos e dos efeitos emocionais negativos que eles nos causam. Em resumo, a regra é a seguinte: temos que aprender a ser felizes nas situações de infelicidade. É como aprender a respirar dentro da água; no começo ficamos nos debatendo, aflitos, agonizados, nos contorcendo em forma de desespero. Depois vamos percebendo que não é possível lutar contra a natureza; paramos de tentar respirar bruscamente, ficamos mais calmos, passamos a olhar o que se passa ao nosso redor; não conseguimos respirar, mas já vislumbramos por alguns segundos a paisagem que nos parecia hostil e para a qual nem abríamos os olhos. Com o tempo vamos aumentando os períodos nos quais prendemos a respiração e nos quais exercitamos a calma e a paciência. Essa é, de forma análoga, a chave da passagem das Existências para a Vida, da História para o Destino, da Fatalidade para a Probabilidade, da Encarnação para a Ressurreição, do Reino Animal Biológico para o Reino Hominal Psicológico, do Reino de César para o Reino de Deus e, finalmente, da alienação para a Consciência.

Como já dissemos, essa é uma temática que podemos entender facilmente, mesmo porque as filosofias espiritualistas explicam tais questões com muita didática e objetividade. Mas resta o problema da compreensão. Nem tudo que entendemos objetivamente com o intelecto repercute  com clareza no mundo íntimo da subjetividade e que é o verdadeiro universo da experiência.  Uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática. É um conceito tão antigo que hoje soa aos ouvidos mais exigentes como um “chavão”, um “clichê”, gasto pelo uso retórico, mas  que continua tendo seu significado de verdade filosófica. Como diz a música, “Não adianta fingir, nem mentir pra si mesmo…” Podemos até estacionar para discutir milhares de aspectos que as nossas doutrina oferecem sobre a Vida e o Universo, podemos permanecer por longos períodos tentando solucionar problemas do mundo fenomenal, que já “estão desde sempre solucionados por Deus”, para os quais basta aplicar o raciocínio. Já entendemos o fenômeno da morte biológica, já solucionamos o problema objetivo da imortalidade. Esse enigma de Tomé já foi solucionado por diversos pesquisadores da alma, através da ciência e da tecnologia sensitiva do entendimento das leis naturais. Mas ainda falta compreender o enigma de Nicodemos, que é fenômeno da morte do Espírito.  Esse enigma os mestres também decifraram, não para nós, mas para eles mesmos. Deixaram pistas das suas experiências pessoais, mas não puderam ir muito além disso, pois o  mundo interior de cada um deles é diferente do nosso, têm o seu próprio caminho a percorrer. O contato teórico com essas verdade básicas são os primeiros passos para entender o problema, mas a compreensão depende do mergulho psicológico no enigma.  No aspecto teórico entendemos perfeitamente o problema do ser, do destino e da dor. Mas isso ainda deixa um vácuo, uma sensação de vazio de compreensão emocional.

A verdadeira inteligência não é o raciocínio, mas a capacidade de fazer escolhas. Muitas vezes pessoas pouco inteligentes do ponto de vista racional fazem escolhas certas usando a intuição. Já algumas pessoas tidas como inteligentes freqüentemente desprezam a intuição, usam a razão acreditando estarem seguros em suas decisões para mergulharem em grandes fracassos. Pior ainda, não aceitam as conseqüências de suas decisões e agravam ainda mais os efeitos das suas ações.  A arte da escolha, talvez  seja esse o segredo do livre-arbítrio, das suas possibilidades e dos seus limites.

Portanto, a evolução espiritual do ser humano é impulsionada pelo livre-arbítrio, cuja regra universal é “A Semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória”.

Durante a nossa evolução em mundos inferiores a maioria das nossas experiências se realiza no campo do mal e da imperfeição, o que é normal até certo ponto, pois é a fase  de defesa e sobrevivência no meio hostil. O Bem e a perfeição aparecem lentamente, quando passamos a ter percepção de nós mesmos, como ser semelhante ao outro. O limite do livre-arbítrio é a nossa capacidade de distinguir o Bem e o mal. Quando ultrapassamos esse limite esbarramos na lei de causa e efeito (ação e reação) e temos que assumir responsabilidades pelos nossos atos.

As responsabilidades e os choques de retorno geralmente nos levam a duas atitudes e caminhos: estagnação, pelo orgulho ferido e a revolta; e o progresso, pela humildade e a resignação.

Segundo as escolas espiritualistas clássicas a predominância do mal em nosso planeta é devido à concentração de seres rebeldes e reincidentes no erro, a maioria em situação de provas e expiações. As ações maléficas de alta destruição acontecem  pela afinidade e conúbio psíquico de seres muito inteligentes, porém, sóciopatas, de sentimentos doentes, que não aceitam seus choques de retorno e não se conformam como fracasso de suas provas e revoltados com as expiações que sofrem na Terra. Disso surgiu provavelmente o mito de Satã (anjos caídos). Mesmo assim, no plano coletivo, essas ações são úteis no despertamento para o Bem e para a regeneração, através dos resgates de dívidas cármicas.

O ódio e a revolta são as principais marcas do mal, que em mundos como a Terra torna-se ideologia de grupos organizados em atividade criminosas e que fazem da vingança uma lei, pela violência e brutalidade. Para neutralizar essa força maléfica não podemos jamais agir dentro do seu campo de ação e sempre fugir de ações de conivência direta ou indireta com essas atividades, com exemplificaram Jesus em sua época  e o Mahatma Gandhi nos tempos modernos. Deve-se sempre agir no oposto, no Amor, que é a Lei universal mais ampla e superior.

Mas quase sempre temos a falsa impressão de que a Lei do Amor é utópica, ainda muito distante nós, por causa dos nossos hábitos e instintos animais. Todos esses conceitos superiores logo caem por terra quando caímos nas contradições do dia-a-dia, típicas das nossas imperfeições. Daí vem a descrença e a desconfiança na nossa capacidade de mudar a realidade interior e o mundo que nos cerca. Por isso é necessário persistir para aprender a humildade, a mansuetude e o perdão, que são os caminhos mais acessíveis para praticarmos o Amor. A humildade é a ciência da confiança no tempo e na Justiça Divina; é saber esperar o momento certo, em atitude de resignação. Não se trata de conformismo, covardia ou burrice, mas da sabedoria em recuar com um passo para traz e depois dar muitos passos para frente. Na vida selvagem encontramos exempl os belíssimos de humildade e sabedoria quando pequenos animais se humilham, simulando estarem mortos, para desarmar os mais fortes que os perseguem. Todos que já passaram por essas experiências na vida humana afirmam que a mansuetude é o gesto humilde e também inteligente de desarmar a agressividade do outro. É o momento crítico em que, por exemplo, um homem tem que se tornar mulher, pois esta é uma inteligência típica do sexo feminino. Como já foi ensinado por um sábio espiritual: “A obediência é o consentimento da razão, a resignação é o consentimento do coração”.  Para as pessoas experientes nesse terreno o perdão é capacidade de esquecer as coisas más que nos atingem, até que possamos entender o que realmente está acontecendo, bem como as razões de quem praticou esse mal. Quem não esquece o mal não consegue perdoar nem progredir. Muitas vezes as pessoas que nos fizeram mal mudam e nós não mudamos, persistindo na idéia ódio e vinga nça. Não podemos ficar  estáticos achando que o tempo congelou para satisfazer os nossos caprichos.  Podemos ficar estacionados por algum tempo, em compasso de espera, mas sempre almejando e planejando alguma mudança no futuro.

9. O Ser e o Tempo

“Mas de onde se origina ele? Por onde e para onde passa quando se mede? De onde se origina ele senão do futuro? Por onde caminha senão pelo presente? Para onde se dirige senão para o passado? Portanto, nasce naquilo que ainda não existe, atravessando aquilo que carece de dimensão para ir para aquilo que já não existe” – Santo Agostinho

A Natureza  possui como marca essencial os seus ritmos, que dão vida aos fenômenos  e significado para eventos. É assim que as coisas acontecem, cada qual a seu modo e com suas características próprias: na pulsação cósmica, nas estações, períodos climáticos, nas marés, nos ventos, nas perturbações telúricas, fisiológicas e sociais, nos ciclos de reprodução, migrações, etc. No aspecto humano, os ritmos tomam significados mais complexos , como os ciclos biológicos e psíquicos. Na maioria desses ritmos encontramos a presença inexorável e enigmática do tempo.

Somente os seres humanos mais evoluídos possuem a faculdade da consciência, isto a percepção de si mesmos e da realidade em que vivem. Isso acontece quando, através das inteligências, superamos os instintos e passamos a agir na solução de problemas fazendo escolhas. Sabemos que existimos e que somos parte de um sistema de vida social de muitas articulações, fazendo com que a nossa percepção e atuação sejam sempre em dois aspectos distintos: o individual, o nosso EU e a nossa personalidade; e o coletivo, que é a nossa identidade social, na família e na sociedade.

A consciência é, portanto, um fenômeno histórico, pois é a soma desse dois aspectos da percepção da realidade, o individual e o coletivo, e se amplia na medida em que o ser amadurece pelas experiências. Ao fazer essa relação de si mesmo com o mundo ao seu redor, o ser percebe o funcionamento das coisas e da sua própria constituição orgânica e psíquica. Isso acontece através da percepção do outro e do tempo ou duração das coisas. Tudo passa por um processo histórico, de causas e efeitos, e  tem um tempo a ser equacionado, um início, um meio e um fim. Os animais só percebem o tempo através de coisas concretas, como os fenômenos físicos naturais: clima, o dia e noite, as luas, as estações do ano, etc. Já o ser humano vai além disso e passa a observar o tempo de forma ab strata, matematicamente, vendo inclusive a possibilidade de interferir, não na duração, mas na distribuição da sua utilidade, de acordo com a suas necessidades. Assim como há a possibilidade de intervir na Natureza, em função da produção de recursos, por exemplo, é possível fazer o mesmo com o tempo, transformando o tempo integral em períodos específicos fragmentados: tempo pessoal e tempo social : trabalho, repouso, lazer, obrigações sociais, voluntariado, etc. Tudo isso é o tempo absoluto, o todo, e também o tempo relativo, em partes, dependendo de quem e como observa; é ainda o tempo histórico, ou seja, a relação que fazemos entre o presente, o passado e o futuro. O inverso de tudo isso é a alienação, que é a condição natural dos animais irracionais, e também a recusa que muitas vezes fazemos em tomar ciência das coisas que estão acontecendo. Quando fazemos essa escolha de ignorar os fatos, estamos provocando voluntariamente a nossa alienação, o que é de certa forma uma violação da consciência. Temos a liberdade de agir dessa forma, mas pagamos um alto preço por essas decisões, pois toda ação tem uma reação correspondente, em todos os planos da vida, incluindo na vida psíquica. Isso significa que tudo é possível, mas tudo tem uma conseqüência inevitável. É por isso que a alienação deliberada é uma violência, uma espécie de suicídio da consciência, um crime contra a Natureza e a Criação Divina. Essa é a causa dos sofrimentos humanos, quase sempre gerados pelas tentativas vãs de burlarmos a realidade ou fugir de nós mesmos. Não é coincidência ou por “imperfeição da matéria” que vemos  ao nosso redor milhares de seres alienados mentalmente, loucos e impedidos de liberdade de ação e raciocínio. Geralmente, nesses casos, os acidentes da Natureza são precedidos de incidentes provocados pela imaturidade humana.

Quase sempre o despertar da consciência é doloroso, sendo raros os casos em que o ser o faz espontaneamente. Isso também nos leva a refletir por que essas primeiras lições ocorrem em mundos imperfeitos e geralmente sob circunstâncias contraditórias. A transição entre o Instinto e a Consciência é que marca essas experiências recheadas de tensões e sofrimentos. Temos necessidades fundamentais[12] e que precisam ser satisfeitas em nossos campos de percepção (psicológicas) e de atuação (biológicas e sociais): aliment ação, sono, sexo, contato físico, amor, aceitação, afeição, independência, status, realização, prestígio, reconhecimento social. Tais necessidades geram uma tensão permanente, causada pela busca de alívio e finalmente a realização. Se o alívio não for possível, nos frustramos. Exatamente por termos a liberdade de escolher, e também de abusar da escolha, nas circunstâncias em nos que sentimos ameaçados na satisfação das nossas necessidades, lançamos mão do recurso das fugas e partimos para os ataques em diversos graus de comprometimento, desde os pequenos deslizes até os erros mais graves e de conseqüências drásticas. A fuga é uma opção e não uma regra, mesmo porque muitas fugas são atitudes que agravam os efeitos dos erros cometidos anteriormente. Em muitas ocasiões as fugas funcionam como alternativas temporárias, até que tenhamos maturidade para enfrentar a situação. Mas elas não podem persistir como situação permanente, pois isso afeta o processo natural de evolução do ser. Uma analogia bem simples  para entender isso são os objetos que são introduzidos por acidente ou são implantados num corpo com a intenção de corrigir uma falha orgânica. É uma alternativa possível, mas, por serem estranhos ao conjunto, podem naturalmente ser rejeitados e repelidos. Assim também são as fugas que, numa determinada altura, já não são mais aceitas, pois atingiram o limite imposto pela Evolução. Se houver persistência, o ser é envolvido em situações fora do seu controle, caracterizando até um certo determinismo, forçando-o a atuar de forma consciente diante dos problemas.  Isto é a expiação, o que vulgarmente se chama  de “armadilhas do destino”.

Mas o despertar da consciência ocorre somente quando começamos a dialogar com o nosso “Eu”. Esse diálogo é como entrar pela primeira vez, sozinho, numa caverna escura. Para vencer o medo da escuridão temos que adquirir confiança em nós mesmos e procurar um “EU” até então desconhecido que vivia apartado da nossa realidade. Iniciamos o diálogo com perguntas de auto-reconhecimento – Quem sou Eu? De onde vim? Para onde vou? – e que são as chaves que abrem as primeiras portas da consciência, as primeiras que conseguimos visualizar, pois muitas outras ainda permanecerão ocultas e fora da nossa percepção comum. As demais portas somente serão abertas na medida em que formos compreendendo algumas verdades. A Verdade é uma só, integral, mas para os seres humanos ela ainda é parcial, fragmentada em pequenas verdades. Deu s  é uma Verdade integral da qual temos apenas noções e intuições, uma realidade que ainda não temos capacidade de compreender em sua totalidade. Nossa relação com a Natureza e com o Universo é semelhante: só entendemos na medida que a informações encontram um eco, o momento propício para serem reveladas, como se fosse um parto de compreensão. O momento propício é a nossa maturidade intelectual e emocional. Então, a busca de Verdade  é uma forma de desenvolvimento da consciência, que acontece quando entramos num processo de conflito entre o EU exterior e o EU interior. Ora estamos voltados para as coisas do mundo interior, ora para as coisas do exterior, numa luta dialética constante na qual, em alguns momentos, encontramos pontos de equilíbrio. Nesses pontos é que ocorrem as revelações. As revelações não são a causa das mudanças que se operam em nós, mas alavancas que concretizam uma transforma ção que já havia sido iniciada antes. Esse é o motivo pelo qual, muitas pessoas, mesmo tendo contato direto com os fenômenos, não são afetadas pelas revelações. São frutos ainda verdes e insensíveis. Outros já um pouco mais interessados, mas ainda imaturos, quando sofrem um amadurecimento forçado, se mostram aparentemente transformados e preparados para satisfazer o apetite da Verdade, mas, por dentro, conservam-se sem o sabor essencial. Mas revelação não ocorre somente no campo religioso; ela é, antes de tudo, filosófica e também científica.  A revelação mística que transformou o jovem o príncipe Sidarta Gautama num velho Budha é a mesma que transformou o jovem Newton num ícone da Física moderna. Einstein deixou um testemunho escrito de que sua teoria da relatividade e compreensão da mecânica do Universo foi produto de um sonho, sonho que segundo ele foi tão real quanto estar participando de um filme simultaneamente como ator e espectador .

10. O Bem e o Mal

“O mal não merece comentário em tempo algum” . Esse conhecido tema de reflexão é repleto de verdade, mas quando  repercute em nosso íntimo geralmente encontra pouco eco, pois a nossa realidade cotidiana ainda é muito influenciada pela negatividade. O mal existe de forma intensa em nosso meio, predomina em nosso psiquismo e conseqüentemente retorna para o ambiente em que vivemos. O círculo é vicioso.  A causa principal dessa tendência é a ignorância das leis universais e o materialismo, ou seja, a negação imortalidade e da vida espiritual futura. Esse bloqueio do ponto de vista espiritual impede o entendimento da diferença entre existir e viver e restringe a perspectiva humana aos seus limites objetivos e biológicos. A negação da vivência psicológica e da subjetividade espiritual enfatiza o mal na sua experiência, dando a impressão inversa de que o Bem é uma utopia, muitas vezes fora de cogitação. É desse desvio do ponto de vista que surgem conceitos como “os fins justificam os meios”.  Somente a maturidade espiritual, adquirida pelas múltiplas existências, mesmo que o indivíduo não acredite nessa possibilidade de renascimento carnal, é que desperta o senso de justiça e a substituição gradual do mal pelo Bem. Essa substituição acontece silenciosamente nos bastidores da consciência individual, nas inúmeras experiências, simples ou marcantes, negativas ou positivas, nas quais o ser adquire novas formas de pensamento, de sentimentos e de atitudes. O livre arbítrio passa a ser utilizado com maior grau de responsabilidade e as pessoas começam a perceber que trazem consigo não somente o instinto de sobrevivênc ia biológica, mas um algo mais, uma equação existencial para ser solucionada num curto espaço de tempo. Uma existência de apenas 70 anos deixa de ser uma simples fonte de satisfação de prazeres da carne e dos vícios mentais e torna-se um veículo de realizações para despertar de novos desafios íntimos. Uma enorme sensação de insatisfação passa a ocupar o mundo íntimo dessas pessoas e suas cogitações sobre o tempo e as conquistas mudam totalmente de rumo, caso elas decidam realmente mergulhar em i próprias. Do contrário, frustram-se.

Então, o que fazer para evitar essa predisposição que temos em valorizar mais as coisas negativas do que as positivas? Como mudar essa crença de que o mal é sempre mais forte do que o bem? Estaríamos sendo incoerentes e hipócritas, num mundo hostil como a Terra, ao negarmos o mal e cultivarmos poeticamente o bem?

É senso comum, entre os espiritualistas, que nosso planeta  é um típico mundo de expiações e provas, onde predomina o mal. Estamos numa fase de transição para uma categoria supero, de regeneração, ou seja, o mal ainda existirá por algum tempo, mas não será mais predominante.   Os renascimentos traumáticos e as existências tumultuadas ainda serão comuns, mas diminuirão na medida que haja uma expansão do conhecimento superior e da consciência espiritualizada. O mal ainda predomina.  Tudo bem! Mas também existe a possibilidade de se praticar o bem. Aliás, este é o real significado da categoria do nosso planeta, isto é, um campo de provas, de experiências, de tentativas, portanto de inúmeras possibilidade de se realizar o Bem. Fazer o bem em mundos superiores é fácil e até redundante; pode até ter valor como aprendizagem, mas não mais como fator evolutivo essencial. Nesses lugares se faz o bem por espontaneidade e não por necessidade de recuperar o tempo perdido ou pelo resgate de faltas. Essa possibilidade de fazer o bem num campo onde predomina o mal é uma prerrogativa do livre-arbítrio; ele é o recurso natural no qual o Ser realiza escolhas e toma decisões nas situações de prova, quase sempre contraditórias e confusas. Isso faz parte do jogo evolutivo. Como dizia o filósofo estóico Epicteto, ninguém progride sem demonstrar equilíbrio diante das coisas contraditórias. É nas situações confusas e desesperadoras que a mente humana adquire experiência real, supera limites, fica mais inteligente e finalmente se transforma no reduto de poderosas forças morais.

Portanto, no planeta Terra, o Bem não é apenas poesia ou ficção. Ele é uma realidade que está ligada às forças naturais de transformação que impulsionam os seres e as coisas rumo à perfeição. Já o mal é uma possibilidade momentânea de estagnação, pelas forças retrógradas, que trabalham em sentido contrário, mas sempre funcionando como suporte secundário de leis superiores. Por isso se diz que Deus escreve certo por linhas tortas. Sendo uma força de transformação, a prática do Bem gera mudanças em nosso mundo interior e no ambiente em que vivemos. Quando não conseguimos essa mudança de forma imediata, ainda assim entramos em processo íntimo de mudança, de ampliação do grau de consciência, mesmo porque o mal sempre nos causa uma incômoda dinâmica de insatisfação e infelicidade. Mesmo aqueles seres maus e intransigentes são marcados p or essa insatisfação, feridos pelo espinho constante da consciência. Esse também é o motivo provável pelo qual muitas pessoas boas, inteligentes, cheias de vida e de futuro promissor, morrem ainda jovens e repentinamente. Muitos desses casos são pessoas que passam por experiências íntimas imperceptíveis aos olhos alheios e que atingem um grau de transformação suficiente numa existência, não necessitando mais conviver em ambientes atrasados e maléficos, a não ser que queiram, por questões pessoais ou de auxílio ao próximo.

Estando infelizes e insatisfeitos, geralmente procuramos uma mudança que possa alterar esse estado desagradável e que nos causa sentimentos negativos. Não estando conscientes dessa situação de mudança íntima, cedemos aos impulsos inferiores: pensamentos negativos, comentários maldosos, inveja, auto-destruição, etc, com se fosse um prazer emocional que nos faz suportar as situações difíceis. Mas é um prazer egoísta e solitário, que engana e agrava os sentimentos e emoções e só faz aumentar a insatisfação e sofrimento por estarmos numa condição espiritual inferior. Daí vem o pessimismo, a descrença no Bem e a supervalorização do mal. Na maioria das vezes só conseguimos reverter positivamente essa situação quando sofremos e derramamos lágrimas de reflexão. Afirmam os sábios que é preciso saber chorar e tirar proveito reflexivo das lág rimas. Assim evoluímos.  Do contrário, o que sobra depois delas é o desencanto, a revolta, a sensação de impotência, fracasso e a estagnação. Aqui também, geralmente, se forma um círculo vicioso.

11. A Vida e as Existências

“Aqui repousa, entregue aos vermes, o corpo de Benjamin  Franklin, impressor, como a capa de um velho livro cujas folhas foram arrancadas, e cujo título e douração, apagados. Mas por isso o obra não ficará perdida, pois reaparecerá, como ele acreditava, em nova e melhor edição, revista e corrigida pelo autor”.  Epitáfio gravado no túmulo, escrito pelo próprio Franklin.

A Humanidade  vem se transformando desde os primórdios da pré-História, quando fomos adquirindo, gradualmente, os caracteres que nos diferencia das raças primatas que deram origem à espécie humana em nosso planeta.  E continua em franca transformação.  Estamos vivendo uma época de crises e  mudanças rápidas em todos os setores sociais.  Nunca a História registrou tantas descobertas tecnológicas, tantas modificações de crenças e hábitos, tudo acontecendo em períodos de tempo tão curtos, como as que vem ocorrendo nas últimas décadas. O Século XX  passou rapidamente sob os nossos olhares e tal foi a velocidade das mudanças que nele ocorreram que ainda não demos conta de que  a maioria nós nasceu e viveu no intervalo de tempo secular mais curto já ocorrido na cultura ocidental. E não foi apenas uma simples impressão de quem viveu num momento de transição, como nos séculos anteriores. Na verdade, todos sentimos que o tempo veio se acelerando numa velocidade espiral, provocando o desencadeamento de uma sucessão de rápidos acontecimentos. A sensação geral é a de que nossos corpos foram envelhecendo, enquanto a consciência permanecia estática e pasma, observando como as coisas surgiam e desapareciam.

Este é o choque existencial de todos aqueles que cultuam a idéia da Imortalidade e sofrem as imposições do tempo biológico, que se esvai indiferente pelas veredas dos dias e das horas aparentemente perdidas. Mas o que realmente vem mudando, a Vida ou as nossas existências?  Ao que tudo indica, o ser humano ainda não adquiriu  maturidade suficiente para compreender a Vida e por isso treina essa compreensão através das múltiplas existências. Quando observamos a Vida o fazemos sempre de maneira deformada, fragmentada pelas limitações dos nossos cinco sentidos. A Vida e a Verdade são coisas idênticas, mas ainda não conseguimos  superar a observação dos aspectos parciais dos nossos interesses particulare s. Para a maioria dos seres humanos a Vida não passa de uma diversidade de  pontos de vista e estamos bem distante daquilo que se chama de realidade total e integral. Para compreendermos a Verdade total usamos a ferramenta do ponto de vista; para a Vida, usamos as experiências existenciais, sejam de curto prazo, através de fatos cotidianos, sejam através de prazos mais longos como as existências programadas. As mudanças de ponto de vista serão constantes, até que cesse a relatividade da nossa compreensão das coisas; as existências também se sucedem até que não haja mais necessidade de repetir experiências pelas quais já assimilamos sua essência.  Todo mundo tem um problema existencial de referência principal para ser equacionado e cuja chave de resolução só pode ser aplicada numa experiência real, chocante, impactante. Quando passamos por experiências desse tipo ficamos profundamente traumatizado s, tal é a carga de realidade que ela provoca em nosso mundo íntimo. Daí dá para entender porque ainda não temos maturidade intelectual e emocional para suportar toda a carga de realismo que caracteriza a Vida e a Verdade. Se em pequenas situações realistas sofremos abalos dolorosos, imagine se fôssemos mergulhados integralmente na Realidade Total. Seria um desastre colossal, talvez uma segunda morte.

Uma outra idéia que ajuda a compreender melhor essa diferença entre “existir e viver” é a concepção que temos de felicidade. Dos momentos felizes que experimentamos nas existências tiramos nossos pontos de vista sobre a felicidade. Se pudéssemos mergulhar na felicidade integral também sofreríamos um impacto inimaginável, uma situação de êxtase que para nós seria traumático e ao mesmo tempo desolador. Se fôssemos lançados num mundo[13] feliz nos sentiríamos como peixes fora da água t entando respirar num ambiente que os nossos sentidos não conseguem assimilar.

A Verdade, a Vida e a Felicidade, são estados de espírito que exigem uma grande soma de experiências em todos os sentidos, sendo necessário que haja muitos pré-requisitos para que as coisas sejam integralmente compreendidas. É impossível atingirmos a Verdade se possuímos alguma deficiência de conhecimento racional e emocional; é impossível atingir a Felicidade se ainda carregamos deficiências nos sentimentos e emoções; impossível, portanto, compreender a Vida se não conseguimos assimilar a lógica e a funcionalidade das pequenas engrenagens e tramas  das nossas existências. Como compreender a Vida se não compreendemos que a morte é uma transformação, se não assimilamos o que é a Imortalidade?  Como compreender a Verdade se ainda não nos sentim os à vontade para encarar situações verdadeiras que nos deixam atordoados, sobretudo àquelas que se referem a nós mesmos? Como compreender a Felicidade se ainda temos dificuldade de aceitar a felicidade alheia e de partilhar a nossa com os outros?

Realmente, a Vida é única e imutável; existe desde sempre, como Deus. O que muda é o viver e o existir, atributo dado pelo Criador às suas criaturas para que um dia elas se reintegrem definitivamente na harmonia do Universo e da Criação.  Parafraseando Edgard Armond, um sábio instrutor espiritual contemporâneo, “Não vivemos para solucionar os problemas do Universo, porque estes já estão solucionados desde sempre por Deus. Nosso problema é a questão evolutiva, o desenvolvimento do eu individual.”

Sendo uma só e sem interrupções, a Vida funciona sem as limitações do tempo, num plano absoluto da Criação, que é o Eterno, o que sempre foi e sempre será. É o mundo das causas, no plano Absoluto ou Divino da Criação. Já as existências, como as criaturas, são múltiplas e por isso sua experiências são constantemente delimitadas e reguladas pelo tempo, num plano relativo da Criação, que é o efêmero, o começo, o meio e o fim; nascimento, vida e morte. É o mundo dos efeitos, no plano relativo da manifestação. Seja nos mundos espirituais ou nos mundos materiais, cuja pluralidade cósmica é visível aos olhos nus, estamos sempre existindo, nascendo, morrendo e renascendo para a Vida Eterna, num constante movimento de descobertas e realizações. Portanto, não é somente o corpo que morre  e volta na condição de energia para o fluido universal do qual foi extraído. O Ser, de certa forma, também sofre a transformação da morte e renasce na sua própria natureza interior, para que aprenda a reconhecer em si a próprio a Imortalidade da qual é dotado. Por isso renascemos da carne e do Espírito, como disse Jesus no seu misterioso e inesquecível encontro como sacerdote fariseu Nicodemos.

A principal marca existencial da espécie humana sempre foi a busca da auto-realização, de soluções para as nossas constantes crises vivenciais. Somos essencialmente insatisfeitos porque ainda estamos em processo de formação espiritual. Ainda não temos consciência plena do significado da Vida e das nossas existências. A maioria dos seres humanos ainda caminha em torno de um abismo, o nosso Ego, que nos impede de saltar dos limites das nossas existências para o terreno ilimitado da Vida. O abismo é tremendamente assustador e sua escuridão representa para uns o infinito, para outros, simplesmente, o nada e o fim.  Por isso permanecemos divididos entre o ser e o não ser, uma dúvida também gerada pelo Ego e que sempre nos convida a recuar para o conforto do cordão umbilical. Temos medo de p erder a individualidade que adquirimos recentemente, semelhante a uma criança que se apega egoisticamente a um brinquedo. Quando vislumbramos por alguns instantes as possibilidades do Infinito e do Eterno[14], logo perguntamos se vamos continuar sendo aquilo que somos hoje. Assim como tudo que é material se dissolve no oceano universal de átomos, elétrons e neutrons, por acaso os seres também não serão dissolvidos no oceano da consciência divina?  Diante da dúvida do ser e do não ser, de dar um passo para o incerto, de corrermos o risco, quase sempre nos voltamos para o aspecto mais instintivo do nosso “Eu”  e ali permanecemos isolados, numa espécie de autismo espiritual. Passar da existência para a Vida é saltar por cima desse abismo com a total confiança de que vamos encontrar aquilo que procuramos; é correr o risco de saltar no escuro. Nesse momento ninguém pode fazer nada por nós, pois esta é uma experiência exclusiva que coloca em prova a nossa individualidade diante da Criação. É nesse salto no escuro, do tudo ou nada, que descobriremos se Deus existe ou não existe, se somos ou não somos. São as eternas escolhas e conseqüentes decisões que sempre temos de tomar por conta própria.

A nossa trajetória tem sido também a da transformação individual e  adaptação no espaço e no tempo, impulsionados por uma Lei maior que nos direciona ao encontro do Criador de nossas vidas. Esse percurso existencial, de auto-reconhecimento, se inicia nos Reinos Naturais dos planos densos da matéria e continua nos planos das energias sutis, em condições que ainda desconhecemos, mas que deduzimos ser um efeito espiritual das experiências que realizamos hoje e no passado.  Nessa longa jornada, a espécie humana se posiciona fisiologicamente como o meio, uma transição entre a condição animal e o Espírito, que é o fim.  O gênero humano seria então uma condição mutante entre os planos material e o espiritu al, evoluindo gradualmente em várias etapas de aprendizagem, desde os primeiros lampejos da razão até o domínio completo das suas mais sofisticadas potencialidades. Em cada uma dessas fases desenvolvemos um modelo humano ideal a ser atingido, mas continuamos essencialmente incompletos e insatisfeitos, sempre à procura da plenitude da vida e da felicidade.  Este percurso de incontáveis milênios representa o admirável processo de verticalização do corpo existencial (o físico e o espiritual), que é a consciência, uma transição das nossas experiências no mundo exterior dos reinos elementais da matéria densa, para o mundo interior do Reino de Deus, do Espírito. Nossa evolução espiritual vem acontecendo de maneira simultânea à espécie orgânica humana que nos abriga, até que ocorra a sua futura superação. Assim como superamos os nossos ancestrais símios, fomos também precedidos por inúmeras experiências orgânicas, permitidas pela combinação s etenária dos quatro elementos (terra, ar, água e fogo) com os três reinos  (vegetal, mineral, e animal).

Semelhante ao processo de gestação humana, de apenas alguns meses, em nossa gestação anímica, de milhões de anos, dormimos no Reino Mineral, sonhamos no Reino Vegetal e finalmente acordamos no Reino Animal. O despertar desse longo sono acontece exatamente quando nos tornamos humanos, o último elo que nos liga ao reino materiais. Isso vem acontecendo através de sucessivas crises, causando a transformação,  muitas vezes violenta, do nosso universo interior e que nos planos físicos se manifestam através de dores e choques das mais diversas formas de vicissitudes.

Ao adquirirmos os cinco sentidos básicos do mundo material (tato, olfato, paladar, visão e audição) sabemos que ainda nos falta algo mais, o sexto e sétimo sentidos, que é o elo de ligação com o mundo espiritual.  Simultaneamente, ao desenvolvermos as cinco inteligências básicas (cinestésico-corporal, espacial, lógico-matemática, verbal e musical), para solucionar problemas do mundo exterior, também sabemos que nos falta um complemento que integra todas elas e que nos torna mais aptos a compreender e solucionar os problemas do mundo interior. Daí a nossa busca atual pelo aperfeiçoamento das duas inteligências pessoais: a Interpessoal, que substitui a competição e estimula a cooperação e a harmonia com os outros seres; e a Intrapessoal, que elimina as reações defensivas da luta da persona lidade com a individualidade, promovendo a harmonia do “Eu real” com o “Eu ideal”.   Neste mesmo processo, as três vivências básicas da nossa mente ( pensamento, ação e sentimento), antes isoladas e em conflito entre si , agora se integram no seu funcionamento de experiências práticas com as experiências emocionais e intelectuais.

Para atingirmos esse grau de avanço e complexidade existencial tivemos que passar por inúmeras provas e reprovas que só a pluralidade das existências pode explicar. Foram milênios de luta para superarmos inúmeros obstáculos e acumularmos uma grande soma de conhecimentos.  Que outro sentido teria então a recomendação do “Sede perfeitos” ?  Poderíamos atingir a perfeição existindo uma só vez?

O Teatro do Ir e Vir

Numa visão mais ampla da Vida, podemos definir a trajetória humana como a caminhada do Homem em busca de si mesmo, num processo de aprendizagem para reverter o olhar direcionado para o mundo exterior, das aparências, e redirecioná-lo para o mundo interior, real,  do “Conhece-te a ti mesmo”. Olhar para si mesmo pode parecer apenas uma fórmula filosófica, mas não é uma tarefa simples e mecânica.  Para nós que ainda estamos mergulhados na infância espiritual, o mundo interno é um universo desconhecido e extremamente ameaçador. Trata-se de um território de aridez subjetiva onde enxergamos somente os incômodos problemas existenciais, que terão que ser solucionados, mais cedo ou mais tarde: os medos, as dúvidas, as incertezas, os traumas.  Tudo aquilo do qual sempre estamos fugindo ou sabemos que certamente teremos de enfrentar um dia, fica escondido em nosso mundo interno a espera de  atitudes e de decisões. Para suportar essa situação de impasse, quase sempre usamos máscaras e simulações que nos protegem das situações constrangedoras que geralmente revelam o que somos na realidade. Daí o motivo pelo qual quase sempre estamos com os interesses voltados para o mundo exterior, dos fenômenos e das sensações, que é o palco da nossa atuação parcial, portanto teatral da Vida. Se esse interesse pelo mundo exterior é o nosso vício, a nossa doença existencial, ele também é a nossa possibilidade de cura. É do veneno que se extrai o seu antídoto. É no mundo exterior que nos iludimos com as máscaras, mas também podemos interpretar com seriedade os mais variados papéis, treinando para a realidade total que ainda não temos coragem de enfren tar. Essa é a grande lição da Natureza, a qual não se pode enganar por muito tempo.  Nas nossas farsantes encenações fugimos aqui, cortamos caminho ali, mas acolá ela nos cerca e cobra o que lhe é de direito.  Cada existência é um auto-espetáculo no qual encarnamos um personagem que traz sempre na sua bagagem o conjunto de provas a que deve ser submetido; em cada ato, o personagem que escolhemos é testado no campo das competências, geralmente motivado por algum dano factual, sofrido numa circunstância aparentemente casual. O dono é a peça fundamental para que ingressemos da trama na qual estaremos inevitavelmente envolvidos; é a gota d’água.

É assim que, no enredo central das nossas existências, manifesta-se como característica marcante das nossas histórias pessoais a Lei da Polaridade. Ela é o principal agente regulador do equilíbrio da Vida e que, em nosso caso, dá o tom no qual teremos que nos harmonizar na prova existencial: a riqueza ou a pobreza, poder ou submissão, destaque ou o anonimato, saúde ou doença, alegria e tristeza, medo e coragem, amor e ódio, dinâmica ou tédio. Tudo isto compõe o interessante e progressivo jogo de circunstâncias entre a realização e frustração.  Nesse jogo natural da transformação dolorosa dos pontos fracos em pontos fortes, no qual atualmente entramos pela livre escolha, existe um limite de memória, imp osto pelo esquecimento provisório.  A consciência da memória objetiva é suspensa para a realização do teste de atuação. Não foi por acaso que os gregos associaram essas realidades com a arte teatral e à sua riquíssima mitologia. Os teóricos da literatura também nunca deixaram de observar em seus estudos como os dramaturgos e comediantes combinam os elementos de suas tramas estabelecem o enredo de suas obras. Antes de entrarmos em cena escolhemos as provas a que seremos submetidos, porém somos avisados de que, ao adentrarmos no palco, não mais lembraremos objetivamente dessas escolhas feitas fora da situação de teste, sobretudo o dano factual que vamos sofrer, e que tais provas só terão validade no próprio campo de atuação. Essa é a regra básica do jogo. O palco ou campo de prova possui toda uma fenomenologia cenográfica composta de imagens aparentes, entrelaçadas pelas tramas do enredo da peça na qual ingressamos e na qual outros atores também estarão atuando em seus respectivos personagens. Para compreender a Vida na sua dimensão integral, os seres devem interagir entre si nas existências, para que ocorra uma soma de impressões parciais ou fragmentos de verdades de cada um rumo à compreensão total e única da Verdade.   Nos cenários compostos de aparências e tramas situacionais, predomina sempre a idéia de Ilusão, pela qual somos constantemente envolvidos  e seduzidos. A sedução, a mesma que atrai a abelha para a magia das cores e o perfume da flor, é sempre útil e necessária como perpetuação das oportunidades e ferramenta de avaliação educativa. Ela se apresenta em várias situações de teste nas quais temos que remover os obstáculos do percurso, tramas dos atos, até chegarmos no epílogo do drama ou da comédia que pedimos para atuar. É no epílogo que realizamos as escolhas essenciais, que serão computadas em nosso destino.  Se superarmos os obstáculos, cuja tentação ilusória sempre se apresenta como uma possibilidade de fuga, seja pelo prazer ou pela busca de alívio de um sofrimento insuportável, ganhamos em nossa consciência valiosos aplausos ou pontos na experiência da vida, créditos indispensáveis na lenta composição da nossa felicidade.  Se fracassarmos, sentimos de imediato o choque da Desilusão, um retorno ou efeito natural dos impulsos precipitados nos excessos cometidos durante a interpretação do papel.  Mas a peça continua, pois as cenas vão se desenrolando, e novos atores vão ingressando em novos atos existenciais. O que acaba é a nossa atuação num determinado ato, cujo tempo fora previamente estabelecido. Ficamos temporariamente de fora, nos bastidores, em planos de espera, analisando o que foi feito, de bom ou de ruim, e também planejando como poderemos reentrar em cena para corrigir as falhas de interpretação cometidas nos atos passados. E, assim que observamos alguma situação favorável, solicitamos ao Supremo Roteirista da Vida um novo personagem, dotado de um programa existencial mais adequado aos novos testes, e que será novamente  colocado em cena.

A Descoberta do Reino

Mas qual seria o significado de tudo isso que acabamos de refletir sobre as existências, a Vida, a Verdade e a Felicidade?  Qual o sentido dessas diferenças, quase imperceptíveis para nós, seres comuns?  Diríamos que  é simplesmente reverter o  nosso olhar do mundo exterior para o mundo interior. E falando assim, grosso modo, tem-se a impressão de que trata-se de uma simples mudança no direcionamento dos nossos interesses e das atitudes, como se isso fosse uma coisa banal e corriqueira. No entanto, o percurso entre a realidade aparente do mundo exterior e a realidade essencial do mundo interior, não acontece no intervalo da noite para o dia. É necessário que uma in finidade de existências se sucedam no tempo biológico para que o ser humano possa realizar a mais importante de todas as descobertas. Esta foi a mais longa das experiências que realizamos, sempre com o impulso da sabedoria e experiência dos grandes Mestres do mundo oculto.

Em todas as etapas da evolução humana, nas épocas cruciais de grandes transformações, surgiram no cenário carnal essas figuras incomuns, atores especiais, interpretando papéis extremamente contraditórios aos olhos da perspectiva mediana. Eles são seres dotados de um conhecimento extraordinário e sempre agem numa direção contrária a da maioria dos atores, que são atraídos  para suas magníficas atuações sobre os problemas do Ser e do Destino. Ao entrarem em cena, logo se destacam como modelos irresistíveis de imitação, já que seus exemplos são sempre representações vivas do tempo futuro, do ser ideal, de como deveríamos ser. Exercem sobre nós um fascínio e um encanto que ultrapassam os limites da perplexidade, no qual somos bruscamente deslocados da cômoda posição de expectadores, sentados espiritualmente, para um incômodo posicionamento, em pé, porém estáticos ou oscilantes, à espera da difícil atitude de dar o primeiro passo na direção que nos apontam. Paralisados pelo medo e pela dúvida, nem sempre confiamos nos convites que eles nos fazem para que os sigamos pelos caminhos misteriosos de um novo “estado de coisas” de que tanto falam. Quando ouvem falar pela primeira vez dessa nova realidade a maioria dos seres humanos logo pensam na morte, a principal preocupação daqueles que ainda são governados pelas sensações do corpo físico. Para quem ainda não distingue o “Eu” dos limites  orgânicos, a morte é única possibilidade de ingressarmos ou sermos recusados no tempo futuro.  Não é por outro motivo que os grandes Mestres do Espírito, ao ensinarem os primeiros segredos do mundo oculto da individualidade, sempre revelam antes a idéia primordial de Imortalidade. Primeiro remove m das nossas mentes o receio da morte do corpo, mostrando que ela é apenas o fim da existência e não da Vida; somente depois de compreendermos essa primeira verdade é que tocam no assunto da “morte” do espírito, que é, na realidade, o autêntico significado da ressurreição da alma. Ao ouvir de Jesus que renascemos da carne e do Espírito, Nicodemos estava sendo duplamente iniciado no conhecimento da Imortalidade da alma, pelo renascimento exterior, em novo corpo, e na imortalidade do Espírito, renascimento interior, pela ressurreição. Ao mergulharmos na carne ingressamos em um novo ato existencial no qual vamos atuar e experimentar as lições vivenciais, pelas provas e expiações. É nessa nova experiência existencial, que pode e deve ser repetida, quantas vezes for necessária, que despertamos ou ressurgimos para a Vida.  O percurso entre uma existência e outra é sempre delimitado pela morte e o conseqüente renascimento; já o percurso entre a perspectiva do mundo exterior para o mundo interior será sempre  uma  crise existencial, que é a morte do Espírito, e a sua conseqüente ressurreição. Essa é a Verdade situada sabiamente por Jesus e por muitos outros mestres entre o Caminho e a Vida.  As existências e renascimentos são os meios naturais para se atingir a finalidade essencial da Vida, que é o estado eterno da ressurreição.  Tudo indica que na caminhada evolutiva os renascimentos cessem à medida que diminui para nós a necessidade de atuações existenciais de aprendizagem. Passamos, então, a perceber melhor a diferença entre a existência e a Vida, o existir e o viver, entre o efêmero e o Eterno. É bem possível que a Ressurreição nunca cesse, num infinito processo de descobertas das maravilhas do Reino, que é Deus, “vind o a nós”, se revelando progressivamente em nosso mundo íntimo.

12. A Evolução Histórica da Consciência

Como vimos, o pecado original que nos acompanha como herança de Adão é o conflito da razão com o instinto,  essa força inspiradora que mais tarde será transformada definitivamente em intuição, o sexto sentido. Como bem observou o filósofo Humberto Hohden*, o homem é o único animal cuja espinha dorsal é natural e permanentemente  vertical, como se a nossa cabeça estivesse sempre voltada para o alto, como uma antena que sintoniza as vibrações dos mundos superiores.  Enquanto os corpos dos animais  irracionais permanecem horizontais,ligados ao mundo físico,  o nosso corpo obedece o impulso da evolução e se levan ta para captar novas experiências de racionalidade e espiritualidade. Esse corpo vertical, que assume a  forma de uma cruz quando abrimos os braços, torna-se o símbolo vivo do sacrifício, da renúncia e do amor ao próximo.

Mas ainda sofremos muito a interferência instintiva, a  busca constante da satisfação das nossas necessidades mais fundamentais. Essa busca, que nos fez caçadores das coisas do mundo físico e material, nos faz agora caçadores de nós mesmos, das coisas do mundo íntimo e espiritual.  Essa é a equação existencial que temos que solucionar para superar o Homem do Passado, que luta para sobreviver em nosso ser, e  continuar a nossa caminhada para deixar nascer em nós o Homem do Futuro.

Mas que homem é esse? Seria um tipo especial e definitivo? Acreditamos que não seja um modelo definitivo, mas um modelo adequado ao nosso tempo histórico. Numa perspectiva antropológica – ou ainda antroposófica[15] – essa transformação da consciência humana. Mostra as etapas evolutivas, em cada qual predominou ou manifestou-se  um protótipo mental característico, e dos quais herdamos as experiências mais significativas que resultaram naquilo que somos hoje e naquilo que podemos ser num futur o não muito distante. Então, do ponto vista antropológico teríamos esses oitos tipos culturais:

  • O Homem Biológico: É o Homo Sapiens Sapiens ou Homem de Cro-Magnon, do período paleolítico, surgido cerca de 35 mil anos A.C.  “Uma era de pequenos grupos esparsos e nômades de hominídeos, vagueando em áreas relativamente extensas, constantemente preocupados em satisfazer a fome”.  É a raça adâmica ( de Adão), que habitas as cavernas,  descobridora do fogo e dos primeiros instrumentos de transformação da natureza. Deu seus primeiros passos no Homo Erectus (500 mil AC), passou pelo Homo Neandertal ou  Sapiens (150 mil AC) até chegar no estágio b iológico atual.
  • O Homem Tribal: Esse Adão era gregário,  sedentário, o descobridor da agricultura e da domesticação de animais e construtor das primeiras aldeias. Era princípio da sociedade organizada (entre 9 e 7 mil  AC).
  • O Homem Anímico: Esse Adão já está  pré-civilizado,ou seja, está entre o mundo das aldeias tribais e as primeiras civilizações do IV milênio AC.  É a chamada proto –história, na qual o homem manifesta sua curiosidade pelo fenômenos naturais e passa a ter com eles um relacionamento místico. Tudo que não pode ser explicado pela razão é da esfera do sobrenatural. O mundo é mágico e o politeísmo religioso e suas magias marcam essa fase anímica.
  • O Homem Teológico:  É o homem das civilizações históricas e teocráticas do Crescente  Fértil : Egito, Palestina e Mesopotâmia ( a partir de 3.500 AC). A crença religiosa passa a ser objeto de dominação política (Estados teocráticos) e o misticismo é formalizado como prática ritual . A magia e o sobrenatural   passam a ser conhecimento de domínio de especialistas ou sacerdotes.
  • O Homem Racional : É a expressão do individualismo greco-romano. Aqui o homem racionaliza todos os seus hábitos pessoais e sociais, inclusive a religião. A mitologia greco-romana é um exemplo dessa tentativa de explicar racionalmente o mundo e seus mistérios através de símbolos e analogias. O homem quer entender como funciona o seu ser e porque somente ele tem consciência de si mesmo. A Filosofia, com Sócrates, Platão e Aristóteles será o resultado mais aperfeiçoado desse esforço.
  • O Homem Metafísico:  Nessa era pré-científica, logo após a Idade Média e do retrocesso ao tempo teológico imposto pela Igreja, o homem  do Renascimento também sente a necessidade de retomar sua trajetória voltando na fase que havia estacionado com a queda de Roma. A razão tomas rumos científicos nos séculos XVI e XVII com Descartes, Newton e Bacon. Pensar é existir e o sentido dessa existência por ser encontrado na experiência empírica, na prática pré-científica.
  • O Homem Positivo: É o homem da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. A prática pré-científica chega à fase científica, onde as experiências podem ser comprovadas pela tecnologia. O Iluminismo filosófico e o  positivismo científico  dão novas direções para a mente humana. É nessa fase que surge os preparativos para a fase que estamos vivendo hoje.
  • O Homem Psicológico: Segundo  Herculano Pires, trata-se de “um ser potencialmente tridimensional, cuja razão se fecha nas categorias decorrentes da experiência sensorial. O Homem-psi  corresponde a um novo conceito de razão e da mente que surge uma nova dimensão com a descoberta da percepção extra-sensorial. Trata-se de uma verdadeira ampliação do conceito do homem, que retorna às dimensões espirituais antigas, enriquecido com as provas científicas, e por isso mesmo liberto da ganga das supertições, do misticismo dogmático e do pensamento mágico”.  Essa fase nasceu da explosão dos fenômenos mediúnicos e com a Codificação do Espirit ismo, em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos. Inaugurava-se a “Era do Espírito” que seria complementada com a revolução psicanalítica de Sigmund Freud, no início do século XX,  até chegar na psicologia humanista de Carl Rogers. A harmonia da mediunidade com a psicologia, entre o fenômeno e o comportamento, a técnica e a atitude, será síntese do Homem do Futuro.

Mas ponto de vista espiritual ou da antroposofia, essas etapas evolutivas seriam marcadas pelos protótipos, cuja influência cultural não se restringe à cultura material , mas também às experiências pré-encarnatórias:

O Primeiro Ser –  BIOLÓGICO

Domínio da inteligência cinestésico-corporal. Predomínio dos instintos e dos desejos. Vive o tempo imediato e presente. Preocupação com a sobrevivência do corpo e busca de entendimento do mundo fenomenal exterior.Religiosidade natural exterior e mágica.

1ª fase do tornar-se Pessoa: Bloqueio e recusa à comunicação. Tendência a alienação.

Reminiscência atual: Por que estou assim?

O Segundo Ser – TEOLÓGICO

Domínio da inteligência espacial e lingüística. Despertar da intuição e das aspirações do tempo futuro. Religiosidade ritualística exterior. Preocupação com a sobrevivência da alma e o medo da morte.

2ª fase: Início da comunicação e do desejo de mudança. Não reconhece os sentimentos e emoções.

Reminiscência: O que estou sentindo?

O Terceiro Ser – RACIONAL

Domínio das inteligências lógico-matemática. A crise existencial e a busca filosófica do sentido existencial exterior. A Razão supera e inibe a emoção. Religiosidade narcísica e antropomórfica.

3ª fase: Aceitação reduzida de sentimentos.

Reminiscência: Qual a origem desse sentimento?

O Quarto Ser –  METAFÍSICO

Domínio da inteligência musical. A percepção da realidade extra-física e do sexto sentido. Crise existencial e a busca da realidade existencial interior. Tendência de equilíbrio razão e emoção. Religiosidade mística e sobrenatural.

4ª fase: Contextualização dos sentimentos. Despertar da consciência integral.

Reminiscência: Que razões me levaram a este estado?

O Quinto Ser – POSITIVO

O domínio da inteligência interpessoal e dos conhecimentos tecno-científico dos fenômenos físicos exteriores. Crise existencial (afirmação e negação da mente) e a busca sistemática de soluções lógicas e psicológicas. Maturação da consciência integral. Conflito interior entre a religiosidade e a racionalidade. Busca de harmonia entre a física e metafísica.

5ª fase: Diálogo mais livre e desbloqueio da comunicação.

Reminiscência: Que conseqüências tais sentimentos estão gerando em mim?

O Sexto Ser –  PSICOLÓGICO

O domínio da inteligência intrapessoal e dos conhecimentos tecno-científicos dos fenômenos metafísicos interiores. Funcionamento da consciência integral e tendência a plenitude existencial. Harmonia entre a física e metafísica. Religiosidade interior voltada para soluções exteriores, solidariedade social.

6ª fase: Aceitação e experimentação mais imediata dos sentimentos.

Reminiscência: Por onde posso começar a mudar a situação?

O SÉTIMO SER –  CÓSMICO E INTEGRAL

Domínio da inteligência e da consciência integral.  A plenitude vivencial. Religiosidade natural interior e mística.

7ª fase: Confiança total na transformação pessoal, disposição espontânea de diálogo e de comunicação. Auto-aceitação.

Reminiscência: Qual é o ponto essencial da mudança?

A verticalização do corpo humano coincide com o despertar das faculdades psíquicas; são elas que permitem ao homem a sintonia com os planos superiores da vida, que lhe dão os rumos de existência. A mediunidade como instrumento e extensão mental, torna-se uma bússola existencial para que o homem aos supere os instintos e domine a intuição. Ela também vai marcar a transição mental do mundo sensorial para o mundo extra-sensorial, do mundo exterior e físico para o mundo interior e espiritual. Como bem definiu Edgard Armond[16], ela quase sempre foi o recurso pelo qual os Espíritos Superiores puderam interferir em nosso planeta para garantir a evolução da sociedade humana. Foi assim que aprendemos a dominar a natureza e seus elementos e tem sido assim até nos mais avançados laboratórios do mundo contemporâneo, onde sempre se realiza o estreito contato entre os gênios desencarnados  inspirando os gênios encarnados nas descobertas fundamentais das ciências e das artes. A mediunidade, embora mal conhecida nos tempos remotos,  não sofreu em si mudanças na sua fenomenologia, manifestou-se no homem da cavernas, nos clãs e tribos da proto história, nos círculos sacerdotais fechados das sociedades teológicas até ser “derramada na carne” das camadas populares, como garantia de uso aberto e de livre acesso ao Mundo Superior. A história da mediunidade é vasta e ficaríamos paginas e páginas citando seus inúmeros  exemplos nos registros de todos os povos, em todos os tempos. Mas não podemos  deixar de concluir é que essa faculdade, tanto na sua manifestação natural como seu caráter de prova, é o instrumento principal de que dispomos para desenvolver as características do Homem do Futuro.  Sendo cada vez mais um tipo de habilidade espiritual, ela é em sim uma forma de inteligência pessoal, as chaves que abrem gradualmente as portas do universo interior.

É fato inegável, estamos passando por uma crise existencial que marca em nós a mudança de percepção do mundo exterior para o mundo interior. O que caracteriza essa crise é essa descoberta, que nos causa um impacto em todo o nosso conjunto vivencial: na mente, no perispírito e também no corpo físico. Nossas percepções, sensações e sentidos físicos sofrem um abalo estrutural no qual estávamos acomodados e passam a exigir de nós uma reestruturação para uma nova acomodação. Já passamos por esse abalo quando, ainda no mundo animal,  descobrimos a razão. Essa descoberta do mundo interno foi sendo feita de maneira gradual e sempre esteve relacionada ao nosso grau de consciência nas vivências do mundo físico e, em muitos casos, ao grau de mediunidade. Esse impacto é também semelhante ao que sofre as crianças quando saem do universo concreto e descobrem o mundo abstrato durante o processo de alfabetização.

Quando sofremos este abalo vivencial na descoberta da razão tivemos que fazer uma troca de valores materiais por valores morais; fomos progredindo lentamente na descoberta desse mundo interno.  Primeiro descobríamos um pedaço de pão e, pela operação instintiva saciamos imediatamente a nossa fome; depois, descobrimos um outro pedaço de pão e, racional e economicamente, o dividimos  em um número de pedaços igual ao número de dias que demoraríamos para encontrar outro pedaço de pão; administraríamos a necessidade de saciar a fome; agora encontramos um pedaço de pão,  olhamos para todos os lados, queremos comê-lo de uma só vez, pensamos em guardar para os próximos dias , mas estamos sendo incomodados por u m novo fator:  a consciência. Com novos e sempre incômodos valores, a consciência nos força a olhar novamente para todos os lados e enxergar que outros seres estão sem o pão. Aí está a crise: comer tudo num dia só, cortar e, ainda sozinho, comer um pedaço a cada dia, ou repartir aquele pedaço com os que não tem nenhum?  Nas duas primeiras opções ainda estamos vendo pela ótica racional do mundo exterior, enquanto que na última já vislumbramos o mundo interior. Repartir o pão com o outro é uma operação que supera a vivência racional e atinge a vivência emocional e interior.

Quando operamos além do instinto e da razão geralmente lidamos com outros instrumentos cognitivos, diferentes do cálculo ou da agilidade física. Passamos usar instrumentos cognitivos  espirituais, inter e intrapessoais. Esses instrumentos  se caracterizam  pelos valores morais, negativos e positivos que aprendemos culturalmente. Com eles estabelecemos julgamentos nos quais usamos como referência, para comparação, outros seres humanos.  Geralmente, nessas operações, quando desprezamos os fatores instintivo e racional, nos colocamos sempre no lugar do outro e tentamos imaginar, em questão de segundos, como reagiríamos naquela situação. Essa forma de inteligênci a é chamada de empatia, um aprofundamento da simpatia, porque não é um sentimento unilateral, mas recíproco: um precisa e o outro dispõe. Quanto maior a nossa capacidade de empatia, maior será a nossa capacidade de penetrar em nosso mundo interior, sem sofrimentos ou traumas.  A melhor forma de tentar penetrar e compreender em nosso mundo íntimo é tentar respeitar, aceitar e compreender o mundo íntimo do outro. O nosso mundo íntimo está fechado desde que fomos criados; é um mistério, uma porta cuja chave e segredo sempre está com o nosso semelhante e nunca conosco; isso é proposital na  sabedoria da Criação,  pois se estivesse conosco talvez já teríamos perdido pela indiferença ou pela ferrugem do egoísmo. Quando odiamos um semelhante o nosso mundo fica cada vez mais fechado em nós  e aberto,  exteriorizado para o grosseiro mundo material; nele se manifesta com mais dureza e rigor a lei de ação e reação, voltando para nós a mesma carga energética negativa. Já quando o  amamos  vai se tornando cada vez mais interiorizado e a mesma lei se manifesta de forma mais suave e branda; então os enigmas são decifrados, os mistérios são revelados e, dentro de nós, as portas se abrem. Quando entramos, sentimos uma sensação diferente e muitíssimo agradável, que é a felicidade. Isso é o Reino de Deus. Essa era a missão de Jesus. Ele veio “demonstrar” com exemplos o que outros mestres tinham apenas “mostrado” com teorias  esse percurso da descoberta do mundo interior. Primeiro dava o exemplo; nossas cabeças ficam um pouco confusas com esses exemplos; para espantar a confusão e aquietar o nosso ser , Jesus conta va uma parábola. Como sabemos, todas elas revelam a chave do Reino de Deus; todas elas representam do fim da nossa atual crise existencial. Foi exatamente por isso que Ele disse, como muita propriedade, que era o Caminho, a Verdade   e a Vida e que ninguém iria ao Pai senão por ele.

13. O Homem Biológico

“21. O Senhor Deus também fez para Adão e sua mulher vestiduras de peles com que os cobriu. 22. E disse: Eis aí Adão feito um de nós, sabemos o bem e o mal. Impeçamos, pois, agora, que ele deite à árvore da vida, que também tome o seu fruto e que, comendo desse fruto, viva eternamente. (Ele disse, Jeová Eloim: Eis aí, o homem foi como um de nós para o conhecimento do bem e do mal; agora ele pode estender a mão e tomar da árvore do bem e do mal; agora ele pode estender a mão e tomar da árvore da vida; comerá dela e viverá eternamente.” – Gênese.

O trecho do Gênese, sobretudo nos termos que contém o grifo, é bastante sugestivo para fazermos uma leitura tranqüila e sensata da simbologia do texto mosaico. Ela fala abertamente, para quem tem olhos de ver, da transição do Reino Animal para o Reino Hominal ou da Consciência quando, juntamente com a transformação dos nossos corpos, adquirimos a inteligência racional, para a solução de problemas, e a consciencial, o livre-arbítrio, para fazermos escolhas e tomarmos decisões. É possível, como vem sendo tratado pela tradição esotérica e mais recentemente revelada pelas comunicações mediúnicas espíritas, que este tenha sido o momento em que, em mundos apropriados, fora da Terra – ad hoc – tenham se constituído a primeira raça-matriz da espécie humana.  Esse  primeiro protótipo de Adão seria caracterizado pela constituição astral e semi-astral, “corpos pouco consistentes”, até que fosse possível o surgimento o modelo ideal, finalmente adaptado ao nosso meio. Seria esse também o Elo Perdido da cadeia evolutiva, e que em vão busca-se nas escavações arqueológicas terrestres. Vamos encontrá-lo, sim, já numa terceira ou quarta fase, já bastante materializada, talvez nas regiões dos continentes perdidos da Lemúria e da Atlântida[17].

Olhando para o passado, vamos entender que, em nosso planeta, as primeiras lições do Reino foram dadas na infância da Humanidade, período no qual os laços entre o Espírito e a carne eram ainda estreitos, daí o predomínio dos centros de força baixos (chacras básico e genésico),  motivados pelos instintos animalescos da sobrevivência física.  Como uma obra de arte da Natureza e da arquitetura da Criação, o corpo humano reflete na sua estética fisiológica toda a sua trilha espiritual percorrida nesses milênios de história; ela possui um significado simbólico, esotérico, que vai muito além das suas magníficas e bem projetadas funções orgânicas. No seu desenho estético, sobretudo quando de braços abertos e olhar para o infinito, expressa sua angústia existencial e o inevitável grito de socorro às forças divinas superiores tomando a forma escultural de uma cruz.  Esta é a nossa característica essencial, o emblema da dor sacrificial que representa o compromisso supremo no qual o Espírito deve superar a carne. Nos corpos primitivos, porém, a postura crucial oscila nos graus inferiores da escala e não alcança a posição ereta em função do peso horizontal da influência animal. É o início da verticalização da consciência, uma longa trajetória, de zero a noventa graus, projetada no tempo existencial de muitas encarnações.  Em “Os Exilados da Capela”[18], de Edgard Armond encontramos a confirmação dessa verticalização consciencial explicada pela adaptação do perispírito ao corpo físico e vice-versa:

“Os atlantes primitivos da 4ª Raça-Mãe, que vieram em seguida, eram homens de elevada estatura, com a testa muito recuada; tinham cabelo solto e negro, de secção redonda, e nisto diferiam dos homens que vieram mais tarde, que os possuíam de secáão ovalada; suas orelhas eram situadas bem mais para trás e para cima, no crâneo.

A cabeça do perispírito ainda estava um tanto para fora, em relação ao corpo físico, o que indicava que ainda não havia integração perfeita; e na raiz do nariz havia um “ponto” que no homem atual corresponde à origem do corpo etéreo (não confundir com a glândula hipófise, que se situa muito mais para dentro da cabeça, na sela turca.

Esse “ponto” dos atlantes, separado como nos animais, nos homens atuais coincide no etéreo e no denso, perfeitamente integrados no conjunto psico-físico e essa separação dava aos atlantes uma capacidade singular de penetração nos mundos etéreos, e permitiu que desenvolvessem amplos poderes psíquicos que, por fim, degeneraram e levaram à destruição do continente.

Nos atlantes dos últimos tempos, entretanto, quando habitavam a Poseidônia, após os afundamentos anteriores, esses dois “pontos” já se haviam aproximado, dando a eles plena visão física e desenvolvimento dos sentidos.

Nesse continente a primeira sub-raça – romahals – possuía pouca percepção e pequeno desenvolvimento de sentimentos em geral, mas grandes possibilidades de distinguir e dar nome às coisas que viam e ao mesmo tempo agir sobre elas.

Foi a sub-raça que desenvolveu os rudimentos da linguagem e da memória, conhecimentos anteriormente esboçados e interrompidos na Lemúria por causa do afundamento desse continente, eplo mesmo motivo da degradação moral.

Das outras sub-raças, os Travlatis desenvolveram o animismo e o respeito aos pais e familiares. Iniciaram os governos organizados e adquiriram experiências sobre administração, bem como de nações separadas e de governos autônomos, formando assim os padrões e modelos da civilização pré-histórica que chegam até o nosso conhecimento atual.”

Os atlantes eram homens fortes, alentados, de pele vermelha-escura ou amarela, imberbes, dinâmicos, altivos, e excessivamente orgulhosos.

Desde que se estabeleceram como povos constituídos neste vasto continente, iniciaram a construção de um poderoso império onde, sem demora predominaram a rivalidade intestina e as ambições mais desmedidas de poderio e de dominação.

Por outro lado desenvolveram  faculdades psíquicas notáveis para sua época, que passaram a aplicar ao serviço dessas ambições inglórias; e, de tal forma se desenvolveram suas dissensões, que foi necessário que ali descessem vários Missionários do Alto para intervir no sentido de harmonizar e dar diretrizes mais justas e construtivas às suas atividades sociais.

Segundo consta de algumas revelações mediúnicas ali encarnou  duas vezes, sob os nomes de Anfion e Antúlio, o Cristo Planetário, como já o tinha feito, anteriormente, na Lemúria, sob os nomes de Numú e Juno e como faria, mais tarde, na India, como Khrisna e Budha e na Palestina como Jesus.

Porém triunfaram forças inferiores e a tal ponto se generalizaram os desentendimento entre os diferentes povos, que impôs-se a providência da separação de grandes massas humanas mormente entre romahals, turanianos, mongóis e travlatis, refluindo parte deles para o Norte do continente de onde uma parte passou à Ásia, pela ponta ocidental do Alaska, localizando-se principalmente na China e outra parte alcançou o Continente Hiperbóreo, situado, como já vimos, nas regiões árticas, ao Norte da Europa, que nessa época apresentavam magníficas condições de vida para os seres humanos.

No seio da grande massa que permaneceu na Atlântida, formada pelas outras três sub-raças Toltecas, Semitas e Akádios, o tempo do seu transcurso milenário, assinalou extraordinários progressos no campo das atividades materiais conquanto semelhantemente ao que já sucedera no Oriente, as sociedades desses povos tinham se deixado dominar pelos instintos inferiores e pela prática de atos condenáveis, de orgulho e de violência

Assim, lamentavelmente degeneraram comprometendo sua evolução.

Lavrou entre eles tão terrível corrupção psíquica que, como conseqüência, ocorreu novo e tremendo cataclismo: a Atlântida também submergiu.

Os arquivos da história humana não oferecem aos investigadores dos nossos dias documentação esclarecedoras e positiva desse acontecimento, como aliás também sucede e ainda mais acentuadamente, em relação à Lemúria; e por isso é que esses fatos tão importantes e interessantes para o conhecimento da vida planetária, estão capitulados no setor das lendas.”

Realmente, até mesmo o relato do filósofo grego Platão (428-347 aC) enfatiza o aspecto lendário, afirmando inclusive que ali reinava a paz entre os dez monarcas descendentes de Posidon e que o continente sucumbiu por uma catástrofe “natural”.  Segundo Platão, nos seus Diálogos entre Timeu e Crítias, essa história foi revelada ao ateniense Sólon, 200 anos antes, pelos sacerdotes egípcios de Sais, que a transmitiu oralmente aos seus discípulos gregos.  Ainda sobre as manifestações das primeiras raças em nosso planeta, vejamos como o Espírito de João Evangelista[19] descreve o aparecimento da espécie humana na Terra. A descrição mediúnica, no seu tradicional estilo simbólico, repleto de metáforas, é uma descrição da nossa lenta evolução anímica:

“ (..) Donde havia saído o homem? Qual tinha sido o princípio da sua formação e de seu desenvolvimento? Veio diretamente do pensamento de Deus ou levantou-se do pó por uma série de transformações sucessivas?

Meu espírito não o tinha visto, porém minha alma não podia esquecer aquele algo indefinível, que tinha como que adivinhado nos animais superiores.

Luz – luz – muita luz- muitíssima luz! porém a luz reside em Deus.

Eu tinha visto, e via vegetais como minerais e minerais como vegetais e vegetais como animais, homens que participavam alguma coisa do homem. Meu espírito estava cego; e que confiança merece a vida de um pobre cego?

Eu via o homem, e via nele o sentimento, a vontade e a luz; via o animal, e via nele a sensação, o impulso e o instinto; via o vegetal, e via nele a tendência para a conservação. E perguntava a mim mesmo:

O sentimento e a vontade e a luz são criações independentes e primitivas ou são uma criação única, já modificada ou transformada?

E, ao pensar que os três caracteres distintivos da natureza humana poderiam confundir-se em sua raiz, acudiu fugitivamente à minha alma a idéia de que podia ser a unidade, a identidade, o limite de sua depuração. E perguntava a mim mesmo:

São, porventura, o sentimento, a sensação depurada e transformada – a vontade, o impulso depurado e transformado? Serão, porventura, o sentimento e a sensação, a vontade e o impulso, a luz e o instinto – depurações e transformações daquela tendência para a conservação iniciada no organismo vegetal?

Ignoro; não sei; não quero; não posso não me atrevo a sabê-lo; porque Deus pôs um véu entre o seu segredo e os olhos do meu espírito. Minha alma nada sabe acerca do princípio e do nascimento do homem”.

Nessa primeira etapa da constante transformação físico-anímica, através de raças-padrão e várias sub-raças, surgiram na Terra três protótipos sociais humanos básicos, cada qual realizando as primeiras descobertas da sua individualidade:

O tipo Humanóide (Australopithecus, de 3 milhões de anos), ainda bastante horizontal, uma transição entre os primatas e os humanos . Eram seres ainda muito rudes, de inteligência e hábitos grosseiros, cuja finalidade  era a satisfação impulsiva das necessidades básicas: alimentação, sono, sexo, abrigo. Sua marca defensiva era a brutalidade e o egoísmo levado ao extremo.

O tipo Anímico (do Homo Habilis, de 2 milhões de anos, ao Homo Erectus, de 1 milhão anos), mais humano e ereto; mais sensível e curioso do que o anterior, observador da Natureza; fascinado pelos fenômenos exteriores, aprendeu a fazer o fogo e  a render homenagem às forças naturais. Para ele o Universo era um ambiente de magia, povoado de espíritos que animavam todas as coisas. Era o princípio de religiosidade e da arte.

E o tipo Tribal (do Homo Sapiens de 100 mil anos ao Homo Sapiens-Sapies de 37 mil anos), que marca a fase de transformação  biológica e mental entre o Homo Sapiens e o Homo Faber atual, acumulando as experiências que vão culminar na descoberta da agricultura, da pecuária, da indústria e do comércio de trocas naturais. No aspecto sociológico ocorre  a lenta transformação do clã em direção a um tipo de organização mais complexa e necessária aos novos tempos[20]:

“Assim como as necessidades básicas do homem são a fome e o amor, assim também as funções básicas da organização social se resumem na provisão econômica e na sobrevivência biológica; uma caudal de crianças é tão necessária como a continuidade do alimento. Às instituições que objetivam o bem-estar material e a ordem política, a sociedade sempre acrescenta instituições cujo fim é a perpetuação da espécie. Até que o Estado se tornasse a fonte central e permanente da ordem, o clã tomou a si a delicada tarefa de regular as relações entre os sexos e as gerações; e mesmo depois de estabelecido o Estado, o governo essencial da humanidade continuou radicado na mais profunda de todas as instituições históricas – a família.

É de todo improvável que as primeiras criaturas vivessem em famílias isoladas, mesmo no estágio da caça; porque a inferioridade” do homem quanto aos órgão de defesa teria deixado tais famílias entregues à voracidade das feras. Em regra, na natureza, os organismos mais pobremente dotados de defesa individual vivem em grupos, e tiram da ação conjunta os meios de sobreviver num mundo enxameante de garras, presas e couros impenetráveis. Evidentemente foi assim que o homem; salvou-se pela solidariedade do grupo. Quando as relações econômicas e a dominação política substituíram o parentesco como princípio de organização social, o clã perdeu sua posição na subestrutura da sociedade; embaixo foi suplantado pela família e pelo alto Estado. O governo tomou a si o problema de manter a ordem , e a família assumiu a tarefa de reorganizar a indústria e a ssegurar a perpetuidade da raça”.

Na transformação evolutiva da espécie humana encontramos como fator essencial a conquista crescente e vertical da consciência, bem como a sua principal ferramenta de ação, que é a inteligência.  Segundo as pesquisas da Antropologia, num longo período de 1 milhão de anos as espécies humanóides e humanas das quais descendemos realizaram nesse campo poucas conquistas significativas, que mudaram os rumos da nossa experiência social: o domínio do fogo e a agricultura, nos tempos pré-históricos; e as revoluções tecnológicas contemporâneas da mecanização industrial e a informática. Todas elas estiveram ligadas aos processos produtivos e sempre impulsi onadas pela Lei do Trabalho. Outra curiosidade é que os intervalos de tempo entre essas descobertas eram imensos inicialmente e, na medida que foram despontando novas necessidades sociais e novas inteligências, foram diminuindo entre uma e outra:

  • Revolução do Fogo (100 mil aC) e a Revolução Agrícola (10 mil  aC):  90 mil anos
  • Revolução Agrícola e a Revolução Industrial (1760 dC):   12 mil anos
  • Revolução Industrial e a Revolução da Macro-Informática (1950): 216 anos
  • Macro Informática e a Micro-Informática Digital (1976): 26 anos
  • Micro- Informática e a Revolução Biogenética (1980): 4 anos

Isso mostra que as conquistas tecnológicas, ligadas às inteligências objetivas do Homem, entrarão nos próximos séculos num processo irreversível de esgotamento. As descobertas serão cada vez mais rápidas e as soluções cada vez mais práticas. Os problemas da objetividade social humana, basicamente as doenças psicossomáticas e vícios do consumismo, vão desaparecer e já causam certa preocupação nas cabeças filosóficas quanto às questões do trabalho e da sobrevivência. Questionam eles: se não houver mais problemas a serem solucionados, viveremos no completo ócio?

Outra impressão paradoxal, muito comum diante dessas mudanças, é a de que quanto mais dispomos de informações, menos domínio temos sobre o conhecimento. Diante de tanta sabedoria disponível nunca nos sentimos tão ignorantes.

Lembrando as teorias de  Marshal Mcluhan[21], a maioria dessas tecnologias foi criada para funcionar como extensões mecânicas do corpo humano, isto é, dos impulsos elétricos do cérebro. Esses mecanismos são efeitos das inteligências voltadas para o mundo bidimensional da matéria e para as comodidades exteriores da experiência humana. Na perspectiva materialista, as soluções de todos os problemas estariam apenas nesse campo tecnológico refletido pelos paradigmas cérebro, esquecendo-se que os problemas de ordem subjetiva estão apenas começando a dar os primeiros sinais de um longo caminho a ser percorrido. As inteligências subjetivas (interpessoal e intrapessoal), invertendo o seu percurso racional para o caminho emocional, pela verticalização ou interiorização, também darão novos rumos para as inteligências objetivas. O conhecimento e suas expressões no campo das artes e da ciências sofrerão profundas transformações nas suas estruturas e manifestações. Segundo o filósofo italiano Pietro Ubaldi, nos próximos milênios surgirão novos paradigmas do universo mental e que só poderão ser compreendidos e sintetizados pela faculdade da intuição. Esta será a pedra fundamental, a antena básica, o censor mais imediato e acessível para navegarmos no ainda desconhecido oceano universal do Espírito.  Como os morcegos e golfinhos, ainda mergulhados no microcosmo de Ego, os primeiros seres humanos da Nova Idade Cósmica, ingressarão nes se universo praticamente cegos e se guiarão nessa escuridão espiritual pelos sinais do próprio esforço que emitirem. A claridade que buscam não será mais revelada pelos sentidos físicos ou pela razão, pois estas já atingiram os seus limites; a claridade só será atingida através da leitura emocional, pela transformação gradual dos sentimentos, cujas chaves abrirão as portas do Sexto e do Sétimo Sentidos e todas a suas conseqüências naturais.  Todas as demais faculdades despertadas por essas novas experiências, e que nos permitirão fazer a leitura desses novos ambientes, serão extensões da intuição. Um exemplo: assim como a visão bidimensional é um fenômeno físico captado pelo cérebro, a supervisão multidimensional será um fenômeno metafísico, captado pela mente, pela crescente sensibilidade entuitivo-sensitiva.

14. O Homem Teológico

“Ele erreceferá a chama. Será considerado o pastor de todos os homens. Mal nenhum existirá em seu coração. Quando seus rebanhos são poucos, ele passa o dia a reuni-los, pois estão de coração febril. Ele lhes discernirá o caráter da primeira geração. E destruirá o mal. Suprirá a semente da herança. (…) Onde está esse homem hoje?  Dormindo, por acaso? Atenção, o seu poder é invisível. – Testamento de Ptah-hotep, primeiro-ministro do faraó na Quinta Dianstia, 2880  aC.

O Homem Teológico é o primeiro anúncio profético do Homem Espiritual do futuro. Enquanto o Homem Biológico anunciava o início da postura física vertical, este anuncia os primeiros passos da verticalização espiritual; é o produto mental de uma quinta raça, ainda hoje predominante, mas que será brevemente substituída pela sexta e posteriormente por uma sétima, que será a síntese de todas as anteriores.  Segundo a tradição esotérica a quinta raça foi gerada das matrizes arianas, fonte das primeiras civilizações que apareceram nas margens dos grandes rios.  Do Nilo surge o Egito, do Tigre e do Eufrates brotam as civilizações da Mesopotâmia, do Ganges nasce a Índia, e dos rios Azul e Amarelo, a China.  São socied ades organizadas pelo impulso político de governos teocráticos, onde a religião influencia a tudo e a todos: o poder, o trabalho, a divisão de classes, as categorias profissionais, as artes e as ciências. Os historiadores marxistas definiram esse sistema como um “modo de produção asiático”, vendo o fator econômico como o principal motor dessas civilizações. Mas, culturalmente falando, a religião e a teologia eram as forças predominantes, a base ideológica de todas as peças do sistema: do Estado, da organização social, das relações sócio-econômicas, das ciências e das artes.  Esse perfil teológico também é reflexo da aceleração vertical da  espinha espírito-dorsal que sofremos  desde as rústicas experiências da pré-história. Do período glacial, no qual a espécie humana poderia ter sido extinta se não tivesse dominado a tecnologia do fogo, até o s primeiros tempos pré-históricos, ocorre uma considerável elevação do eixo dorsal, sempre em busca do equilíbrio entre o pensar, o sentir e o agir.

A sociedade humana não comportava mais as estruturas do comunismo primitivo; é um momento em que a energia vital que move todos os seres para a evolução desperta em nós um forte egocentrismo e não há mais possibilidade de dividir, sem conflito com o outro, as escassas riquezas de sobrevivência. A competição pela força vai aos poucos sendo substituída pela inteligência. Para administrar a desigualdade e impor a autoridade comum, surge a idéia do Estado-pessoa, uma instituição política cuja abstração só pode ser compreendida quando simbolizada numa figura humana incomum. Essa imagem humana viva é necessária para que cessem as crises de poder e se estabeleça uma nova ordem social. Os monarcas da Mesopotâmia e os faraós egípcios são exemplos típicos dessa nova fase da Humanidade, de homens-deuses, cujas figuras eram erguidas ao altar da sacr alização e se apoiavam em poderosos dogmas e superstições mitológicas. A religião organizada serve como suporte político e a ideologia como importante fator de controle social. Os Estados devem ser sempre sustentados por um aparato teocrático-sacerdotal. O clero é um estamento essencial  para o exercício da manipulação político-ideológica. Se por um lado a maioria dos religiosos se prestam ao papel de servos do poder, por outro lado surgem, em momento marcantes, figuras um tanto estranhas ao contexto para subverterem a ordem e dar um novo rumo às coisas. Esses homens possuem um grau de consciência que lhes permitem distinguir o ser humano da Natureza e essa distinção se dá pela moral. Eles observam que a Natureza é regida por leis imutáveis e que essas mesmas leis se manifestam  nos seres humanos e nos grupos através do comportamento e da moral. A lei de ação de reação que ocorre no plano da físic a é a mesma que regula o uso da violência e a prática da solidariedade. A lei da polaridade que define a atuação dos elementos contrários – positivo e negativo, claro e escuro, perto e longe, pequeno e grande, etc, no cenário natural é idêntica quando aplicada nos papéis sociais – forte e fraco, masculino e feminino, o bem e mal.  Personalidades intrigantes como Zoroastro, Sidartha Gautama (Budha) funcionam nesses tempos remotos como modelos avançados de equilíbrio emocional e inteligência. Essa percepção aguçada que eles possuem sobre as leis da Natureza e do Universo logo se transformam em tratados filosóficos ou motivos de exemplificação vivencial. São legisladores e pedagogos que estabelecem novos paradigmas de comportamento e tudo o que fazem servem como impulso para grandes transformações. Moisés e os profetas hebreus também marcam esse período servindo ao mesmo tempo de modelo de ruptura da cultura politeísta  e estabelecimento do monoteísmo como a grande tendência religiosa do futuro. Todas essas grandes inteligências buscam despertar nos homens comuns a idéia de que somos seres divinos e imortais. Suas idéias vão de encontro às necessidades do povo, mas geralmente colidem com os interesses políticos vigentes. É um confronto inevitável no qual raramente houve acordos e cooperação entre as forças em choque. Eram tempos em que a emoção ofuscava a razão. A morte, antes vista como um acontecimento natural, foi adquirindo significados ritualísticos, cuja magia serviu para manipular, para o bem ou para mal, esse medo do desconhecido[22]:

“Medo da morte, admiração diante da causa das coisas e dos acontecimentos ininteligíveis, esperança de auxílio divino e gratidão pelo bom que acontece, tudo isso contribui para gerar a fé religiosa. Admiração e mistério ligavam-se em especial ao sexo e aos sonhos, e à misteriosa influência dos corpos celestes sobre a Terra e o homem. Os primitivos maravilhavam-se diante dos fantasmas que viam durante o sono e aterrorizavam-se quando lhes apareciam a imagem de parentes e amigos mortos. Enterravam os mortos a fim de que não voltassem à Terra; com eles enterravam seus pertences e víveres, de medo que viessem perseguí-los; às vezes deixavam o cadáver em casa e mudavam-se; em alguns lugares o corpo era retirado por um buraco aberto na parede e conduzido rapidamente, por três vezes, ao redor da casa, para que o espírito esquecesse a entrada e nunca viesse assombrá-la.

Tais experiências convenceram o homem primitivo de que cada criatura possuía uma alma, ou vida secreta dentro de si, a qual se separava do corpo na doença, no sono ou na morte.  ‘Não desperteis ninguém abruptamente’, diz um dos Upanishads da antiga Índia, “porque pode acontecer que a alma não encontre meio de voltar ao corpo”. Não só o Homem, mas todas as coisas  tinham alma; o mundo externo não era insensível ou morto, mas intensamente vivo; se não fosse assim, pensava a antiga filosofia, a natureza seria incompreensível, no movimento do Sol, no raio; murmúrio das árvores. O meio pessoal de conceber objetos e eventos precedeu o impessoal e abstrato; a religião veio antes da filosofia. Tal animismo constitui a poesia da religião, e a religião da poesia.”

 

“(…) Havendo concebido um mundo de espíritos, cuja natureza e propósitos ignorava, o homem primitivo procurou propiciá-los, para captar-lhes a benevolência. Ai animismo, que é a essência da religião primitiva, foi adicionada a mágica, que é a essência dos primeiros rituais.

 

(…) O filósofo aceita resignado e de bom grado esta humana necessidade do auxílio ou conforto sobrenatural, e consola-se observando que, assim como o animismo criou a poesia, a mágica gerou a ciência. Frazer demonstrou como as glórias da ciência  se radicam nos absurdos da mágica. Porque, como a mágica falhasse muito, o mágico esforçou-se por descobrir causas naturais, a fim de colocá-las a serviço de seus propósitos. Lentamente os meios naturais predominaram, embora o mágico, para preservar sua posição diante do povo crédulo, ocultasse as causas naturais e tudo atribuísse ao milagre. Disso saiu o médico, o químico, o metalurgista e o astrônomo.

 

Outro filho da mágica foi o sacerdote. Gradualmente os sacerdotes foram suplantando o homem comum em conhecimento e habilidade, até que passaram a constituir uma classe especial apta a conduzir as cerimônias religiosas. Por meio da inspiração, do transe ou da prece esotérica, o sacerdote mágico influenciava os espíritos ou deuses e os adaptava aos propósitos humanos. E como esse conhecimento e essa habilidade pareciam aos primitivos amais valiosa de todas as coisas, o poder dos sacerdotes passou a ser tão grande quanto o do Estado; e até nos tempos modernos o sacerdote se vem alternando com o guerreiro na dominação e disciplina do homem comum. A História do Egito, da Judéia e da Idade Média constituem os melhores exemplos.

O sacerdote não criou a religião, apenas utilizou-se dela, como o estadista se utiliza dos impulsos e costumes da humanidade; a religião não emerge da invenção, ou da chicana sacerdotal, mas da persistente admiração, do medo, da insegurança, da fraqueza do homem na Terra. O sacerdote causou males, tolerando a superstição e monopolizando certas formas de conhecimento; mas deu aos povos rudimentos da educação, agiu como repositório e veículo da herança cultural da raça, consolou os fracos explorados pelos fortes e tornou-se agente através do qual a religião nutriu a arte e deu auxílio sobrenatural à precária estrutura da moralidade humana. Se o sacerdote não aparecesse, o povo o inventaria.”

A verdade é que nunca aceitamos o fato da morte biológica. Progredimos em muitos aspectos e situações da vida, mas neste terreno ainda patinamos sem sair do lugar. Em todas épocas desenvolvemos formas de fuga e adaptação para encarar o fenômeno que põe fim às nossas existências. Na Pré-história, quando éramos nômades, alguém do grupo morria e o defunto simplesmente ficava para trás, juntamente com os restos das coisas que comemos e da fogueira que acendemos para nos aquecer. Dali seguíamos numa caminhada para o futuro, que era algum lugar onde encontrássemos alimento e abrigo. A idéia de futuro ainda não nos preocupava pois era o somente o dia seguinte e a sensação de segurança era  conseguir que o estômago ficasse cheio. O defunto que surgia durante a caminhada não representava nenhum incômodo senão por rápidos e indiferentes olhares de incompreensão e alguns segundos de dúvidas sem respostas que logo abandonávamos juntamente com o cadáver.

Mas à medida que a Consciência foi se verticalizando, os defuntos passaram ser objetos de intranqüilidade. Percebemos que com eles morriam também algumas coisas que nos diziam respeito: a memória, as experiências e os sentimentos. A sedentarização da sociedade humano, advinda com a agricultura e da pecuária, e obtida pela necessidade de cuidar das coisas necessárias à sobrevivência que estavam ao nosso redor, deram um novo significado para a morte de membros do grupo. Eles agora também precisam ficar por perto, juntamente com a lavoura e  com os animais domésticos. O apodrecimento do cadáver é uma situação incômoda que será solucionada pelo sepultamento na terra e o túmulo vai representar a sua memória, a lembrança simbólica de quando estava vivo. As sepulturas domésticas passam então a ter proporções de necrópoles quando a urbanização passa a ser o meio social comum. Essa relação sagrada que estabelecemos com a morte, para cultivar a memória dos que se foram, quando a sociedade humana torna-se sedentária, mudou o sentido da nossa caminhada para o tempo futuro, deslocando-a do mundo exterior e geológico para o nosso mundo interior e psicológico. Essa inversão de percurso veio acompanhada de um medo irracional pelo desconhecido, representado pela morte do outro. Como entender e aceitar a nossa morte se temos como parâmetro somente a morte do outros? As fugas que empreendemos para adaptar-nos a essa situação contraditória são visíveis nas representações macabras da arte fúnebre gótica da Idade Média, no erotismo barroco da Idade Moderna. Na Idade Contemporânea, com o advento da industrialização e da sociedade de massas, ocorre uma banalização da morte, quando as tragédias que antes causavam escândalos e impactos são reduzidas a notícias repetitivas dos meios de comunicação. Mas a racionalização da vida social e do espaço geográfico novamente transformam os defuntos em objetos incômodos. A morte súbita, que antes causava expectativa e choque, agora pode ser prolongada ou abreviada pela ciência médica. É uma forma de mantê-la distante do ambiente doméstico, pequeno e restrito, nos hospitais e velórios públicos. Dessa forma somos menos atingidos quando alguém morre. As lembranças e a saudade talvez serão mais brandas se não tivermos contato muito íntimo com os defuntos. Como se vê, não progredimos quase nada.

15. O Homem Racional

“Não podemos aproximar-nos de Deus a ponto de alcançá-lo com a nossa vista e tocá-lo com nossas mãos… Pois Deus não possui uma cabeça ligada ao tronco, e de seus ombros não pendem dois braços como se fossem galhos; não tem pés, nem joelhos, nem partes peludas. Não; ele é só espírito, sagrado e inefável espírito, a lançar por todo o universo a rápida faísca dos pensamentos.” – Empédocles

O percurso do Homem Biológico ao Homem Teológico caracterizou-se inicialmente pela descoberta do próprio corpo e uma profunda integração mágica com a Natureza, até que esses traços de comportamento recebessem um tratamento místico e fossem transformados em rituais dogmáticos das práticas sacerdotais. Essa fase entre a infância da Humanidade até o início da sua adolescência, na quinta raça, seria rompida quando os povos  da Antiguidade atingissem o seu zênite existencial. Este é o momento em que a Ásia será substituída pela Europa como centro da Civilização, quando o pêndulo do tempo humano marca a decadência do Oriente e a lenta ascensão histórica do Ocidente. O cenário  dessa mudança é a Península Balcânica, especificamente a Grécia, que será a depos itária da maioria dos conhecimentos e experiências das civilizações das raças atlantes (civilização creto-micêncica). A partir do século XX a.C. ,  chegam  as primeiras levas migratórias das tribos arianas. Ali vai acontecer uma das mais fascinantes transformações da natureza humana, a descoberta da psiquê, na qual o Homem vai perceber o sentido original das coisas e de si mesmo. Através dela vai estabelecer-se a relação dialética entre o ser e o objeto de sua observação, diferença esta que fez dos gregos seres humanos diferentes dos egípcios e mesopotâmios. Para eles o mundo estava dividido entre os helenos, homens livres e autônomos,  e os homens “bárbaros”, escravos dos outros porque eram escravos de si mesmos; porque não possuíam auto-estima, senso de dignidade e não valorizavam o livre-arbítrio. Os primeiros gregos acreditavam , portanto, que não eram pessoas comuns e que descendiam dos deuses. Ao julgar os erros da humanidade e decidir o destino dos homens, Zeus, o pai de todos os deuses, escolheu o justo Deucalião e sua virtuosa esposa Pirra para garantir a perpetuação da Humanidade. Os gregos são descendentes de Heleno, um dos filhos de Deucalião.  Essa é a forma como essa civilização observa o mundo e as coisas, medindo a tudo e a todos  pela régua do ponto de vista antropológico. Para eles, até mesmo os deuses  do Olympo eram homens, cujos defeitos e virtudes teciam as tramas do destino humano. Se o Homem é a medida de todas as coisas, a medida mais verdadeira é a razão, que é a virtude (aretê) essencial, para eles , mais confiável e menos suspeita. É por isso que na mitologia grega encontramos todas as referências possíveis e imagináveis da cultura humana a tual. Se o judaísmo deu início à nossa ética e à preocupação com às nossas origens e o destino; se o cristianismo potencializou os nossos valores, sentimentos e emoções, no helenismo está toda a síntese do nosso pensamento[23]:

“Excetuando a maquinaria, com dificuldade encontramos algo secular em nossa cultura que não tenha vindo da Grécia. Escolas, ginásios, aritmética, geometria, história, retórica, física, biologia, anatomia, higiene, terapia, cosméticos, poesia, música, tragédia, comédia, filosofia, teologia, agnosticismo, ceticismo, estoicismo, epicurismo, ética, política, idealismo, filantropia, cinismo, tirania, plutocracia, democracia: todas são palavras gregas para designar formas de cultura raramente originadas, mas quase sempre amadurecidas, para o bem ou para o mal, pela exuberante energia dos gregos. Todos os problemas que hoje nos preocupam – o desflorestamento e a erosão do solo; a emancipação da mulher e a limitação da família; o conservantismo dos estabelecidos e o experimentalismo dos deslocados, na moral,  na música e no governo; as corrupções da política e as perversões da conduta; o conflito entre a religião e a ciência e o enfraquecimento dos esteios sobrenaturais da moralidade; as guerras de classes e de nações e continentes; as revoluções dos pobres contra o poder econômico dos ricos, e dos ricos contra o poder político dos pobres; as lutas entre a democracia e a ditadura, entre o individualismo e o comunismo, entre o Oriente e o Ocidente – todos esses problemas agitaram, como que a nos dar uma lição, a brilhante e turbulenta vida da antiga Hélade… Não há nada na civilização grega que não ilumine a nossa.”

Nos agitados tempos de ocupação migratória da Península Balcânica, do longínquo século XX, antes de Cristo, até o século V, de Péricles, o homem descobriu que era Homem, que na sua imagem, refletida no olhar sobre si mesmo, está a sua semelhança com Deus.  Conta a historiografia que os aqueus, os eólios e algum tempo depois os jônios, penetraram na região que seria o novo centro mundo através de uma integração pacífica com os povos autóctones, os pelágios. Mais tarde eles absorveram admiravelmente importantes elementos culturais da lendária sociedade da Ilha de Creta, dando origem à civilização creto-micênica.  A última leva migratória veio com a força destruidora dos dórios, cuja índole guerreira provo cou a primeira dispersão dos povos gregos pelo Mediterrâneo. Essa primeira diáspora, iniciada pelo arrasamento das cidades, empurrou as gentes para a vida rural, longe dos perigos do litoral, dando origem ao Genos, a base social mais antiga da grande Hélade.  Esses pequenos núcleos familiares dirigidos por um chefe clânico, o Pater Famílias, se espalharam por toda aquela complexa e atraente paisagem, tornando-se o eixo fundamental da civilização helênica.

O universo geográfico da Grécia continua, desde a antiguidade, um grande espetáculo natural, uma trama de acidentes físicos que ainda seduz os olhos de qualquer viajante A parte continental exibe um suntuoso relevo de montanhas e vales quase impenetráveis, protegidos por abismos de pedras; colado a elas, encontra-se um litoral totalmente recortado por inúmeras baías e enseadas. Na parte insular, o mar foi curiosamente pulverizado por incontável número de pequenas ilhas. Foi dessa mistura de elementos das três áreas físicas dessa parte do sul da Europa que nasceu a principal marca geográfica da Grécia, que é o seu isolamento natural e que influiu profundamente na formação psicológica desses povos. Tal isolamento impôs a eles um caráter introspectivo, motivado pela contemplação das coisas que poderiam estar sempre além das montanhas, bem c omo a sensação de infinito que vem do horizonte azul marinho do Egeu. O toque final dessa trama entre a geologia e a psicologia foi dado pela inevitável de solidão que sentem os habitantes das ilhas gregas e que os tornam perpetuamente insatisfeitos consigo mesmos. Na misteriosa combinação entre a introspecção do habitante dos vales e montanhas, a postura reflexiva do homem litorâneo e a solidão do morador insular estão as origens da filosofia e do individualismo da cultura grega.  Foi nesse cenário, no período pré-homérico, que surgiu o Homem Lógico-Racional, através da transformação da mentalidade mito-poética para a mentalidade sistêmico-teorizante. A ruptura com o universo mágico e a racionalização das coisas divinas, incluindo a humanização de Zeus  e sua corte, foi um momento crítico na evolução da consciência humana. Estabeleceu-se nesse momento uma divisão de caminhos na busca da verdad e: uma vereda metafísica e espiritualista, influenciada pela tradição iniciática orientalista; e outra física e materialista, fundada na escola racionalista ocidental. A primeira foi produto do contato de sábios gregos com o conhecimento sacerdotal de antigas civilizações, incluindo as desaparecidas Lemúria e Atlântida; já a segunda teria suas origens num curioso perfil rebelde e anti-religioso das tribos arianas que se espalharam na Europa. Essa grande mudança da ótica mítica para a ótica racionalista é até hoje um grande enigma para os historiadores humanos e algumas dúvidas permanecem no ar: por que os somente os gregos conseguiram romper esse limite? Como esse tipo humano descobriu a especulação filosófica e interessou-se pela investigação científica?  Que tipo de experiência deu a pensadores como Zenon a afirmarem que “a razão é a  suprema conquista do homem, é uma semente do Logos Spermatikos, ou Razão Seminal, que criou e governa o mundo”?

Entre os séculos VII e VI aC, na transição do período homérico para o arcaico, o antigo Genos entra então em processo de agonia social, causada pelo aumento da população. As conseqüentes lutas entre o coletivismo e o individualismo, pela posse da riqueza agrária, faz explodir no mundo grego uma nova dispersão, a segunda diáspora, espalhando o helenismo por todo o Mediterrâneo. A vitória do individualismo das aristocracias, através do conceito conservador da propriedade privada, vai transformando gradualmente o núcleo gentílico em tribos, frátrias, vilas, até que essas últimas se constituam na pólis, as célebres cidades-Estado.  Elas eram compostas pela parte alta, da Acrópole, destinada ao cultos dos imortais deuses e heróis do Olimpo;  e a parte baixa, da Ágora e o Asty, pontos de encontro e negócios dos mortais.  As pólis serão povoadas pelos cidadãos, a quem Aristóteles denominou apropriadamente “animais políticos” ou “zoopolitycon”. O isolamento natural não inibiu totalmente o contato com o mundo exterior, mas foi responsável pelo desenvolvimento de fronteiras culturais, mais rígidas e resistentes do que os limites geográficos. Conceitos de exclusividade social ou cidadania pela linhagem de nascimento deram origem a curiosos mecanismos de defesa ou “anticorpos políticos” dessas cidades. Em Esparta, por exemplo, o mito de Licurgo e a xenofobia afastavam a indisciplina e os vírus dos costumes estrangeiros. Em Atenas legisladores como Drácon, Sólon e Clístenes, para garantir a ordem, tiveram que inibir os abusos da escravidão por dívidas, o regime de maioria da demos e o  ostracismo, anticorpo que bania pelo exílio de dez anos os inimigos do regime de liberdade participativa.

No período clássico, a partir do século V, das cerca de 160 pólis espalhadas nos Balcãs e dezenas de outras, através da colonização do Mediterrâneo, logicamente fizeram história o modelo aristocrático-militar de Esparta e o modelo democrático-civil de Atenas.  Esparta, sempre fechada e exclusivista, foi fundada pelos descendentes dos guerreiros dórios e permaneceu estacionada na homogeneidade social; Atenas, mais flexível  aos novos habitantes, surgiu dos descendentes dos eólios e jônios e foi enriquecida pela heterogeneidade.  A primeira deu à Humanidade homens fortes de corpo e dotados de uma coragem existencial biológica e física insup erável, porém pobres de imaginação. Já a segunda nos deu homens de grande força mental reflexiva e artística, dotados de uma coragem existencial psicológica e metafísica.  Esparta nos deu homens admiráveis como o general Leônidas e os seus 300 soldados, que morreram bravamente no desfiladeiro das Termóphilas, lutando durante uma semana com mais de dois mil soldados persas. Atenas nos deu homens incomparáveis como Sócrates, que soube morrer com uma espantosa serenidade, encerrando com heroísmo ímpar, uma luta que travara durante toda sua existência, contra si mesmo.

A Escola Iniciática Pitagórica

A tradição esotérica que chegou até nós pelo Ocidente veio, em grande parte, através de sábios gregos. Mais do que um costume, tornou-se uma necessidade existencial entre eles quebrar o isolamento e viajar em busca de conhecimentos incomuns  em outros núcleos iniciáticos na Europa e fora dela.  Um dos primeiros exemplos dessas iniciativas, – imitado mais tarde por tantos outros – foi Pitágoras de Samos (580-500 a.C.), cujo nome possuía um significado especial: “porta-voz do oráculo Pítio, de Delfos. Suas viagens em busca do saber  estrangeiro abrangeu lugares considerados importantes centros do saber no mundo antigo: a Arábia, Fenícia, Síria, Caldéia, Índia, Gália e principalmente o Egito, onde aperfeiçoou-s e em astronomia e geometria. De volta à Grécia, depois de três décadas de excursões, estabeleceu-se em Crotona, fundando ali uma das mais famosas escolas iniciáticas, onde homens e mulheres eram tratados em regime de igualdade sexual e rigor absoluto no trato pedagógico, como nos relata Will Durant [24]:

“Para os estudantes em geral, Pitágoras estabelecia um regime que quase transformava a escola em mosteiro. Os membros prestavam juramento de lealdade tanto para com o Mestre como de uns para com os outros. A tradição é unânime em afirmar que enquanto viviam na comunidade pitagórica adotavam a comunhão de bens. Não podiam comer carne, ovos ou favas. O vinho era proibido, e a água recomendada – o que seria uma perigosa prescrição na baixa Itália de hoje. (…) Os membros da escola não tinham permissão para matar animais, agredir seus semelhantes ou destruir uma árvore plantada. Eram obrigados a vestir-se com simplicidade e portar-se modestamente, ‘não se entregando jamais ao riso, sem, entretanto, se mostrarem carrancudos’. Nào podiam jurar pelos deuses, pois ‘todo homem deve organizar sua vida de modo a que lhe dêem crédito sem haver necessidade de juramentos’. Não podiam ofertar vítimas em sacrifício, mas podiam orar em altares não maculados pelo sangue. Ao fim de cada dia faziam exame de consciência para verificar se haviam cometido erros, quais os deveres negligenciados e quais as boas ações praticadas.

O próprio Pitágoras, a não ser que fosse um ótimo comediante, seguia esses regulamentos com o maior rigor do que qualquer aluno. Seu método de vida conquistou tal respeito e autoridade entre os discípulos que nenhum ousava queixar-se daquela ditadura pedagógica e o autus epha (ipse dixt – (“ele o disse”) tornou-se a fórmula por eles adotada como ponto final em quase todos os campos do comportamento ou da teoria. Conta-se, com tocante respeito, que o Mestre jamais tomou vinho durante o dia, que se alimentava quase só de pão e mel, adotando os vegetais como sobremesa; que sua túnica mantinha-se sempre alva e imaculada e que nunca se soube que ele de houvesse excedido na mesa, ou praticado o amor (sexo fútil); que nunca cedia ao riso, à galhofa ou à tagarelice; que nunca sua mão se ergueu contra alguém, nem mesmo contra um escravo. Timão de Atenas imaginou-o ‘um prestigitador de sermões solenes, empenhado na pesca de homens’, mas entre os seus mais dedicados adeptos achavam-se sua esposa Teano e sua filha Damo, que podiam facilmente cotejar sua filosofia com sua vida real. A Damo, diz Diógenes Laércio, ‘confiou ele os seus Comentários, recomendando-lhe que não os divulgasse a ninguém fora de casa. E ela, que podia ter vendido esses discursos por muito dinheiro, não o fez, pois considerava a obediência às ordens do pai mais valiosa do que o ouro – embora fosse mulher.’

 

A iniciação para a sociedade pitagórica exigia, além da purificação do corpo pela abstinência e pelo domínio de si próprio, a purificação do espírito pelo estudo científico. O novo discípulo deveria manter durante os cinco primeiros anos o ‘silêncio pitagórico’, aceitar os ensinamentos sem perguntas ou objeções – antes de ser considerado membro definitivo, ou lhe ser permitido ‘ver’ Pitágoras. (Este ‘ver”, ao que parece, significa beber as lições diretamente dos lábios do Mestre.) Os estudantes eram divididos em exoterici, ou alunos externos, e esoterici, ou membros internos. Estes tinham direito à sabedoria secreta e pessoal do Mestre. Quatro matérias formavam o currículo: geometria, aritmética, astronomia e música.

 

(…) O universo, diz Pitágoras, é uma esfera viva, cujo centro é a Terra (para o o observador). A Terra também é uma esfera, girando, como os planetas, do oeste para o leste. A Terra, aliás, todo o universo, se divide em cinco zonas – ártica, antártica, inverno e equatorial. A lua torna-se ora mais ou menos invisível conforme sua parte iluminada pelo sol se ache mais ou menos voltada para a Terra. os eclipses da lua são causados pela posição da Terra, ou outro corpo, entre alua e o sol. Pitágoras, diz Diógenes Laércio,, ‘foi a primeira pessoa que atribuiu forma redonda à Terra, e que deu ao mundo o nome de kosmos’.

Tendo, com essas contribuições à matemática e à astronomia, feito mais do que qualquer outro homem para estabelecer a ciência na Europa, Pitágoras passou à filosofia. A palavra em si é ao que parece uma de suas criações. Rejeitou ele o termo sophia, ou sabedoria, como pretensioso, e denominou a seu sistema de busca de conhecimentos, philosophia – amor da sabedoria. No século VI aC. filósofo e pitagórico eram sinônimo.”

O historiador que escreveu essas linhas sobre Pitágoras, assim como suas fontes contemporâneas, embora admiravelmente eruditos, não possuíam a maturidade da dimensão espiritual para avaliar o caráter e o aspecto esotérico da obra do grande Mestre grego. Percebemos isso claramente quando ele fala da disciplina iniciática e das idéias pitagóricas sobre evolução espiritual e também quando confunde a lei da reencarnação com a crença na metempsicose. A metempsicose sempre foi usada no Oriente como forma de terrorismo mítico-sacerdotal para com as massas ignorantes. Essa confusão de conceitos pode ter sido utilizada de forma proposital na escola de Pitágoras, para testar os novos alunos sobre a receptividade da idéia de reencarnação, conceito ainda hoje complexo para espíritos imaturos, e prepará-los para a transição entre o conhecimento ex otérico (externo e aparente) ao esotérico (interno e real). Mesmo assim, Durant nos dá curiosas informações  sobre ele:

“Nesse ponto a mística de Pitágoras, haurida no Egito e no Oriente Próximo entregou-se aos mais  livres devaneios. A alma, acreditava ele, dividia-se em três partes: sentido, intuição e razão. O sentido centralizava-se no coração; a intuição e razão, no cérebro. Sentido e intuição encontram-se tanto nos animais como nos homens; a razão só ao homem pertence e é imortal. Depois da morte a alma passa por um período de purgação no Hades; em seguida regressa à Terra e penetra em outro corpo, numa cadeia de transmigração que só termina com uma existência perfeitamente virtuosa. Pitágoras divertia-se, ou talvez maravilhasse, seu adeptos contando-lhes que nas precedentes encarnações ele fora, primeiro, uma cortesã e, depois, o herói Euforbo; dizia lembrar-se nitidamente de suas aventuras no cerco de Tróia, e reconheceu num templo de Argos, a armadura que havia usado na existência anterior.  Ouvindo o ganir de um cão espancado, correu-lhe em socorro, afirmando Ter reconhecido em seus uivos a voz de um amigo morto.”

OS VERSOS DE OURO DE PITÁGORAS

  1. Honra em primeiro lugar os deuses imortais, como manda a lei.
  2. A seguir, reverencia o juramento que fizeste.
  3. Depois os heróis ilustres, cheios de bondade e luz.
  4. Homenageia, então, os espíritos terrestres e manifesta por eles o devido respeito.
  5. Honra em seguida a teus pais, e a todos os membros da tua família.
  6. Entre os outros, escolhe como amigo o mais sábio e virtuoso.
  7. Aproveita seus discursos suaves, e aprende com os atos dele que são úteis e virtuosos.
  8. Mas não afasta teu amigo por um pequeno erro.
  9. Porque o poder é limitado pela necessidade.
  10. Leva bem a sério o seguinte: Deves enfrentar e vencer as paixões.
  11. Primeiro a gula, depois a preguiça, a luxúria, e a raiva.
  12. Não faz junto com outros, nem sozinho, o que te dá vergonha.
  13. E, sobretudo, respeita a ti mesmo.
  14. Pratica a justiça com teus atos e com tuas palavras.
  15. E estabelece o hábito de nunca agir impensadamente.
  16. Mas lembra sempre um fato, o de que a morte virá a todos.
  17. E que as coisas boas do mundo são incertas, e assim como podem ser conquistadas, podem ser perdidas.
  18. Suporta com paciência e sem murmúrio a tua parte, seja qual for.
  19. Dos sofrimentos que o destino determinado pelos deuses lança sobre os seres humanos.
  20. Mas esforça-te por aliviar a tua dor no que for possível.
  21. E lembra que o destino não manda muitas desgraças aos bons.
  22. O que as pessoas pensam e dizem varia muito; agora é algo bom, em seguida é algo mau.
  23. Portanto, não aceita cegamente o que ouves, nem o rejeita de modo precipitado.
  24. Mas se forem ditas falsidades, retrocede suavemente e arma-te de paciência.
  25. Cumpre fielmente, em todas as ocasiões, o que te digo agora.
  26. Não deixa que ninguém, com palavras ou atos,
  27. Te leve a fazer ou dizer o que não é melhor para ti.
  28. Pensa e delibera antes de agir, para que não cometas ações tolas.
  29. Porque é próprio de um homem miserável agir e falar impensadamente.
  30. Mas faze aquilo que não te trará aflições mais tarde, e que não te causará arrependimento.
  31. Não faze nada que sejas incapaz de entender.
  32. Porém, aprende o que for necessário saber; deste modo, tua vida será feliz.
  33. Não esquece de modo algum a saúde do corpo.
  34. Mas dá a ele alimento com moderação, o exercício necessário e também repouso à tua mente.
  35. O que quero dizer com a palavra moderação é que os extremos devem ser evitados.
  36. Acostuma-te a uma vida decente e pura, sem luxúria.
  37.  Evita todas as coisas que causarão inveja.
  38.  E não comete exageros. Vive como alguém que sabe o que é honrado e decente.
  39.  Não age movido pela cobiça ou avareza. É excelente usar a justa medida em todas estas coisas.
  40.  Faze apenas as coisas que não podem ferir-te, e decide antes de fazê-las.
  41.  Ao deitares, nunca deixe que o sono se aproxime dos teus olhos cansados,
  42.  Enquanto não revisares com a tua consciência mais elevada todas as tuas ações do dia.
  43.  Pergunta: “Em que errei? Em que agi corretamente? Que dever deixei de cumprir?”
  44. Recrimina-te pelos teus erros, alegra-te pelos acertos.
  45. Pratica integralmente todas estas recomendações. Medita bem nelas. Tu deves amá-las de todo o coração.
  46.  São elas que te colocarão no caminho da Virtude Divina.
  47.  Eu o juro por aquele que transmitiu às nossas almas o Quaternário Sagrado.
  48.  Aquela fonte da natureza cuja evolução é eterna.
  49. Nunca começa uma tarefa antes de pedir a bênção e a ajuda dos Deuses.
  50.  Quando fizeres de tudo isso um hábito,
  51.  Conhecerás a natureza dos deuses imortais e dos homens,
  52.  Verás até que ponto vai a diversidade entre os seres, e aquilo que os contém, e os mantém em unidade.
  53.  Verás então, de acordo com a Justiça, que a substância do Universo é a mesma em todas as coisas.
  54. Deste modo não desejarás o que não deves desejar, e nada neste mundo será desconhecido de ti.
  55.  Perceberás também que os homens lançam sobre si mesmos suas próprias desgraças, voluntariamente e por sua livre escolha.
  56.  Como são infelizes! Não vêem, nem compreendem que o bem deles está ao seu lado.
  57. Poucos sabem como libertar-se dos seus sofrimentos.
  58. Este é o peso do destino que cega a humanidade.
  59. Os seres humanos andam em círculos, para lá e para cá, com sofrimentos intermináveis,
  60. Porque são acompanhados por uma companheira sombria, a desunião fatal entre eles, que os lança para cima e para baixo sem que percebam.
  61. Trata, discretamente, de nunca despertar desarmonia, mas foge dela!
  62. Oh Deus nosso Pai, livra a todos eles de sofrimentos tão grandes.
  63. Mostrando a cada um o Espírito que é seu guia.
  64.  Porém, tu não deves ter medo, porque os homens pertencem a uma raça divina.
  65.   a natureza sagrada tudo revelará e mostrará a eles.
  66.  Se ela comunicar a ti os teus segredos, colocarás em prática com facilidade todas as coisas que te recomendo.
  67.  E ao curar a tua alma a libertarás de todos estes males e sofrimentos.
  68.  Mas evita as comidas pouco recomendáveis para a purificação e a libertação da alma.
  69.  Avalia bem todas as coisas,
  70.  Buscando sempre guiar-te pela compreensão divina que tudo deveria orientar.
  71.  Assim, quando abandonares teu corpo físico e te elevares no éter.
  72.  Serás imortal e divino, terás a plenitude e não mais morrerás.

(Os Versos de Ouro de Pitágoras. Hierocles de Alexandria. Versão de 1707 por N. Rowe traduzida em português por Carlos Cardoso Avelino – revista Planeta, dezembro de 2002)

16. A Verdade de Sócrates

É certo que o mundo grego foi o mais importante cenário do desenvolvimento da consciência racional. Os protótipos que ali apareceram não só fizeram importantes descobertas nesse terreno vivencial, mas ampliaram também nessa fase o hábito da reflexão, da sistematização do conhecimento, bem como seus principais modelos de ética e comportamento. A síntese da enigmática sabedoria sacerdotal egípcia, da ciência dos caldeus, da magia dos persas  e do ocultismo dos hindus vai manifestar-se na Península Balcânica na forma de uma cosmogonia inquieta, inconformista e investigativa. Religião, mitologia, ciência e filosofia  formam ali uma unidade, um só universo em conjunto.  Essa síntese está presente no importa nte conceito de Moira ou Destino, que representou para os gregos uma lei universal, um princípio que conduz a tudo e a todos:

 “ …ali estava a idéia da lei, tão superior ao imprevisível arbítrio pessoal, lei que haveria de marcar a diferença principal entre a ciência e a mitologia, tanto quanto entre o despotismo e a democracia. Os homens tornaram-se livres quando reconheceram que estavam sujeitos à lei. Que os gregos, o quanto pudemos averiguar, foram os primeiros a atingir essa compreensão e essa liberdade, tanto no terreno filosófico como no governamental, constitui o segredo de suas realizações e de sua importância na história.

(…) Duas correntes atravessavam paralelas a história da filosofia grega: uma naturalista, a outra mística. Esta nasceu com Pitágoras, e vai através de Parmênides, Heráclito, Platão e Cleanto até Plotino e São Paulo; a naturalista teve o seu primeiro representante em Tales, e prosseguiu, através de Anaximandro, Xenófanes, Protágoras, Hipócrates e Demócrito, até Épicuro e Lucrécio. De quando em quando algum espírito – Sócrates, Aristóteles ou Marco Aurélio – misturava as duas correntes, numa tentativa de devassar a informulável complexidade da vida. Mas mesmo nesses homens a força dominante, característica do pensamento grego, era o amor e a busca da razão.”

Sócrates era filho de uma parteira com um escultor. Essas habilidades dos seus pais dariam ao mais polêmico de todos os filósofos a marca única de um constante facilitador da sabedoria, nunca assumindo a postura de sábio ou mestre. Seu estilo decepcionava aqueles que buscavam nele respostas prontas e modelos acabados de filosofia. Seu hábito de responder uma pergunta fazendo outra pergunta irritava os que, como Hípias, não podiam conceber a idéia de que o verdadeiro conhecimento é sempre uma experiência pessoal intransferível e que só pode ser compartilhado em alguns aspectos e não na sua integralidade:

“Por Zeus, Sócrates, não saberás responder-me enquanto tu mesmo não declarares o que pensas da justiça; porque não é bastante que te rias dos outros, interrogando e confundindo a todos, enquanto te recusas a dar explicações a quem quer que seja ou a declarar tua opinião sobre qualquer assunto.”

Os discípulos de Sócrates, grávidos de idéias e conceitos ainda mal formulados, passavam por um doloroso trabalho de parto e conseqüentemente tinham que aperfeiçoar suas concepções até que elas atingissem uma estrutura segura de sobrevivência. Era uma dupla arte de fazer parir e criar:

“É muito justa a queixa constantemente lançada contra mim de que faço perguntas aos outros e sou incapaz de respondê-las. A razão está em que o deus me obriga a ser parteiro, mas proíbe-me de dar à luz.”

Sua coragem de lidar serenamente com os dilemas existenciais foi resultado, não de teorias, mas de experiências reais e cotidianas. Perdeu o medo de viver porque fez uma opção de  buscar e ter somente o que era essencial. Certa vez, ao visitar o mercado de Atenas, Sócrates constatou com simplicidade e lucidez: “Como são numerosas as coisas de que eu não preciso”. Perdeu o medo da morte lutando como hoplita na Guerra do Peloponeso. Ao contrário do covarde e fanfarrão Demóstenes, que ao estrear num batalha e ouvir os primeiros gritos de combate, largou seus equipamentos  fugiu horrorizado.  Sócrates destacou-se bravamente nas batalhas de P otidéia e Délio, contra os ferozes espartanos, passando frio, fome e toda sorte de necessidades. Era um homem grego comum nos hábitos culturais, nos defeitos e nas aparências, mas de um caráter e de uma autenticidade rara e notável, muitas vezes desconcertante: “Foi ele, realmente, o mais sábio, o mais justo e o melhor de todos os homens que conheci”, escreveu Platão.

Mas sua franqueza e total despreocupação com os interesses menos dignos o colocava sempre em perigo. A lista de inimigos foi tão grande e gratuita como a dos seus inimigos, pois Sócrates era a própria expressão e o espelho da torturante contradição humana, com a diferença que se assumiu como tal e desenvolveu  uma incômoda, para os outros, auto- aceitação. Era ao mesmo tempo a ordem e o caos, a harmonia e o desequilíbrio, a razão e o contra-senso, o ser e o não ser. Xenofonte afirmava que o contato pessoal com o filósofo era um prazer inigualável e que tal conversa, em qualquer circunstância ou sobre qualquer assunto, só trazia benefícios ao interlocutor. Quem conversava com Sócrates sofria o impacto de quem nunca se viu num esp elho. Naquele instante tinha início o despertar da consciência, um caminho sem retorno que poderia ser experimentado pelo prazer ou pela revolta. Ao relatar sua experiência com Sócrates, o belo e volúvel Alcebíades deixa transparecer que sofrera um dano irreversível:

“Quando ouvimos qualquer outro homem falar, ainda que seja tido como hábil dialético, suas palavras, em comparação com as tuas, não produzem o mínimo efeito em nosso espírito; entretanto, até os fragmentos de tuas palavras, Sócrates, ainda que de segunda mão e imperfeitamente transmitidos, assombram e arrebatam as almas de todos os homens, mulheres e crianças que as ouvem…E estou certo de que se não tivesse tapado os ouvidos e fugido à sua voz de sereia, Ter-me-ia conservado preso a seus pés até a velhice… Senti em minha alma, ou em meu coração…a maior das ânsias, mais violenta na ingênua mocidade do que a picada das serpentes – a ânsia da filosofia… E vós, Fedro, Agáton, Erixímaco, Pausânias, Aristodemo, Aristófanes, vós todos , sim, e não é necessário dizer que Sócrates também, todos vós haveis experimentado a mesma loucura e a mesma paixão pela filosofia.”

Para alguns, Sócrates era a cura e para outros a doença, pois sua sabedoria era como concupiscência sugerida pela Serpente, um perigo que ameaçava sempre as bases frágeis da cultura mitológica e da tradição policiada pelo stablishment. Sua ousadia em “corromper” as mentes juvenis e “subverter” os costumes políticos só poderia ser punida, mesmo que simbolicamente, com algo à altura do seu veneno filosófico: a cicuta. Sócrates era um eterno problema para os atenienses, inconveniente até mesmo para ser eliminado. Seu exílio pelo ostracismo poderia despertar no povo o desejo de buscar novos ares e esvaziar  a indústria e o comércio local. Sua prisão poderia ser uma prova de que o Estado era um erro e a democracia um equívoco. Deram-lhe, inclusive, a opção de fuga, mas Sócrates se rec usou, pois não gostaria de fugir de si mesmo. Então, o condenaram à morte. Mas como matar alguém que não teme a morte e zomba dos incrédulos até os últimos instantes da existência? José Américo da Motta Pessanha[25] nos conta como foi esse histórico confronto final entre a Tradição e a Verdade e como foram os inesquecíveis os últimos momentos de Sócrates entre os mortais:

 ‘Não foi por falta de discursos que fui condenado, mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido mais agradável, Sócrates lamentando-se, gemendo, fazendo e dizendo uma porção de coisas que considero indignas de mim, coisas que estais habituados a escutar de outros acusados’.

Sustenta-o uma certeza: mais difícil do que evitar a morte é ‘evitar o mal, porque ele corre mais depressa que a morte’. Quanto a esta, apenas pode ser uma destas duas coisas:

‘Ou aquele que morre é reduzido ao nada e não tem mais qualquer consciência, ou então, conforme ao que se diz, a morte é uma mudança, uma transmigração da alma do lugar onde nos encontramos para outro lugar. Se a morte é a extinção de todo o sentimento e assemelha-se a um desses sonos nos quais nada se vê, mesmo em sonho, então morrer é um ganho maravilhoso. (…) Por outro lado, se a morte é como uma passagem daqui para outro lugar, e se verdade como se diz, que todos os mortos aí se reúnem, pode-se, senhores juízes, imaginar maior bem?

Apoiado nessas hipóteses – as únicas existentes a respeito de um fato que não permite certezas racionais –  o setuagenário Sócrates despede-se, tranquilo, de seus concidadãos: ‘Mas eis a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, enceto o deus”.

A execução da pena teve de ser adiada por trinta dias. Como acontece todos os anos, um navio oficial havia sido enviado ao santuário de Delos para comemorar a vitória de Teseu, o herói mitológico ateniense, sobre o Minotauro, o terrível monstro que habitava o labirinto de Creta e se alimentava de carne humana. Enquanto o navio não regressasse de sua missão sagrada, nenhum condenado podia ser executado.

(…) Mas o barco está prestes a retornar de Delos. Na véspera de sua chegada, um dos amigos avisa Sócrates: ‘Amanhã terás de morrer’. O mestre não se perturba: ‘Em boa hora, se assim desejarem os deuses, assim seja’. Suplicam-lhe que aceite a fuga que os amigos haviam preparado. Sócrates recusa e explica: a única coisa que importa é viver honestamente, sem cometer injustiças, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida. Ninguém, nem os amigos consegue convencê-lo a abdicar de sua consciência. Entra a mulher de Sócrates, Xantipa, trazendo os filhos para a despedida. Sócrates permanece sereno. Finalmente chega o carcereiro com a cicuta. Imperturbável, Sócrates toma o vaso que lhe é oferecido de um só gole bebendo todo o veneno. Os amigos soluçam. Mas ele ainda os anima:

 

 ‘Não, amigos, tudo deve terminar com palavras de bom argúrio: permanecei, pois, serenos e fortes’.

 

Ao sentir os primeiros efeitos da cicuta, Sócrates se deita. Aquele que sempre indagara sobre o significado das palavras e dos valores que regiam a conduta humana e investigara o sentido dos costumes e das leis que governavam a cidade buscava a consciência nas ações e nas afirmativas, mas não pretendia se subtrair às normas estabelecidas e às exigências dos preceitos e das instituições sociais e políticos. Porque não traíra sua consciência, preferira a morte a declarar-se culpado. Mas porque respeitava a lei não quisera fugir da prisão. Suas últimas palavras ainda um testemunho dessa dupla fidelidade: a si mesmo e aos compromissos assumidos. Dirige-se a um dos amigos presentes, lembrando-lhe que deviam um sacrifício ao deus Asclépio. E morre.”

17. O Homem Metafísico

 “Oxalá…fosse capaz de revelar a natureza do Homem como descrevo a sua figura.” – Leonardo Da Vinci

Sob a influência da civilização greco-romana o Homem atingiu um grau mediano de verticalização do seu corpo espiritual, uma graduação que poderíamos classificar, grosso modo, de 45 graus da sua consciência potencial. Entre a recuada época de Sócrates e o tempo de Apolônio de Tiana, provavelmente um contemporâneo de Jesus, podemos afirmar que demos uma grande passo na longa conquista de virtudes  rumo ao nosso Reino Interior.  Isso se deu através das mais sublimes experiências do conhecimento racional, na filosofia, nas ciências, nas artes e na organização política dos helenos.   Mas a herança biológica e o comportamento teológico ainda falavam alto na sua natureza íntima e os próprios gregos dera m início aos abusos e limites dessa razão cujo ápice seria expressada na civilização romana. O espírito cooperativo do genos e do pather familias também teve seus dias gloriosos na simplicidade da vida rural romana, mas, na Itália, a organização política fez um percurso bem mais rápido e inquieto: da monarquia para o Estado republicano e deste para o Império. Roma tornou-se uma poderosa máquina de guerra e de escravidão. Nessa civilização o Homem conheceu o seu ponto alto, na medida em que cultivava o modelo cultural grego, mas também a sua mais curiosa expressão de decadência, a guerra e o imperialismo. Segundo a lenda, os fundadores de Roma são descendentes de Enéas, que saiu de Tróia para refazer a vida na península que os gregos chamavam de Magna Grécia, a parte oriental da Itália. Roma não dava um passo sem antes consultar a sabedoria e a tradição gregas. Os melhores preceptores dos filhos da aristocracia patrícia eram os pedagogos escravos helenos. Quando a plebe iniciou suas revoltas em busca de direitos sociais, o senado romano apressou-se a pesquisar como os gregos tinham solucionado o problema no tempo dos famosos legisladores atenienses. Quem não se lembra da semelhança entre os deuses gregos e os seus similares na mitologia romana?   Quem não compara as tricas forenses de Demóstenes e Ésquines com acusações públicas entre Cícero e Catilina? É claro que a civilização romana optou pelo pragmatismo e por uma supremacia mais forte do Estado sobre o indivíduo. Isso inibiu ali o surgimento de talentos raros como Sócrates, Aristóteles ou Platão, mas Roma também deu ao mundo personagens com Sêneca, Ovídio,Tácito, Virgílio, Horácio, Quintiliano e Tito Lívio. Seus estadistas são até hoje os melhores modelos de exemplar integridade e eficiência ou então de vergonhosa corrupção e incompetência no trato com a “coisa pública”.   Como disse um dos evange listas, Roma conquistou o mundo, mas perdeu a própria alma caminhando inevitavelmente para a decadência. Um dos lances mais interessantes da sua queda  seria  o choque com o advento do Cristianismo. Roma não poderia suportar uma ideologia vinda das camadas baixas da população, algo tão inteligente e avançado, a ponto de comprometer a ordem estabelecida com tanto esforço nos séculos anteriores. O orgulho romano era o reflexo mais autêntico da pré-adolescência da Humanidade e tal característica manifestou-se na violência insensata contra Jesus e os mártires cristãos, cujo comportamento pacífico e diferenciado era visto como uma afronta aos seus valores agressivos e impiedosos. O choque do sistema escravista romano com o humanismo cristão teve o resultado que todos nós conhecemos: o lento declínio da civilização e o recuo inevitável à vida feudal, visando a preservação da família romana. Mas cristia nismo primitivo, cuja simplicidade de conceitos e coragem dos mártires conquistaram as massas desorientadas logo sofreu o golpe da cooptação institucional. A experiência política sacerdotal romana apropriou-se da filosofia de Jesus e das idéias eclesiásticas dos seus primeiros seguidores para estruturar um novo modelo de clero e de religião. A idéia era a fusão, numa estrutura de dogmas, do carisma cristão com  o espetáculo estético das cerimônias romanas. O toque final desse perverso sincretismo[26] seria dado pelos costumes e rituais das tribos bárbaras que iam sendo convertidas ao novo sistema de crenças. Foi assim que a figura humilde d o apóstolo Pedro foi transformada na arrogante imagem do Pontifex Máximus; Pedro, depois de morto, tornou-se São Pedro, o primeiro  papa de uma igreja que ele nunca conheceu quando vivo.  As cartas de Paulo para as comunidades cristãs passaram a ser vistas, não como fonte de ensinamentos, mas como objetos de autenticação do novo instituto do sacerdócio oficial. Paulo também foi transformado em São Paulo, o ideólogo principal da Igreja Católica Apostólica Romana. Roma caiu, mas a sua  religião e seu corpo clerical permaneceram quase que intactos.

Agora a sociedade ocidental ficaria longos séculos sob a tutela da Igreja Católica. A Roma cristã transfigurou-se numa instituição religiosa totalitária e dogmática, cuja função era substituir o antigo Estado no controle social e domar as feras bárbaras que buscavam refúgio nas terras mais prósperas do Ocidente. As inteligências brilhantes desapareceram por um longo período de cativeiro rural e cederam espaço para as mentes mais perversas e medíocres, protegidas por um grande sistema político-sacerdotal.  A razão estava sob vigilância policial constante, pois era vista como a responsável pela situação de castigos e punições que Deus havia estabelecido na Terra. O Demônio, antes uma mera faceta neutra da personalidade humana, assume agora ares de entidade de grande importância, tanto no imaginár io popular quanto na teologia da classe sacerdotal. De simples figurante no cenário da mitologia celeste, Satã passa a ter um papel de grande destaque no enredo histórico das misérias humanas. Ele será a figura central do episódio do Pecado Original e este a base de toda a estrutura de manipulação e escravização da consciência humana.  A inteligência integral está acuada.  Para as pessoas de talento e imaginação fértil não há outra alternativa senão ingressar nas lides do sacerdócio para fugir da marginalização. Mesmo assim, havia riscos gravíssimos para a integridade física e psicológica. Viver nesse momento histórico era perigoso; pensar poderia ser fatal.  Nessa época, na chamada Idade Média, o mundo ocidental estava isolado por dois inimigos bem definidos: um inimigo externo, projetado nas ameaças políticas e ideológicas das civilizações bizant ina e muçulmana, contaminadas pelas heresias e pela infidelidade; e um inimigo interno, projetado na figura mitológica de Satã, que assumia todas as culpas das desgraças naturais e conseqüências nefastas dos atos humanos, causadas pelas idéias pecaminosas.  A Inquisição e o Tribunal do Santo Ofício foram criados nos moldes totalitários romanos exatamente para funcionar como anticorpos políticos desse universo obscuro.  O Homem Lógico-racional não existe mais e dele só restaram lembranças  e algumas experiências que foram incorporadas na prática social, como as do Homem Biológico e do Homem Teológico. As lembranças mais significativas do Homem Lógico-racional foram depositadas nos livros e estes se tornaram segredos guardados a setes chaves nos mosteiros medievais. Apenas algumas mentes privilegiadas tinham acesso a essas preciosidades e, quando conven iente, esses conhecimentos eram criminosamente adulterados pelos copistas engajados na nova ordem teocêntrica.

Mas as crises também são impiedosas e não toleram a rotina do tempo e a mesmice do comportamento humano. O feudalismo foi sendo corroído pela fome, pela peste, pelas guerras e também pela força expansionista do capitalismo nascente. Os duzentos anos em que se empreenderam as Cruzadas foi o ponto de apoio para o surgimento de uma nova mentalidade que iria quebrar o isolamento da Europa. O comércio, comandado pela cultura pragmática dos judeus e logo assimilada pelo desejo de prosperidade da pequena burguesia, daria ao mundo ocidental um novo tipo humano, liberto dos dogmas e dos pesadelos da razão. É o Homem Metafísico, o renascimento e ao mesmo tempo a ressurreição do Homem Racional, trazendo consigo o acréscimo das marcas do universo mágico pré-histórico e  o misticismo teológico das primeiras civilizações.  Se a Itália havia sido cenário da morte da Razão ela também seria o palco da volta à carne e do ressurgimento de um novo  ser, agora transformado e mais experiente. Este é o ser típico da longa transição do feudalismo para o capitalismo, uma dos mais empolgantes momentos da trajetória humana, cujos protótipos encontramos  mais tarde em figuras geniais da Ranascença. Leonardo da Vinci busca decifrar os enigmas da perfeição humana; Rafael de Sânzio, Michelângelo, El Grecco e Caravaggio deixam-se levar pela intuição e pintam as mais belas expressões da nossa imagem e semelhança com Deus;  Shakspeare desvenda o psiquismo nos conflitos dos seus célebres personagens consigo mesmos; Luís de Camões – a quem Erasmo de Roterdã deu a honra de aprender português para ler seus texto no original – can ta como Homero,  a inquietação dos luzitanos  em diminuir as distâncias geográficas do planeta; Jan Huss e Giordano Bruno perdem suas existências, mas salvam suas vidas em nome da liberdade de consciência; Guttemberg e Aldo Manúzio enchem os olhos humanos de cultura e conhecimento com suas letras impressas em livros;  Miguel de Servet  estuda ávidamente a máquina do corpo humano; Kepler , Galileu, Isaac Newton observam, deslumbrados, a grandeza e a perfeição do Cosmos; Comênius preocupa-se com os mistérios que rondam o universo da infância, no tocante ao problema do ensino e da aprendizagem. Todos eles e muitos outros, cada qual no seu campo de conhecimento e de atuação social,  causariam profundas mudanças no meio em que viveram, avançando mais alguns graus na verticalização da consciência. Dentre todos, Leonardo da Vinci foi talvez o mais inquieto, aquele que buscava a verdade sob os mais diversos aspectos e caminhava em mão dupla: aquilo que não podia compreender através da pesquisa transformava-se em expressão artística e vice-versa. Sua visão metafísica do ser humano, bem como e seu fascínio tecnológico e estético pela nossa máquina física, podem ser admirados tanto nos quadros, quanto nos ensaios registrados em manuscritos, como este:

“O homem foi chamado pelos antigos de um mundo menor, e de fato o termo é corretamente aplicado, vendo-se que o homem é composto de terra , água, ar e fogo, esse corpo da Terra é o mesmo. E como o homem tem dentro de si ossos como sustentáculo e estrutura para a carne, também o mundo tem a s rochas que são os sustentáculos da Terra; e como o homem tem dentro de si uma poça de sangue com a qual os pulmões quando ele respira se expandem e contraem, também o corpo da terra tem o seu oceano, que também sobe e desce a cada seis horas com a respiração do mundo. Como da dita poça de sangue vêm as veias que espalham suas ramificações pelo corpo humano, da mesma forma o oceano enche o corpo da Terra com um número infinito de veios d’água”.

Em outro trecho Leonardo já revela sua inequívoca intuição sobre o papel do cérebro e sua função de instrumento de comando, pela mente, de todas as atividades orgânicas:

“Os tendões, com seus músculos, servem aos nervos como os soldados servem aos seus chefes; e os nervos servem ao sensorium commune[27] como os chefes a seus capitães; e o sensorium commune serve à alma como o capitão ao seu senhor. Assim, por conseguinte, a articulação dos ossos obedece ao tendão, e o tendão ao músculo, e o músculo ao nervo, e o nervo ao sensorium commune, e o sensorium commune é a sede da alma,  a memória seu monitor, e a faculdade de receber impressões serve como seu padrão de referência.”

Através de ousadas incursões teóricas feitas por esses gênios da Renascença, a perspectiva racional foi enriquecida pela visão metafísica e pela possibilidade de acesso, ainda que restrito, aos mistérios do mundo oculto, além da matéria densa.  É claro que esse preço foi pago pela ousadia e pela inteligência de alguns poucos que possuíam, numa sociedade ainda obscura e profundamente desigual, as características do mundo do futuro. Muitos pagaram esse preço com a própria existência, como se devessem testemunhar a imortalidade que traziam estampada em suas obras, com o próprio sangue.  Foi desse momento emblemát ico da História humana que mais tarde sairiam os mais  importantes conceitos de ética e liberdade delineados pelos filósofos iluministas. Eles eram os seres de transição do Homem Metafísico da Idade Moderna para o Homem Positivo da Era Contemporânea.

18. O Homem Positivo

“Toda efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.” – Allan Kardec

A velocidade dos tempos modernos e a competição capitalista trouxeram de volta o individualismo greco-romano, tanto no seu sentido crítico como no seu aspecto prático.  A França e a Inglaterra  serão os dois principais modelos de Estados Modernos, cultos e racionalizados  ao extremo. Desde a Renascença seus filósofos  vieram conspirando silenciosamente contra os resquícios do universo feudo-clerical. Não foi coincidência que dessas duas civilizações tenham brotado os dois mais significativos eventos da modernidade. Primeiro, a Revolução Industrial, o motor econômico impulsionador da sociedade burguesa e responsável pela consolidação do capitalismo. Os  pragmáticos inventores  e suas máquinas geniais surgiram da necessidade de maior produção, da sede de lucros e do reconhecimento social de uma classe que há muito vinha sendo desprezada pela nobreza. Estava em jogo , inclusive, a salvação da alma. Segundo a mais antiga tradição dos cristãos protestantes, o trabalho e a prosperidade seriam fortes indícios de que Deus estaria escolhendo os seus eleitos modernos.  O segundo evento foi a Revolução Francesa, o movimento político da burguesia contra o autoritarismo do Antigo Regime, ou seja, a injusta e desequilibrada sociedade dos três estamentos: o clero, a nobreza e o “resto” (burguesia e povo). As diferenças não estavam apenas nas anomalias dos privilégios sociais, mas claramente nos dados numéricos da população. Os monarcas absolutistas governavam sentados sobre um barril de pólvora que poderia explo dir a qualquer instante: No século XVIII cerca de 98% da população francesa vivia submetida aos caprichos de uma minoria de 2%.  Como a França era a mais influente vitrine do absolutismo, os efeitos da revolução seriam catastróficos em toda Europa, bem como no mundo colonial. Tudo estava a favor da devastação revolucionária: povo faminto e insatisfeito, armas acessíveis e, sobretudo, idéias muito explosivas.  Dessas duas rupturas que destruíram o Antigo Regime (as monarquias absolutas, os estamentos sociais, o mercantilismo e o sistema colonial) surge o novo tipo humano, cujo papel era trazer de volta ao chão os pés do Homem Metafísico, um ser em fuga, geralmente deslumbrado com a grandeza do universo. Os iluministas ainda possuíam fortes traços metafísicos e viviam em permanente estado de conflito entre a Utopia e a Razão, entre o sonho aristocrático a dura realidade capitalista burguesa. Após os anos explosivos da Bastilha e da expansão napoleônica surge um século bastante diferente dos anteriores e muito marcante para as décadas futuras: o século 19 foi o século perigoso, o século da Ciência, do materialismo, do desencanto e do absinto. A burguesia venceu sua batalha racional e dela nasceria o Homem Positivo, o demolidor de tradições místico-religiosas, empunhando a marreta da pesquisa científica e da lógica de causa e efeito. Como personagens do Apocalipse, eles surgem dos laboratórios e dos gabinetes dispostos a varrer os escombros da demolição iniciada por Voltaire e os subversivos da ilustração. Darwin e Spencer, protótipos positivos,  fecham a Bíblia nas páginas iniciais da Gênese Mosaica e afirmam que Adão nunca existiu e que somos produtos de uma evolução seletiva da qual Deus foi apenas um espectador. Niestzche vai além e diz que Deus está morto. Marx demonstra que a História é um jogo dialético de classes sociais domi nantes e dominadas. Os socialistas utópicos são substituídos pelos científicos, que pretendem inverter à força essa perversa relação social. A Igreja reage e retrocede ainda mais no dogmatismo dizendo que o Papa é o  único representante da Divindade e que, portanto, é um ser infalível e acima dos homens comuns. Está instalada a confusão entre a fé  e a razão. É uma inimizade antiga na qual o clero, por exercer o status de estamento superior, havia acumulado vantagens e ódios massacrando inúmeras inteligências independentes. Mas a razão preparou um revide à altura desses abusos e deseja que a agonia da religião seja levada ao extremo da asfixia. Essa polarização da arrogância clerical e do orgulho dos filósofos e cientistas materialistas era a razão de ser do Homem Positivo. Sua vida era uma investigação contínua, incessante. Tudo tinha uma razão de ser e merecia uma explicação científica. O que é o sobrenatural? O que significam o oculto e o esotérico?  Eram meras hipóteses e estas precisavam ser submetidas ao teste positivo da ciência. Antes a ciência e o seu objeto de investigação se confundiam e acabavam confundindo o observador dos fenômenos, cujas explicações continuavam obscuras. Agora ela se separa do objeto e o pesquisador tenta estar o mais neutro possível. As questões sagradas e sobrenaturais do universo transcendente devem ser filtradas e trazidas para a esfera banal e natural da realidade do mundo imanente. Daí a necessidade da postura rígida, fria, calculista, cética, sem envolvimento emocional. As massas estão confusas, porém as elites continuam atentas. Nas primeiras décadas do século XIX as batalhas  entre a fé a e razão serão de provocações  inconseqüentes, mas ao que tudo indica elas serão mais  agressivas e contundentes na medida que o tempo avança para o futuro incerto. Entre 1815 e 1850, do Congresso de Viena até ao início da segunda metade do século, no terreno político internacional, predominou uma relativa calmaria em relação aos tumultuados anos anteriores. Mas no terreno ideológico havia uma efervescência constante nas disputas entre o socialismo e liberalismo, nacionalismo e reação conservadora. Antes que explodissem os conflitos de 1848 e que se estenderiam até duas grandes guerras mundiais do século seguinte, a guerra de idéias entre a fé a razão prosseguia indiferente aos acontecimentos. Eram posturas extremistas, sem possibilidade de equilíbrio: dogmas de fé versus dogmas de ciência. A diferença era apenas no colorido das paixões. Auguste Comte tentou sobreviver a esse caos ideológico, mas caiu na própria armadilha que armara para iludir religiosos falsos e falsos cientistas. Sua Igreja Positivista era a síntese patética dessa fusão h orrorosa entre o ceticismo e crença vazia das tradições dogmáticas. Mas os eventos de Hydesville dariam um novo rumo a esse acontecimento. Uma invasão organizada de inteligências invisíveis lançariam no cenário dessa guerra um fato novo, um paradoxo insofismável.  Sir Arthur Conan Doyle na sua “History of Spiritualism” relata que, tanto as mentes viciadas nas supertições e misticismos quanto aquelas protegidas pelo ceticismo, ficaram estupefatas com os fatos ocorridos inicialmente na residência dos Fox, uma família cujo chefe era um tranqüilo praticante metodista. Espíritos de “defuntos” estavam fazendo denúncias de crimes, como o assassinato de Charles B. Rosma, morto e emparedado num porão da casa para onde os Fox haviam se mudado. O filósofo J. Herculano Pires [28] interpreta esse período histórico como uma revolução no relacionamento e entre a espécie humana e a natureza:

“Somente na era moderna, porém, essa compreensão irá se tornar efetiva. Por que só então o espírito humano amadureceu o suficiente, para que a promessa do Consolador, do Paráclito, do Espírito da Verdade, possa se cumprir. É por isso que o espírito de Charles Rosma, ao comunicar-se em Hydesville, através da mediunidade das irmãs Fox, numa família metodista, não é mais tomado como demônio ou deus, mas como o espírito de um homem. Assim aceito, Rosma pode falar do seu estado, do seu passado, e dar indicações de sua passagem ocasional pela residência em que foi morto, bem como das condições dessa morte e dos indícios existentes no subsolo, que serão encontrados mais tarde.

Rosma pode ser tomado como um exemplo do fenômeno da transcendência humana, que assinala o aparecimento da mediunidade positiva. Não encontramos mais em Hydesville, o profeta bíblico, nem o oráculo ou o pagé, mas o médium, ou seja, o indivíduo humano que se tornou capaz de servir de intermediário entre seres espirituais e carnais, ambos da mesma natureza. Rosma, o mascate, morto na casinha de Hydesville, transcende sua condição material humana, mas continua humano no plano espiritual. De mascate, passa a espírito, e como espírito se comunica, graças à mediunidade das meninas Fox. Já não estamos mais no plano místico e misterioso do mediunismo, mas no plano científico, racional, da mediunidade positiva.”

Anos antes, numa comunidade protestante da Costa Leste, almas de índios pele-vermelha tomavam de assalto os corpos de mulheres e meninas shakers, para fazer profecias sobre essa invasão de seres invisíveis no mundo inteiro. Na Europa eles começaram atirando pedras em transeuntes nas ruas e depois passaram a imitar as reuniões das meninas Fox, na qual  comunicavam-se por meios de raps em mesas girantes. As batidas nas mesas funcionavam como telegramas vindos do Além. Em Paris, antes envolvida pela febre do magnetismo,  o assunto virou coqueluche e alvo da futilidade das reuniões sociais. Aquilo que o célebre Jacques Cazotte fazia nos círculos festivos da aristocracia, profetizando o destino trágicos dos convidados, agora era feito por qualquer grupo de pessoas sentadas em torno de mesa. Eles falavam com os Espíritos e estes tinham uma antiga fama de saber o passado e o futuro com a mesma habilidade.  Gente famosa como a escritora George Sand e o grande Victor Hugo participavam dessas reuniões sem o mínimo constrangimento e delas tiravam proveito diferenciado; com a ajuda de Madame de Girardin, iniciada nesses mistérios, travavam diálogo  aberto e reflexivo com aquilo que consideravam seus gênios protetores, como os antigos oráculos.  O que estava acontecendo? O mundo estava virando e ficando de cabeça para baixo?  Os tempos eram chegados?  Como ficaria a luta entre a fé a razão se a essência desse novo paradigma era um misto dessas duas coisas aparentemente antagônicas?  Como reagiriam os remanescentes do Homem Metafísico? E os Homens Teológicos do mundo clerical? E , finalmente, como se comportariam os Homens Positivos da Ciência materialista?  O Homem Racional greco-romano havia atingido 45 graus na escala da consciência  e os seus sucessores Metafísicos da Renascença e do Iluminismo talvez tenham avançado alguns pontos. Mas, no geral, havia acontecido uma estagnação. O desenvolvimento das ciências já deveria ter acelerado esse processo de auto-consciência, mas esse confronto com clero talvez tenha provocado um recuo aos 45 graus. Desde o século XV havia um impasse a ser solucionado e a equação do problema estava centralizado num debate entre a afirmação e a negação da mente. O cérebro reinava com todo o aparato acadêmico da poderosa Biologia darwiniana enquanto a mente permanecia estática no terreno da utopia e da ficção. Nem Bérgson nem Freud haviam entrado em cena para definir, desenhar  e refletir sobre organismo mental humano. No entanto, os fenômenos iniciados nos Estados Unidos em 1848 e espalhados pelo mundo levantavam um outro problema  que deslocava as discussões sobre esse assunto para um outro nível de investigação e debates. Os espíritos são consciências inteligentes cujo comportamento procurava demonstrar sua sobrevivência após a morte do corpo. Portanto, a discussão entre céticos e místicos  tornara-se totalmente inútil e  roubava a cena para outra discussões mais imediatas: o que são e quem são esses espíritos? Como e onde eles vivem? Quais as leis que regulam suas manifestações? Porque eles se manifestam agora com tanta intensidade. Os Homens Positivos estavam acuados: ou mentiam para si mesmos e negavam que tudo aquilo não existia ou então cairiam em si e direcionavam toda sua bagagem científica para explicar tais fenômenos. Quem se arriscaria?  E o prestígio acadêmico? E a perseguição clerical? Quem estava disposto a correr esses riscos? É claro que a Igreja já não era mais a mesma que não haveria uma fogueira inquisitorial a queimar o corpo, afinal  o Conde Cagliostro havia sido a última vítima desses abusos  em conluio com os Estados absolutistas. Mas o clero ainda mantinha grande influência sobre as instituições culturais que davam empregos a maioria dos pesquisadores. Alguns nomes tiveram essa ousadia de enfrentar o anátema clerical e deram provas públicas de amor incondicional  à Verdade, custasse o que custasse. A lista começava por conhecidos magnetizadores como Anton Mesmer, Du Potet, Puissegur, e percorria uma grande constelação de gênios acadêmicos: Willian Crookes, Sir Oliver Lodge, Alexander Aksakof, Cesare Lombrozo, Camille Flamarion, Ernesto Bozzano, Charles Richet, só para citar os mais celebrados. Muitos deles não desenvolveram vínculos filosóficos com o  Neo-espiritualismo e o Espiritismo, como mais tarde outros o fizeram, mas não recuaram diante dos fatos e das evidências que tinham pela frente. Enquanto algumas personalidades tidas como gênios das Ciências deram provas de imaturidade emocional e despreparo ideológico, esses nomes citados deram um importante passo em suas vidas porque perceberam que o que estava em jogo não eram suas reputações  mas suas consciências. Todos eles já haviam superado a marca dos 45 graus e queriam avançar muito além dos seus limites pessoais. Não estavam mais satisfeitos com suas características positivas e buscavam uma nova pedra filosofal que se delineava nos seus projetos íntimos para o futuro. Queriam amadurecer o fruto de um conhecimento que perseguiam há séculos e que só agora estavam compreendendo a sua devida importância. Mas nenhum deles teve um amadurecimento tão rápido com o Professor  L.H. Denizard Rivail, um pedagogo francês nascido em Lyon e educado no instituto de Yverdon, na Suíça, sob os cuidados de Jean-Henri Pestalozzi. Rivail era mais que um pedagogo: dominava os mais influentes idiomas e as principais atividades científicas do seu tempo. Muito antes que a grande maioria desses nomes citados se interessasse pelos estranhos fenômenos dos raps e das “mesas-girantes” Rivail já demonstra ser neste assunto um expert, assunto este que levava tão a sério, ou mais, do que a própria profissão que havia escolhido para ganhar a vida. Nas suas “Obras Póstumas” ele relata como foi a sua iniciação ao “Espiritismo”, palavra nova que ele criou especialmente para conceituar essa nova visão de mundo surgida a partir de fenômenos aparentemente sobrenaturais:

“Foi em 1854 que ouvi falar pela primeira vez das mesas girantes. Um dia encontrei-me com o Sr. Fortier, magnetizador que eu conhecia desde longo tempo. Disse-me ele: “Sabe o senhor da singular propriedade que acabam de descobrir no magnetismo? Parece que não são unicamente os indivíduos que se magnetizam, mas também as mesas, que podemos fazer girar e andar à vontade.” – É extraordinário, não há dúvida”, respondi-lhe. “Mas, em rigor, não é um fato que não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode muito bem atuar sobre os corpos inertes e fazê-los mover-se”. Os relatos publicados pelos jornais sobre as experiências feitas em Nantes, em Marselha e algumas outras cidades, não podiam deixar dúvida quanto à realidade do fenômeno.

Pouco tempo depois, tornei-me a encontrar-me com o Sr. Fortier, que me disse: “O fato é bem mais extraordinário. Não somente fazem girar a mesa, quando a magnetizam, mas fazem-na falar. Interrogam-na e ele responde.”

“Isto, retruquei eu, já é uma outra questão. Só acreditarei vendo, e quando me provarem que a mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula. Até lá, permita-me que considere isso um conto para fazer-nos dormir em pé.

Este raciocínio é lógico. Eu aceitava a possibilidade do movimento por uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do fenômeno, parecia-me absurdo atribuir inteligência a uma coisa puramente material. Estava na posição dos incrédulos de nossos dias, que negam porque apenas presenciam  um fato que não compreendem.

(…) No ano seguinte, no início de 1855, encontrei o Sr. Carlotti, meu amigo há 25 anos, que me falou desses fenômenos por cerca de uma hora com o entusiasmo que lhe despertavam todas as idéias novas. O Sr. Carlotti era corso, de natureza ardente e enérgica. Eu sempre havia apreciado nele as qualidades que distinguem uma grande e bela alma , mas desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espíritos e contou-me tantas coisas surpreendentes que, em vez de me convencer, aumentou minhas dúvidas. “Um dia serás um dos nossos”, disse-me. Ao que respondi: “Não digo que não. Veremos mais tarde.”

Algum tempo depois, em maio de 1858, eu estava em casa da sonâbula Sra. Roger, com O Sr. Fortier, seu magnetizador. Ali encontrei o Sr. Pântier e a Sra Plainemaison, que me falaram sobre aqueles fenômenos a que se referia o Sr. Carlotti, mas em outro tom. O Sr. Pântier era um funcionário público de meia idade, homem muito instruído, sério, frio e calmo. Sua linguagem pausada, isenta de quaisquer entusiasmos, causou-me viva impressão e, quando me convidou para assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grande-Batelière, nº 18, aceitei pressuroso. O encontro foi marcado  para uma terça-feira, às 8 horas da noite.

Ali, pela primeira vez, fui testemunha do fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não era possível haver mais dúvidas. Presenciei igualmente alguns ensaios, bastante imperfeitos, da escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias ainda não estavam definidas, mas ali estava um fato que devia ter uma causa. Entrevi, debaixo da aparente futilidade e da espécie de diversão que faziam com aqueles fenômenos, algo sério e como que a revelação de uma nova lei que prometi a mim mesmo investigar a fundo.

Dentro de pouco tempo surgiu-me a ocasião de observar mais atentamente do que houvera podido fazê-lo antes. Numa das reuniões da Sra Plainemaison conheci a família Baudin, que morava então à Rua Rochechouart. O Sr. Baudin convidou-me para assistir às sessões semanais que se realizavam em sua casa e às quais passei a ser, desde então, muito assíduo.

Estas reuniões eram muito freqüentadas; além dos assistentes habituais, admitiam sem dificuldades quem quer que o pedisse. Os dois médiuns eram as Srtas. Baudin, que escreviam numa ardósia com o auxílio da cesta, chamada pião, descrita no “Livro dos Médiuns”. Este método, que exige o concurso de duas pessoas, exclui qualquer possibilidade de participação das idéias do médium. Assim presenciei comunicações seguidas de respostas dadas a questões propostas, às vezes mesmo a perguntas feitas mentalmente, que faziam entrever, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha.

Os assuntos tratados eram, geralmente, frívolos. Ocupavam-se principalmente de tudo o que se referia à vida material, ao futuro, em suma, a nada de verdadeiramente importante. A curiosidade e o entretenimento eram o principal móvel dos assistentes. O Espírito que habitualmente se manifestava dava o nome de Zéphir, que estava perfeitamente de acordo com seu caráter e o da reunião. Todavia, era muito bom, e declarara-se protetor da família. Se muitas vezes sabia fazer rir, dava, quando necessário, bons conselhos e fazia uso, oportunamente, do dito mordaz e espirituoso. Em pouco travamos relações, dando-me ele, constantemente provas de grande simpatia. Não era um Espírito muito adiantado, porém, mais tarde, assistido por Espíritos superiores, ajudou-me nas minhas primeiras obras. Depois disse-me que ia reencarnar e nunca mais ouvi falar dele.

Foi ali que fiz meus primeiros estudos sérios sobre Espiritismo, mais pelas observações que pelas revelações. Apliquei à nova ciência, como sempre fizera, o método da experimentação. Jamais utilizei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava e deduzia as conseqüências. Através dos efeitos procurava chegar às causas pela dedução e o encadeamento lógico dos fatos, só admitindo uma conclusão como válida quando esta conseguia resolver todas as dificuldades da questão. Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores desde a idade de 24 a 26 anos. Compreendi, logo à primeira vista, importância da pesquisa que iria fazer. Vislumbrei naqueles fenômenos a chave do problema do passado e do futuro da Humanidade, tão confuso e tão controvertido, a solução daquilo que eu havia buscado toda a minha vid a. Era, em suma, uma revolução total nas idéias e nas crenças existentes. Era preciso, pois, agir com circunspecção, não levianamente. Ser positivo, não idealista, para não me deixar levar por ilusões.”

19. O Homem Psicológico

“A  não-violência é o primeiro artigo de fé. E também o último artigo de meu credo. Mas tive de fazer a escolha. Ou submeter-me a ela. Ou submeter-me a um sistema que considero um mal irreparável para o meu país, ou incorrer no risco de que o furor do povo irrompesse ao ouvir a verdade de meus lábios.” – Mohandas Gandhi.

O advento do sexto ser já é visto equivocadamente como a realização plena da Humanidade, isto porque os seus protótipos se destacaram pelo alto espírito de altruísmo e desprendimento dos interesses materiais. Na verdade todos esses seres experimentaram uma intensa luta interior entre o ego e a personalidade. Muitos deles, embora não demonstrassem, ainda identificavam em si mesmos alguns resquícios da presença do grande inimigo da evolução espiritual humana: o egoísmo. Obviamente com um senso auto-crítico muito mais aguçado, já tratavam essa tendência pessoal de forma mais harmônica, com uma aceitação tão convicta que pareciam ter completo domínio sobre o problema. O Narciso que traziam dentro de si há muito já agonizava e dava os últimos suspiros no esforço derradeiro de sobrevivência.  Não podiam mais resistir ao impulso da transformação que movimenta o mundo interior dos seres. Mesmo assim, essa auto-admiração, que era vinha sendo tratada com muito rigor, não merecia o desprezo que normalmente damos aos nossos defeitos nem a bajulação que damos às nossas possíveis virtudes. Ao perceberem alguma reação ou atitude que lembra o comportamento egoísta, geralmente numa situação altamente contraditória e de prova, esses seres buscam imediatamente o refúgio na humildade e na humilhação. Para eles esses são antídotos tão naturais e infalíveis como qualquer mecanismo de defesa adotado pelas formas vivas mais primitivas até as mais sofisticadas. Se a presa animal se paralisa bruscamente para frustrar o ataque do predador, o ser humano brando e pacífico geralmente desarma o seu agressor adotando uma inesperada forma de reação ao gesto agressivo e contundente: o amor e o perdão.  Para desenvolver essa habilidade intrapessoal é necessário muito esforço para impedir que o Ego se manifeste antes da personalidade. Trata-se de um controle obtido por esforços repetitivos, até que se transforme numa reação natural e não mais planejada. Como bem explicou e exemplificou Santo Agostinho, é assim que um defeito se transforma numa virtude.
Os grandes inimigos do ser humano da Era Digital é o narcisismo e o niilismo. O excessivo culto ao Eu e indiferença párea com a espiritualidade são os novos vírus mentais que o afastam da experiência transcendental.  Porém, livre dos exageros do ascetismo hipócrita ou das metodologias complexas da auto-ajuda, o ser humano atual pode trabalhar essa mudança de forma mais inteligente e prática, com a mesma simplicidade com que os mais antigos faziam. Humildade e humilhação não significam senão uma aparente anulação de si mesmo. Como nos ensinou um sábio Espírito, humildade é obediência, que é “uma concessão da razão”, e a humilhação é a resignação, “ que é uma concessão do coração”.  Para fazer essas concessões é necess ário ter muita coragem e disposição para vencer o mundo vencendo a si mesmo. Essas vitórias se dão através do amadurecimento gradual da consciência, fenômeno psicológico cuja duração depende da potencialidade de maturação do ser. Para uns são necessárias muitas existências para que ocorra a transformação essencial; para outros, basta uma.

Jesus viveu numa época em que o racionalismo greco-romano ainda era a marca dominante da civilização ocidental. Mesmo tendo nascido e vivido numa sociedade teocrática e reforçada pelo monoteísmo, ele manifestava características do Homem Psicológico que começa surgir no Terceiro Milênio e, em determinados momentos, as de um Sétimo Ser, cujas experiências já haviam ultrapassado os limites humanos conhecidos  não só naquela época como também ainda hoje.  Encontramos outros seres nessa condição em plena Idade Média, como Francisco de Assis. Dos apóstolos de Jesus, João Evangelista já possuía tal perfil psicológico, condição que lhe permitia a manifestação de diversos tipos de percepção extra-sensorial ou habilidades mediúnicas. Isso m ostra que a evolução da consciência humana não seguiu rigidamente uma linearidade histórica obrigatória, e sim caso a caso, revelando que alguns  seres mais avançados poderiam  realizar tais experiências em outros mundos. No mundo contemporâneo, especificamente no século XX, encontramos vários protótipos desse Homem Psicológico.

Mas o que é a sensibilidade metafísica senão uma tecnologia mental,  reflexo da evolução espiritual? Mesmo em casos de prova, em que seres ainda atrasados são portadores provisório dessa faculdade, não se trata um conhecimento que vem sendo utilizado como ferramentas de atuações múltiplas como a pesquisa científica, para a cura de males físicos e psicológicos, para o exercício da arte e ajuda ao próximo?  Muitos filósofos da pós-modernidade, sobretudo o canadense Marshall McLuhan[29], celebraram os sinais do futuro como sinônimo da tecnologia cibernética. Sua teoria de que as máquinas são extensões do corpo humano ganhou mais força ainda quando a micro-eletrônica deu seus primeiros passos nas décadas de 1950 e 1970. Se a roda era uma extensão dos pés e inúmeros outros equipamentos exerceriam o papel dos braços  e dos  olhos,  o advento do microcomputador certamente seria a estrela da apoteoso tecnológica pois este seria o perfeito substituto do cérebro. Já entramos na Era Digital e a informática segue na sua missão de impor-se como peça essencial da inteligência artificial. Há dúvidas quanto a isso, sobretudo porque ainda permanece no ar e no calor dos debates científicos a diferença entre o cérebro e a mente. É uma disc ussão é tão inútil e infantil quanto o debate entre criacionistas  e evolucionistas, cujas posturas limitadas distorcem o debate para rumos ideológicos, como se essa questão fosse exclusivamente um problema de guerra entre o darwinismo ortodoxo e o cristianismo fundamentalista. Como discutir e debater de forma inteligente esse assunto se os fenômenos psíquicos são dogmaticamente rejeitados pela chamada comunidade científica?  No cerne de problema está a mediunidade, uma faculdade mental ou cerebral, não importa, que existe, que se mostra pelos fatos públicos e notórios, mas que ainda não consegue ser digerida ideologicamente pelo orgulhoso homem contemporâneo. Admitir a mediunidade é o equivalente a admitir que somos essencialmente iguais aos mais selvagens e primitivos seres humanos do passado, também dotados dessa faculdade de percepção extra-sensorial. Para os membros da aristocracia acadêmica é inadmissível que um ser civilizado como o homem da Era Digital, portando dons sensitivos, tenha um comportamento semelhante aos supersticiosos membros de uma sociedade tribal. Esquecem os pretensiosos cientistas que , tal como a tecnologia material, a tecnologia mediúnica também veio sofrendo transformações desde os tempos primitivos. A mediunidade mágica e totêmica evoluiu para as profecias oraculares até chegar à fase atual na qual suas manifestações representam uma enorme diversidade de características, de acordo com o grau de inteligência e sensibilidade do seu portador. A extensão tecnológica do cérebro não se encontra nos equipamentos de tecnologia material e sim nas possibilidades energéticas e nas habilidades psíquicas dos médiuns. Trata-se, como foi e vem sendo cansativamente pesquisado e ensinado pelos pesquisadores do Além, de uma faculdade inerente a todos os seres humanos cuja potencialidade só depende de treinamento e uso adequado. Ela tanto pode ser utilizada grosseiramente como uma enxada no uso da terra, como ainda fazem os feiticeiros tribais, como pode, de forma sutil, semelhante à transmissão digital, promover a troca de idéias pela intuição e telepatia. Em a “Grande Síntese”[30], obra lida e elogiada por Einstein, a inteligência espiritual (Sua Voz) que inspirou o autor Pietro Ubaldi assim se expressa quando fala do futuro da mediunidade e das possibilidades humanas nesse terreno da tecnologia mental:

“Não vos atemorizeis esta incompreensível intuição. Começai por deixar de negá-la e vos aparecerá. O grande conceito que a ciência afirmou (embora de forma incompleta e com erradas conseqüências), a evolução não é uma quimera, e impulsiona vosso sistema nervoso para uma sensibilidade sempre mais apurada, que dela é o prelúdio.

Assim, é que esta psique mais profunda se manifestará por força da lei natural da evolução, por via de uma fatal maturação que está próxima. Deixeis de lado, para os fins da vida prática, aquela outra psique exterior e de superfície, que é a razão, porque tão-só como esta psique interior, que está na profundeza das coisas. Somente esta é a estrada que leva ao conhecimento do absoluto. Somente entre semelhantes é possível haver comunicação e, para compreenderdes o mistério que existe nas coisas, deveis saber descer ao mistério que está dentro de vós.

Isto não o ignorais totalmente. Olhais aturdidos para tantas coisas que afloram de uma vossa consciência mais profunda, sem conseguir encontrar-lhes as origens: instintos, tendências, atrações, repulsões, pressentimentos. Aí nascem, irresistivelmente, todas as maiores afirmações de vossa personalidade. Ali encontrareis o vosso Eu verdadeiro e eterno, que não deveis confundir com o Eu exterior, aquele Eu que é filho da matéria e com a matéria morre.  Este Eu exterior, esta consciência clara expande-se no contínuo fluxo da vida, aprofunda-se em busca daquela outra consciência interior latente, que procura emergir e relevar-se. Os dois pólos do ser, consciência exterior clara e consciência latente, tendem para a fusão. A consciência clara experimenta, assimila, imite na late nte os produtos assimilados através do movimento da vida: destilações de valores, automatismos, que constituirão os instintos do futuro. Deste modo, por estas permutas incessantes, a personalidade expande-se e atua-se a grande finalidade da vida.  Quando a consciência latente houver  ficado clara e o Eu conhecer-se todo a si mesmo, nesse dia o homem terá vencido a morte. Teremos ocasião de aprofundar mais esta questão.

Os estudos das ciências psíquicas é o mais importante do que hoje podeis fazer. O novo instrumento de pesquisa que deveis desenvolver e que está naturalmente se desenvolvendo é, de fato, vossa consciência latente. Tendes olhado bastante fora de vós; agora, deveis resolver o problema de vós mesmos, e tereis resolvido os outros problemas. Acostumais, desde já, o vosso pensamento a seguir esta nova ordem de idéias e, se souberdes transferir o centro de vossa personalidade para essas estratificações profundas, verificareis surgirem em vós sentidos novos, uma percepção anímica, uma faculdade de visão direta que não mais do que aquela intuição de que vos tenho falado. Purificai-vos moralmente, afinai a sensibilidade do instrumento, que sois vós mesmos, e, só então, podereis ver.

Os que absolutamente não sentem estas coisas, os que não estão maduros, fiquem de lado; voltem, mesmo, a envolver-se na lama de suas baixas aspirações e não procurem o conhecimento. Este é prêmio concedido somente a quem o tenha duramente merecido.”

A grande maioria dos protótipos psicológicos são dotados de habilidades sensitivas naturais, explícitas ou implícitas. No primeiro caso a sensibilidade funciona como meio e fim; no segundo ela não é necessariamente essencial, pois a habilidade pessoal dispensa o contato e o uso da fenomenologia. É o caso, por exemplo, do Mahatma Gandhi, cuja inteligência intuitiva dispensava qualquer artifício mediúnico exterior que pudesse entrar em conflito com a sua proposta de humildade e naturalidade absolutas. Seu sexto sentido, sempre muito aguçado, o conduzia irresistivelmente para a exemplificação de suas idéias já que o seu grande inimigo não era o ceticismo, mas a violência, o orgulho e a arrogância. Nesse caso o fenômeno mediúnico tornou-se dispensável, pois o problema era exatamente o contrário, isto é, o excesso de crença e de ideologia; daí a sua opção estratégica por um aspecto que ele mais se impressionou com o cristianismo: o constante exemplo de tranqüilidade e mansuetude de Jesus.  É, sem dúvida, o caso de dimensão psicológica que mais chama a atenção em nosso tempo, tanto pelas suas características incomuns como pela sua repercussão mundial. O grau de consciência do Mahatma revelou uma curiosa inter-relação de identidade de conceitos, tornando-o uma prova viva da universalidade ou do caráter cósmico que orienta a experiência humana.  Gandhi é tornou-se unanimidade entre todas religiões e filosofias humanistas e que pregam a tolerância. Para o pastor protestante Martin Luther King, que seguiu seus passos com fé e coerência, ele era um exemplo de heroísmo bíblico  à altura de um Abraão ou de um Moisés; para os católicos um caso típico de Santidade; para os bud istas, um Iluminado; para os hinduístas, um raro Avatar; para os espíritas, um Espírito Superior cujas dissertações poderiam constar em qualquer um dos capítulo do Evangelho de Allan Kardec ou nas respostas e comentários de “O  Livro dos Espíritos”.  Gandhi é o próprio paradoxo: ele é a religião e a filosofia de vida que almejamos e ao mesmo tempo a negação da religião e da filosofia que praticamos. Seu brutal assassinato é outra prova de como o seu modo de vida e de ver as coisas causavam repugnância e ódio ao Homem Biológico que ainda insistimos em conservar em nosso íntimo. Gandhi ainda é o Homem do Futuro.


O PENSAMENTO VIVO DE GANDHI

1. O desejo sincero e profundo do coração é sempre realizado; em minha própria vida tenho sempre verificado a certeza disto.

2. Creio poder afirmar, sem arrogância e com a devida humildade, que a minha mensagem e os meus métodos são válidos, em sua essência, para todo o mundo.

3. Acho que vai certo método através das minhas incoerências. Creio que há uma coerência que passa por todas as minhas incoerências assim como há na natureza uma unidade que permeia as aparentes diversidades.

4. As enfermidades são os resultados não só dos nossos atos como também dos nossos pensamentos.

5. Satyagraha – a força do espírito – não depende do número; depende do grau de firmeza.

6. Satyagraha e Ahimsa são como duas faces da mesma medalha, ou melhor, como as duas cades de um pequeno disco de metal liso e sem incisões. Quem poderá dizer qual é a certa? A não-violência é o meio. A Verdade, o fim.

7. A minha vida é um Todo indivisível, e todos os meus atos convergem uns nos outros; e todos eles nascem do insaciável amor que tenho para com toda a humanidade.

8. Uma coisa lançou profundas raízes em mim: a convicção de que a moral é o fundamento das coisas, e a verdade, a substância de qualquer moral. A verdade tornou-se meu único objetivo. Ganhou importância a cada dia. E também a minha definição dela se foi constantemente ampliando.

9. Minha devoção à verdade empurrou-me para a política; e posso dizer, sem a mínima hesitação, e também com toda a humildade que, não entendem nada de religião aqueles que afirmam que ela nada tem a ver com a política.

10. A minha preocupação não está em ser coerente com as minhas afirmações anteriores sobre determinado problema, mas em ser coerente com a verdade.

11. O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo f ato de ninguém a ver.

12. O amor é a força mais abstrata, e também a mais potente, que há no mundo.

13. O Amor e a verdade estão tão unidos entre si que é praticamente impossível separá-los. São como duas faces da mesma medalha.

14. O ahimsa (amor) não é somente um estado negativo que consiste em não fazer o mal, mas também um estado positivo que consiste em amar, em fazer o bem a todos, inclusive a quem faz o mal.

15. O ahimsa não é coisa tão fácil. É mais fácil dançar sobre uma corda que sobre o fio da ahimsa.

16. Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio.

17. A única maneira de castigar quem se ama é sofrer em seu lugar.

18. É o sofrimento, e só o sofrimento, que abre no homem a compreensão interior.

19. Unir a mais firme resistência ao mal com a maior benevolência para com o malfeitor. Não existe outro modo de purificar o mundo.

20. A minha natural inclinação para cuidar dos doentes transformou-se aos poucos em paixão; a tal ponto que muitas vezes fui obrigado a descuidar o meu trabalho. . .

21. A não-violência é a mais alta qualidade de oração. A riqueza não pode consegui-Ia, a cólera foge dela, o orgulho devora-a, a gula e a luxúria ofuscam-na, a mentira a esvazia, toda a pressão não justificada a compromete.

22. Não-violência não quer dizer renúncia a toda forma de luta contra o mal. Pelo contrário. A não-violência, pelo menos como eu a concebo, é uma luta ainda mais ativa e real que a própria lei do talião – mas em plano moral.

23. A não-violência não pode ser definida como um método passivo ou inativo. É um movimento bem mais ativo que outros e exige o uso das armas. A verdade e a não-violência são, talvez, as forças mais ativas de que o mundo dispõe.

24. Para tornar-se verdadeira força, a não-violência deve nascer do espírito.

25. Creio que a não-violência é infinitamente superior à violência, e que o perdão é bem mais viril que o castigo…

26. A não-violência, em sua concepção dinâmica, significa sofrimento consciente. Não quer absolutamente dizer submissão humilde à vontade do malfeitor, mas um empenho, com todo o ânimo, contra o tirano. Assim um só indivíduo, tendo como base esta lei, pode desafiar os poderes de um império injusto para salvar a própria honra, a própria religião, a própria alma e adiantar as premissas para a queda e a regeneração daquele mesmo império.

27. O método da não-violência pode parecer demorado, muito demorado, mas eu estou convencido de que é o mais rápido.

28. Após meio século de experiência, sei que a humanidade não pode ser libertada senão pela não-violência. Se bem entendi, é esta a lição central do cristianismo.

29. Só se adquire perfeita saúde vivendo na obediência às leis da Natureza. A verdadeira felicidade é impossível sem verdadeira saúde, e a verdadeira saúde é impossível sem rigoroso controle da gula. Todos os demais sentidos estarão automaticamente sujeitos a controle quando a gula estiver sob controle. Aquele que domina os próprios sentidos conquistou o mundo inteiro e tornou-se parte harmoniosa da natureza.

30. A civilização, no sentido real da palavra, não consiste na multiplicação, mas na vontade de espontânea limitação das necessidades. Só essa espontânea limitação acarreta a felicidade e a verdadeira satisfação. E aumenta a capacidade de servir.

31. É injusto e imoral tentar fugir às conseqüências dos próprios atos. É justo que a pessoa que come em demasia se sinta mal ou jejue. É injusto que quem cede aos próprios apetites fuja às conseqüências tomando tônicos ou outros remédios. É ainda mais injusto que uma pessoa ceda às próprias paixões animalescas e fuja às conseqüências dos próprios atos.

A Natureza é inexorável, e vingar-se-á completamente de uma tal violação de suas leis.

32. Aprendi, graças a uma amarga experiência, a única suprema lição: controlar a ira. E do mesmo modo que o calor conservado se transforma em energia, assim a nossa ira controlada pode transformar-se em uma função capaz de mover o mundo. Não é que eu não me ire ou perca o controle. O que eu não dou é campo à ira. Cultivo a paciência e a mansidão e, de uma maneira geral, consigo. Mas quando a ira me assalta, limito-me a controlá-la. Como consigo? É um hábito que cada um deve adquirir e cultivar com uma prática assídua.

33. O silêncio já se tornou para mim uma necessidade física espiritual. Inicialmente escolhi-o para aliviar-me da depressão. A seguir precisei de tempo para escrever. Após havê-lo praticado por certo tempo descobri, todavia, seu valor espiritual. E de repente dei conta de que eram esses momentos em que melhor podia comunicar-me com Deus. Agora sinto-me como se tivesse sido feito para o silêncio.

34. Aqueles que têm um grande autocontrole, ou que estão totalmente absortos no trabalho, falam pouco. Palavra e ação juntas não andam bem. Repare na natureza: trabalha continuamente, mas em silêncio.

35. Aquele que não é capaz de governar a si mesmo, não será capaz de governar os outros.

36. Quem sabe concentrar-se numa coisa e insistir nela como único objetivo, obtém, ao cabo, a capacidade de fazer qualquer coisa.

37. A verdadeira educação consiste em pôr a descoberto ou fazer atualizar o melhor de uma pessoa. Que livro melhor que o livro da humanidade?

38. Não quero que minha casa seja cercada por muros de todos os lados e que as minhas janelas esteja tapadas. Quero que as culturas de todos os povos andem pela minha casa com o máximo de liberdade possível.

39. Nada mais longe do meu pensamento que a idéia de fechar-me e erguer barreiras. Mas afirmo, com todo respeito, que o apreço pelas demais culturas pode convenientemente seguir, e nunca anteceder, o apreço e a assimilação da nossa. (…) Um aprendizado acadêmico, não baseado na prática, é como um cadáver embalsamado, talvez para ser visto, mas que não inspira nem nobilita nada. A minha religião proíbe-me de diminuir ou desprezar as outras culturas, e insiste, sob pena de suicídio civil, na necessidade de assimilar e viver a vida.

40. Ler e escrever, de per si, não são educação. Eu iniciaria a educação da criança, portanto, ensinando-lhe um trabalho manual útil, e colocando-a em grau de produzir desde o momento em que começa sua educação. Desse modo todas as escolas poderiam tornar-se auto-suficientes, com a condição de o Estado comprar os manufaturados.

Acredito que um tal sistema educativo permitira o mais alto desenvolvimento da mente e da alma. É preciso, porém, que o trabalho manual não seja ensinado apenas mecanicamente, como se faz hoje, mas cientificamente, isto é, a criança deveria saber o porquê e o como de cada operação.

Os olhos, os ouvidos e a língua vêm antes da mão. Ler vem antes de escrever e desenhar antes de traçar as letras do alfabeto.

Se seguirmos este método, a compreensão das crianças terá oportunidade de se desenvolver melhor do que quando é freada iniciando a instrução pelo alfabeto.

41. Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim, tudo o que não pode ser dividido com as multidões é “tabu”.

42. A desobediência civil é um direito intrínseco do cidadão. Não ouse renunciar, se não quer deixar de ser homem. A desobediência civil nunca é seguida pela anarquia. Só a desobediência criminal com a força. Reprimir a desobediência civil é tentar encarcerar a consciência.

43. Todo aquele que possui coisas de que não precisa é um ladrão.

44. Quem busca a verdade, quem obedece a lei do amor, não pode estar preocupado com o amanhã.

45. As divergências de opinião não devem significar hostilidade. Se fosse assim, minha mulher e eu deveríamos ser inimigos figadais. Não conheço duas pessoas no mundo que não tenham tido divergências de opinião. Como seguidor da Gita (Bhagavad Gita), sempre procurei nutrir pelos que discordam de mim o mesmo afeto que nutro pelos que me são mais queridos e vizinhos.

46. Continuarei confessando os erros cometidos. O único tirano que aceito neste mundo é a “silenciosa e pequena voz” dentro de mim. Embora tenha que enfrentar a perspectiva de formar minoria de um só, creio humildemente que tenho coragem de encontrar-me numa minoria tão desesperadora.

47. Nas questões de consciência a lei da maioria não conta.

48. Estou firmemente convencido que só se perde a liberdade por culpa da própria fraqueza.

49. Acredito na essencial unidade do homem, e, portanto na unidade de tudo o que vive. Por conseguinte, se um homem progredir espiritualmente, o mundo inteiro progride com ele, e se um homem cai, o mundo inteiro cai em igual medida.

50. Minha missão não se esgota na fraternidade entre os indianos. A minha missão não está simplesmente na libertação da Índia, embora ela absorva, em prática, toda a minha vida e todo o meu tempo. Por meio da libertação da Índia espero atuar e desenvolver a missão da fraternidade dos homens.O meu patriotismo não é exclusivo. Engloba tudo. Eu repudiaria o patriotismo que procurasse apoio na miséria ou na exploração de outras nações. O patriotismo que eu concebo não vale nada se não se conciliar sempre, sem exceções, com o maior bem e a paz de toda a humanidade.

51. A mulher deve deixar de se considerar o objeto da concupiscência do homem. O remédio está em suas mãos mais que nas mãos do homem.

52. Uma vida sem religião é como um barco sem leme.

53. A fé – um sexto sentido – transcende o intelecto sem contradizê-lo.

54. A minha fé, nas densas trevas, resplandece mais viva.

55. Somente podemos sentir deus destacando-nos dos sentidos.

56. O que eu quero alcançar, o ideal que sempre almejei com sofreguidão (…) é conseguir o meu pleno desenvolvimento, ver Deus face-a-face, conseguir a libertação do Eu.

57. Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma.

58. A oração salvou-me a vida. Sem a oração teria ficado muito tempo sem fé. Ela salvou-me do desespero. Com o tempo a minha fé aumentou e a necessidade de orar tornou-se mais irresistível… A minha paz muitas vezes causa inveja. Ela vem-me da oração. Eu sou um homem de oração. Como o corpo se não for lavado fica sujo, assim a alma sem oração se torna impura.

59. O Jejum é a oração mais dolorosa e também a mais sincera e compensadora.

60. O Jejum é uma arma potente. Nem todos podem usá-la.

Simples resistência física não significa aptidão para jejum.

O Jejum não tem absolutamente sentido sem fé em Deus.

61. Para mim nada mais purificador e fortificante que um jejum.

62. Os meus adversários serão obrigados a reconhecer que tenho razão.

A verdade triunfará. . . Até agora todos os meus jejuns foram maravilhosos:

não digo em sentido material, mas por aquilo que acontece dentro de mim.

É uma paz celestial.

63. Jejum para purificar a si mesmo e aos outros é uma antiga regra que durará enquanto o homem acreditar em Deus.

64. Tenho profunda fé no método de jejum particular e público. . . Sofrer mesmo até a morte, e, portanto mesmo mediante um jejum perpétuo, e a arma extrema do satyagrahi. É o último dever que podemos cumprir. O Jejum faz parte de meu ser, como acontece, em maior ou menor escala, com todos os que procuraram a verdade. Eu estou fazendo uma experiência de ahimsa em vasta escala, uma experiência talvez até hoje desconhecida pela história.

65. Quem quer levar uma vida pura deve estar sempre pronto para o sacrifício.

66. O dever do sacrifício não nos obriga a abandonar o mundo e a retirar-nos para uma floresta, e sim a estar sempre prontos a sacrificar-nos pelos outros.

67. Quem venceu o medo da morte venceu todos os outros medos.

68. Os louvores do mundo não me agradam; pelo contrário, muitas vezes me entristecem.

69. Quando ouço gritar Mahatma Gandhi Ki jai, cada som desta frase me transpassa o coração como se fosse uma flecha. Se pensasse, embora por um só instante, que tais gritos podem merecer-me o swaraj; conseguiria aceitar o meu sofrimento. Mas quando constato que as pessoas perdem tempo e gastam energias em aclamações vãs, e passam ao longo quando se trata de trabalho, gostaria que, em vez de gritarem meu nome, me acendessem uma pira fúnebre, na qual eu pudesse subir para apagar uma vez por todas o fogo que arde o coração.

70. Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias.

71. Sei por experiência que a castidade é fácil para quem é senhor de si mesmo.

72. O brahmacharya é o controle dos sentidos no pensamento, nas palavras, e na ação. . . O que a ele aspira não deixará nunca de ter consciência de suas faltas, não deixará nunca de perseguir as paixões que se aninham ainda nos ângulos escuros de seu coração, e lutará sem trégua pela total libertação.

73. O brahmacharya, como todas as outras regras, deve ser observado nos pensamentos, nas palavras e nas ações. Lemos na Gita e a experiência confirma-no-lo todos os dias que quem domina o próprio corpo, mas alimenta maus pensamentos faz um esforço vão. Quando o espírito se dispersa, o corpo inteiro, cedo ou tarde, o segue na perdição.

74. Por vezes pensa-se que e muito difícil, ou quase impossível conservar castidade. O motivo desta falsa opinião e que freqüentemente, a palavra castidade é entendida em sentido limitado demais.

Pensa-se que a castidade é o domínio das paixões animalescas. Esta idéia de castidade é incompleta e falsa.

75. Vivo pela libertação da Índia e morreria por ela, pois é parte da verdade.

Só uma Índia livre pode adorar o Deus verdadeiro. Trabalho pela libertação da Índia porque o meu Swadeshi me ensina que, tendo nascido e herdado sua cultura, sou mais apto a servir à Índia e ela tem prioridade de direitos aos meus serviços. Mas o meu patriotismo não é exclusivo; não tem por meta apenas não fazer mal a ninguém, mas fazer bem a todos no verdadeiro sentido da palavra. A libertação da Índia, como eu a concebo, não poderá nunca constituir ameaça para o mundo.

76. Possuo a não-violência do corajoso? Só a morte dirá. Se me matarem e eu com uma oração nos lábios pelo meu assassino e com o pensamento em Deus, ciente da sua presença viva no santuário do meu coração, então, e só então, poder-se-á dizer que possuo a não-violência do corajoso.

77. Não desejo morrer pela paralisação progressiva das minhas faculdades, corno um homem vencido. A bala de meu assassino poderia pôr fim à minha vida. Acolhê-la-ia com alegria.

78. A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos como uma toda a família humana. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião.

79. A força de um homem e de um povo está na não-violência. Experimentem.

80 .A única maneira de castigar quem se ama é sofrer em seu lugar.”

80. Não violência é a lei de nossa espécie como violência é a lei do bruto. O espírito mente dormente no bruto, e ele não sabe nenhuma lei mas o de poder físico. A dignidade de homem requer obediência a uma lei mais alta – a força do espírito”.

81.  Se o homem só perceberá que é desumano obedecer leis que são injustas, a tirania de nenhum homem o escravizará”.

82. Não pode haver nenhuma paz dentro sem verdadeiro conhecimento.Para autodefesa, eu restabeleceria a cultura espiritual. O melhor e autodefesa mais duradoura é auto-purificação “.

Mas como atingir esse grau de maturidade? Quando e em que época  humanidade terá entre seus membros e presente nas suas diversas culturas essas características de um novo ser? Certamente essa mudança também ocorrerá no meio ambiente: um novo ser humano viverá em um novo mundo, uma sociedade diferente daquela que vinha sendo desenvolvida há séculos e que está dando os seus últimos suspiros no planeta. As aristocracias da força e dos privilégios, que dominaram nos primeiros milênios da experiência   humana já esgotaram suas possibilidades de satisfazer as necessidades sociais e desafios que se apresentam no próximo milênio. Não existe mais espaço para as desigualdades porque já foi apontado o rumo do respeito pelas diferenç as; não há mais clima para as guerras e para violência porque já aprendemos o caminho da  aceitação e solidariedade; já não há mais justificativa para os tormentos pessoais, para as fugas e auto-destruição porque  já alcançamos a capacidade da auto-ajuda e do conforto do auto-equilíbrio; não há mais a necessidade das tragédias existenciais familiares, da dor e da morte do corpo porque pá estamos desvendando os segredos técnicos e genéticos e diverso conhecimentos que nos conduzem em caminho seguros e satisfatórios no campo da saúde e do destino.

Nas últimas décadas do século XX pairava entre nós a dúvida e a incerteza sobre o futuro da humanidade. Nos anos 70 e 80 não víamos no horizonte senão a escura perspectiva da degeneração e de uma catástrofe nuclear. O sonho de paz e amor dos hippies foi sendo massacrado pela ambição desmedida dos jovens yuppies; a liberdade sexual e as experiências aparentemente inofensivas do psicodelismo resultaram na devastação causada pela cocaína e pela AIDS; uma sucessão de guerras e revoluções no jogo da Guerra Fria das superpotências, bem como a gana capitalista colocaram em risco não só o meio ambiente , mas a própria existência do planeta tal a irresponsabilidade no uso dos recurso naturais e na disputa armamentista. Vivíamos naqueles terríveis anos de medo e ansiedade, antes da globalização, um clima de apocalipse. O m undo realmente estava acabando e poucas foram as vozes serenas que se arriscaram a dar opiniões sobre o que estava acontecendo ser correr o risco de serem acusados de falsa profecia e de espírito de seita ou dos gurus. Nesses momentos de  insegurança e de falta de rumos, as ficções científicas e também as utopias brotam nos jardins da esperança. Velhos autores da antiguidade clássica e da renascença; utópicos socialistas e visionários do século XIX; todos reaparecem nas estantes, no cinema e nas séries da TV. Verne, Huxley, Assimov, Mac-Luhan, Tagore, Einstein, Gandhi, King, Rogers, Morin, Rohden e muitos outros , se misturam num grande diversidade de conhecimentos e experiências e fazem o papel dos antigos profetas bíblicos. Eles dão notícias de uma época distante, do tempo relativo, da possibilidade do vir a ser. Por isso são compreensivelmente devorados pelos famintos do alimento futuro.   Nem tudo está perdido. Há luz no fim do túnel e vida intensa para ser vivida nos próximos mil anos.

20. O Homem Cósmico Integral

O Homem Integral é o Sétimo Ser, a síntese dos seis protótipos anteriores. Nele certamente atingiremos a plenitude da Consciência, através da integração irreversível das três vivências da mente: o Pensamento, a Ação e o Sentimento. Tal experiência não se limita naturalmente ao planeta Terra, mas também nas inúmeras possibilidades de existências em outros orbes dos Cosmos.  Nisso concentra-se a lógica da diversidade de mundos – as muitas moradas da Casa do Pai – e a pluralidade das existências.  Os cinco sentidos físicos, como outras faculdades que abandonamos no passado, serão gradualmente substituídos por outras percepções mais sutis, iniciadas pelo sexto sentido, que é a percepção extra-sensorial. O domín io gradual dessas novas faculdades, típicas de mundos superiores e angélicos, culmina naquilo que poderíamos denominar, também grosso modo, de “Sétimo Sentido” ou “Superconsciente”. É quando se dá a conclusão da verticalização da consciência, dentro dos limites humanos, de noventa graus.  São os últimos degraus da Escada de Jacó, porém são apenas os primeiros passos do ingresso no Reino de Deus, cuja dimensões e estado de coisas fogem da nossa compreensão atual. Raríssimas experiências foram descritas e, quando relatadas, seus protagonistas não têm outra alternativa senão apelar para a linguagem dos símbolos e parábolas. São os Mestres do Espírito e da Consciência que, em diversos graus de evolução, nesta mesma etapa, voltam aos mundos baixos para realizarem uma dupla função: adorar a Deus e se auto-reconhecerem no mundo interior dos semelhantes e ao mesmo tempo auxiliá-los na complexa e dolorosa descoberta de si mesmos.  Annie Besant escreveu em 1912 um ensaio sobre esses “Irmãos mais Velhos da Humanidade”[31] e a eles assim se refere:

“Há uma etapa , na evolução humana, imediatamente anterior à meta do esforço humano, que, uma vez atravessada, o homem, enquanto homem, não tem mais nada a realizar. Ele torna-se perfeito; sua carreira humana terminou. As grandes religiões dão nomes diferentes a esse Homem Perfeito, mas, qualquer que seja  o nome, o conceito é o mesmo; Ele é Mitra, Osíris, Krishna, Buda ou Cristo, mas sempre simboliza o Homem que se tornou perfeito. Ele não pertence a uma única religião, nação ou família humana; não está limitado por um único credo; em todo lugar ele é o mais nobre, o mais prefeito ideal. Todas as religiões o proclamam; todos os credos têm nele sua justificação; ele é o ideal pelo qual se esforçam todas as crenças, e cada religião cumpre sua missão com maior ou menor eficiência , conforme a claridade com que ilumina e a precisão com que ensina o caminho pelo qual ele pode ser alcançado. O Nome do Cristo, atribuído ao Homem Perfeito pelos cristãos, designa mais um estado do que o nome de um homem. “Cristo em você, a esperança da glória”, é o pensamento do mestre Cristão. Os homens, no longo percurso da evolução, atingem o estado de Cristo, pois todos concluem com o tempo a peregrinação secular, e aquele que especialmente no Ocidente está conectado a esse nome é um dos “Filhos de Deus”, que atingiram o objetivo final da humanidade. A palavra sempre trouxe consigo a conotação de um estado: “o sagrado”. Todos devem atingir esse estado: “Olhai dentro de ti; tu és Buda”. “Até que o Cristo surja em ti”.

Assim como aquele que deseja tornar-se músico, deveria ouvir as obras-primas dessa arte e mergulhar nas melodias dos grandes mestres da música, deveríamos nós, filhos da humanidade, erguer nosso olhos e nossos corações, em contemplação constantemente renovada, para as montanhas onde habitam os Homens Perfeitos da nossa raça. O que nós somos eles já foram; o que eles são nós seremos. Todos os filhos dos homens podem fazer o que um Filho do Homem já fez, e vemos neles a garantia do nosso próprio triunfo; o desenvolvimento de semelhante divindade em nós é apenas uma questão de evolução.”

Como vimos, a experiência do Mahatma Gandhi foi típica daqueles seres que estão em transição para a condição sobre-humana. Ao mergulharem na carne realizam as etapas de existência para qual escolheram como meio e logo tomam o rumo da finalidade para qual vieram. Nesse ponto direcionam seus olhares para todos os lados possíveis em busca das referências que vão lhes reativar a memória espiritual, bem como os  modelos de conduta que possam solucionar  suas equações iniciais sobre o jogo da vida e da morte. Gandhi foi iniciado nas escolas espiritualistas da sua cultura milenar, farta de mestres  e avatares, mas só foi despertar para o seu fim principal quando leu o Sermão da Montanha e, consequentemente, mais 80 livros sobre o Cristianismo. O contato com as Bem-aventuranças repercutiu como um raio devastador na sua alma adormecida pelas leis do mundo físico e tal foi o efeito que o jovem advogado saiu pelo mundo em busca de si mesmo, atraído pelos milhões espelhos humanos que desfilavam diante de seus olhos, como reflexos incômodos dos sofrimentos causados pela miséria e pela injustiça social. Nesses instantes Gandhi esquecia de  si próprio e dizia para si mesmo coisas que no conceito comum eram consideradas estúpidas: “Tenho que abrir mão daquilo que não é essencial, coisas perfeitamente dispensáveis e que a grande maioria das pessoas pobres não podem ter acesso”.  Ou então, ao ser agredido por um soldado durante uma manifestação:  “Ele atingiu o meu corpo e não o meu espírito”.  É por isso que Will Durant vi u nele o retrato de um “santo”, uma imagem distanciada da realidade e que só poderia ser compreendida pelos rituais exteriores da sacralização, típicas dos mitos santificados. “O Sermão da Montanha foi incontinenti ao meu coração na primeira leitura”, disse Gandhi, descobrindo que ali estava o caminho que tanto procurava desde a mais tenra juventude; a chave da busca pela compreensão do seu universo metafísico e do vácuo que trazia na alma solitária e deslocada do mundo exterior. Ainda jovem, Gandhi não compreendia por que os ingleses, sendo cristãos, não praticassem os ensinamentos do Cristo. Decidiu então ler, entender e aplicar em si próprio as idéias do Sermão da Montanha como uma arma ideológica contra o imperialismo britânico. Era uma nova e moderna batalha entre Cristo e Roma, em pleno século XX.

No entanto Gandhi estava contraditória e terrivelmente preso ao mundo de César; era uma missão que o ligava carmicamente aos conflitos políticos do seu povo e aos sistemas opressores das castas. Tudo isso colocava em risco a dignidade humana e negava ao povo o direito à felicidade, mesmo que em gotas, como a que todos temos no dia-a-dia, a cada pôr do Sol. Nas suas elucubrações Gandhi certamente lembrou-se de Buda e de Krishna, mas a experiência do Cristo Jesus o havia impressionado na rápida leitura daquelas oito pequenas sentenças de um breve e histórico discurso. Os 32 Caminhos da Sabedoria e as 50 Portas da Inteligência, que a Cabala judaica dizia conduzir o homem à Deus, haviam sido maravilhosamente simplificadas em nove recomendações iniciadas pela singela expressão “Bem-aventurados…” As Quatro Verdades fundamentais do budismo, bem como suas Oito Trilhas Nobres, antes ensinadas somente a uns poucos escolhidos, foram pronunciadas serenamente em público, aos quatro ventos e cantos do mundo, para quem quisesse ouvir.

O povo da Índia ainda sofre, assim como todos os povos do mundo. A Índia não aceitou a mensagem viva de Gandhi, como também esqueceu os exemplos de Gautama Buda. Assim tem sido também com as demais nações, com relação ao exemplo deixado pelo Cristo. Admiramos, mas não praticamos.  Grande tem sido o esforço de muitos comunicadores para espalhar essas verdades e fazê-las penetrar nos corações humanos; os dias passam e as frases encantadoras do Sermão da Montanha parecem estar cada vez mais distantes dos nossos ouvidos indiferentes.  Tanto o “Reino de Deus” como o “Nirvana” ainda nos seduzem, mas ainda é uma sedução pelos olhos do desejo de consumo, igual ao da Serpente (Concupiscência) ou de Moha (Ilusão).

Então, já conhecendo pelos olhos do desejo as palavras de Buda e do Cristo, já nos tornamos intelectualmente metafísicos e já fomos positivados pela certeza da realidade transcendente. Mas quanto isso tudo significa em termos de graus de consciência?  Em que ponto estamos da escala? O teste, embora constrangedor e, às vezes doloroso,  é bastante simples: basta olhar para dentro de si mesmo e perguntar como nos comportaríamos diante dessas situações de bem-aventurança propostas por Jesus, no sermão da Montanha, e pelo Buda, no sermão de Benares:

Temos sido pobres de espírito? Temos tido uma visão correta para compreender as quatro verdades?[32]

Temos reagido com mansidão? Temos mantido o pensamento correto, livre da de luxúria, má vontade, crueldade e mentira?

Termos nos sentido saciado em nossa fome e em nossa sede de justiça? Temos usado a palavra correta, sem falsidade, dureza e futilidade?

Temos alcançado a misericórdia, sendo misericordiosos? Temos tido ação correta, que não furta, não mata,  e não se corrompe sexualmente?

Temos visto a Deus, sendo puros de coração? Temos tido vida correta, em que o ganha pão a nenhum ser vivo prejudica?

Temos sido pacíficos e chamados de filhos de Deus? Temos tido esforço correto, , para evitar os maus pensamentos e dominá-los, para suscitar bons pensamentos e conservá-los? Temos tido atenção correta,  que é vigilância estrita  e contínua a todos os estados do corpo, dos sentimentos, da mente?

Temos mantido o amor à justiça e o ideal cristão, mesmo diante das perseguições, injúrias e mentiras? Temos tido concentração correta, num objetivo único, de forma a atingir estados especiais de consciência pela meditação profunda?

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Sobre o Autor

Dalmo Duque dos Santos nasceu em 23 de agosto 1961, paulista de Porto Tibiriçá (atual Presidente Epitácio), em família espírita, cresceu freqüentando grupos de mocidade espírita e militando como voluntário e expositor. Iniciou seus estudos superiores na Universidade Católica de Santos, em 1984, bacharelando-se em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, em 1990. Graduou-se também em Pedagogia, em 1993, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Venceslau. Pós-graduou-se em 2002 como Mestre em Comunicação, pela Universidade Paulista – UNIP, cuja tese foi um relato de experiência sobre a criação e redação de um livro sobre a História do Espiritismo. Na área literária espírita criou e adaptou a coleção de bolso Allan Kardec Dia-a-Dia e escreveu os ensaios A Inteligência Espiritual, sobre a revolução didática das Escolas de Aprendizes do Evangelho e Você em Busca de Você Mesmo, sobre a crise e as transformações do ser humano neste início do 3º milênio.

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[1] A Conspiração Aquariana – Transformações pessoais nos anos 80. Editora Record

[2] Um novo mundo, uma nova pessoa, in Em busca de vida. Summus Editorial.

[3] Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita.

[4] Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez.

[5] Novo Dicionário Aurélio. Nova Fronteira.

[6] Segundo Edgard Armond, a mente se classifica em três aspectos de um conjunto: a instintiva, regulando funções instintivas do corpo; a intelectual, regulando as funções do cérebro; e a espiritual regulando as funções do Espírito. Ver o capítulo  “ Constituição Psíquica “  in O Livre Arbítrio. Editora Aliança

[7] As informações aqui expostas sobre individualidade e ambiente foram extraídas de um estudo feito pelo Dr. Allankardec Gonzalez, professor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, direcionado especialmente aos voluntários do CVV- Centro de Valorização da Vida.

[8] A síntese das inteligências que apresentamos foi extraída e adaptada de uma resenha da Dra. Esméria Rovai, professora da PUC de São Paulo sobre a  obra de Howard Gardner: “Estruturas da Mente: as inteligências múltiplas”, direcionada aos professores da Rede Estadual de Ensino de São Paulo.

[10] Conforme consta nos quatro Evangelhos,  o profeta João Batista assim se expressava sobre Jesus: “Eu batizo com água, mas Ele batizará com fogo”; ou então “Eu não sou o Messias, não sou digno de desatar as correias de sua sandália”.

[11] Dicionário Houaiss. Editora Objetiva: 1. Sentimento ou conhecimento que permite o ser humano vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior; 2. Sentido ou percepção que o ser humano possui do que é moralmente certo ou errado em atos e motivos individuais, funcionando como o juiz que ordena acerca de coisas futuras e que se traduz em sentimentos de alegria, satisfação, ou de culpa, remorso, acerca das coisa s passadas. (agiu conforme a sua c.; estar em paz com a c.); 3. Sistemas de valores morais que funciona, mais ou menos integradamente, na aprovação ou desaprovação das condutas, atos e intenções próprias ou de outrem; 4. Conjunto de idéias, atitudes, crenças de um grupo de indivíduos relativamente ao que têm em comum ou ao mundo que os cerca. Consciência pessoal ou psicológica; Consciência coletiva, de classe ou política; Consciência crítica. No Cartesianismo é a vida espiritual humana, possível de conhecer a si mesma de modo imediato e integral, estabelecendo dessa maneira uma evidência irrefutável de sua própria existência e, por extensão, da realidade do mundo exterior. Penso, logo existo.

[12] “ Um Curso para Líderes” – Allankardec Gonzalez – CVV-Ribeirão Preto.

[13] “Ao escalar as alturas sucessivas até atingir o segundo céu, habitado por Espíritos chamados Muralhas, foi tal o meu aturdimento que após o regresso, após dez dias, permaneceu o meu corpo físico imobilizado, muda a minha língua, cerrados os meus olhos. Passado esses dez dias pude descrever a magnificência estonteante daquela visão. Vi sete avenidas circulares concêntricas, ostentando enormes árvores luminosas, cobertas de flores das mais diversas cores, que balançavam, em vai-e-vem amplo e ondulante, produzindo imensa e suav íssima ressonância harmoniosa e, por essas avenidas, transitavam os formosíssimos seres que formam essa classe de Espíritos. Disseram-me que nesse segundo céu, guarda-se o Livro das Idades, contendo a história das civilizações mortas e das vidas sucessivas dos homens pertencentes aos diferentes sistemas planetários.”  Descrição feita por desdobramento perispiritual ou projeção da consciência. Citado por Edgard Armond. Na  Semeadura, vol. I. Ed. Aliança.

[14]  “A imagem de Deus é inconcebível para a inteligência dos seres humanos nos graus inferiores e médios da evolução. Eis uma imagem que se pode intelectualmente e até certo ponto compreender:

‘Um incomensurável anel de luz fulgurante, pendente do qual uma infinidade de laços de luz que, em grupos de sete, se abrem em todas as direções, levando vida, energia e amor a todos os universos criados. Refundidas em uma só claridade deslumbrante e infinita, milhares de Inteligências Divinizadas, formando uma só vibração de vida e de amor por toda a eternidade. Dali se alimentam todos os mundos, todos os seres e todas as coisas. Não há mais individualidades que pensam e amam de forma separada; tudo é um só pensamento, uma só vibração de luz, de vida e de amor para toda a eternidade.’

Isso é Deus: E além ? Algo haverá ? O Missionário , em desdobramento, levado a presenciar esta inaudita visão, permaneceu desacordado muito tempo e levou dez dias para retornar ao equilíbrio do seu corpo”. Edgard Armond. Na Semeadura vol. II.

[15] De “Antroposofia”, teoria do filósofo espiritualista Rudolf Steiner.

[16] “Mediunidade”, Editora Aliança.

[17]  Segundo Armond,  na sua  “Iniciação Espírita”  o contimente da Lemúria desapareceu sob as águas  700 mil anos antes do alvorecer da  Idade Terciária. Seus habitantes eram homens escuros, robustos, peludos, de braços longos, muito parecidos ainda com os símios. Já  o nome Atlântida refere-se a Atlas, o primeiro rei dos atlantes, simbolizado em seu poderio político pela mitologia grega carregando o mundo sobre os ombros.

[18] Capítulo XV. Editora Aliança.

[19]  Espanha, março de 1871, in “Roma e o Evangelho”, organizado por D..J. Amigó y Pellícer. FEB Editora

[20] Will Durant – Nossa Herança Oriental –Record

[21] Os meios de comunicação como extensões do Homem. Editora Cultrix.

[22] Will Durant. Métodos da Religião, in  Elementos da Civilização- Nossa Herança Oriental.

[23]  Will Durant: “Nossa Herança Clássica”. Record.

[24] Will Durant, “ Nossa Herança Clássica”, capítulo VII.

[25] “Sócrates”- Os Pensadores. Editora Nova Cultural.

[26] Diversos pensadores espiritualistas identificam esse momento histórico no capítulo 17 do Apocalipse: “Vejo um dos sete anjos que têm sete taças e falou comigo, dizendo:Vem, mostrar-te-ei o julgamento da  grande meretriz que se acha sentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram muitos reis da terra; e, com o vinho da sua devassidão, foi que se embebedaram os que habitam na terra. Transportou-me o anjo, em esp írito, a um deserto e vi uma mulher montada numa besta escarlate, besta repleta de nomes de blasfêmia, com sete cabeças e dez chifres (…) Então eu via mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus; e, quando vi, admirei-me com grande espanto.”

[27] Expressão criada por Leonardo para definir o local exato onde se encontravam todos os sentidos. Citado por Sherwin B. Nuland em “Leonardo da Vinci”. Objetiva. Rio de Janeiro, 2001.

[28] “ O Espírito e o tempo ”. Editora Pensamento.

[29] “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem”. Cultrix. São Paulo, 1964.

[30] Editora Lake, 6ª edição, São Paulo, 1950. Tradução de Mário Corboli.

[31] “Os Mestres”, Editora Pensamento.

[32] A existência humana é dor; a causa da dor é o desejo; o fim da dor é obtido pelo fim do desejo; e o fim do desejo se dá com a moral reta e a disciplina.

(Série de aulas de um curso ministrado pelo autor e que é reproduzido com a sua autorização)

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