Entrevista com Bezerra em 1892

Extraído da Revista Espírita-Cristã do Terceiro Milênio (Mensageiro)

Dr. Bezerra de Menezes dispensa apresentações. Em todas as instituições espíritas do Mundo, ele é venerado, por seu apostolado na difusão dos princípios da nossa Doutrina Libertadora, principalmente, pelo exemplo de sua vida; e por estar sempre presente nos momentos de dúvida e de dor, pronto para confortar e esclarecer.

P: – Dr. Bezerra, como devemos proceder na divulgação da nossa Doutrina Espírita e nas atividades espíritas?
R: – É indispensável manter o Espiritismo qual foi entregue pelos mensageiros divinos a Allan Kardec, sem compromissos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios. Respeito a todas as criaturas, apreço a todas as autoridades, devotamento ao bem comum e instrução ao povo, em todas as direções, sobre as verdades do espírito, imutáveis, eternas. Nada que lembre castas, discriminações, evidências individuais injustificáveis, privilégios, imunidades, prioridades. Amor de Jesus sobre todos, verdade de Kardec para todos.

P: – Há uma certa altercação entre os espíritas que se consagram aos aspectos científico e filosófico do Espiritismo e aqueles que se dedicam à parte religiosa da doutrina. Qual o seu conselho, para esses confrades?
R: – Mantenhamos o propósito de irmanar, aproximar, confraternizar, compreender. A Doutrina Espírita possui os seus aspectos essenciais em configuração tríplice.

Que ninguém seja cerceado em seus anseios de construção e produção. Quem se afeiçoe à ciência que a cultive em sua dignidade, quem se devote à filosofia que lhe engrandeça os postulados e quem se consagre à religião que lhe divinize as aspirações, mas que a base kardeciana permaneça em tudo e todos, para que não venhamos a perder o equilíbrio sobre os alicerces em que se nos levanta a organização. Nenhuma hostilidade recíproca, nenhum desapreço a quem quer que seja.

P: – Algumas denominações religiosas pregam a salvação pela fé somente. O Espiritismo defende a libertação pelo esclarecimento. Qual a melhor escolha: crer somente ou esclarecer-se?
R: – Libertação da palavra divina é desentranhar o ensinamento do Cristo de todos os cárceres a que foi algemado e, na atualidade, sem querer qualquer privilégio para nós, apenas o Espiritismo retém bastante força moral para não se prender a interesses subalternos e efetuar a recuperação da luz que se derrama do verbo cristalino do Mestre, dessedentando e orientando as almas.

P: – A missão dos espíritas, então, é crer mas ensinar?
R: – Ensinar mas fazer, crer mas estudar, aconselhar mas exemplificar, reunir mas alimentar. Em cada templo, o mais forte deve ser escudo para o mais fraco, o mais esclarecido a luz para o menos esclarecido e sempre e sempre seja o sofredor o mais protegido e o mais auxiliado, como entre os que menos sofram seja o maior aquele que se fizer o servidor de todos, conforme a observação do Mentor Divino.

P: – Como devemos agir na atividade da Casa Espírita?
R: – Cada um de nós é convidado a uma cota que não pode ser menosprezada, ao testemunho silencioso aureolado de alegria, porque o reino não é daqui, não obstante aqui comece. Tenhamos cuidado, meus filhos, para que as nossas Casas não sejam invadidas por torvelhinhos que lhes descaracterizem a pureza da vivência evangélica ali instalada. Mantenhamo-nos unidos, sem que os miasmas da perturbação intoxiquem e as imposições do desequilíbrio predominem. O Cristão sem sacrifício está sem Cristo. Discípulo sem disciplina encontra-se sem mestre. Aprendiz sem dever está à própria sorte. Jesus nunca nos desampara, mas é provável que o preteiramos para ir, por preferência, à busca de outros condutores mais consentâneos com as nossas aflições desmedidas e necessidades falsas, acalentadas no desperdício. Uma equipe de trabalhadores que compreende o significado da fé, vivendo pela fé, para a fé, é que o Senhor de todos nós espera, neste momento.

P: – Qual a missão do Brasil, Pátria do Evangelho?
R: – Jesus, meus filhos, confia em nós e espera que cumpramos com o nosso dever de divulgá-lO, custe-nos o contributo do sofrimento silencioso e das noites indormidas em relação à dificuldade para preservar a pureza dos nossos ideais, ante as licenças morais perturbadoras que nos chegam, sutis e agressivas, conspirando contra nossos propósitos superiores. O Brasil recebeu das Suas mãos, através de Ismael, a missão de implantar no seu solo virgem de carmas coletivos, com pequenas exceções, a cruz da libertação das consciências de onde o amor alçará o vôo para abraçar as nações cansadas de guerras, os povos trucidados pela violência desencadeada contra os seus irmãos, os corações vencidos nas pelejas e lutas da dominação argentaria, as mentes cansadas de perquirir e de negar, apontando o rumo novo do amor para restaurarem no coração a esperança e a coragem para a luta de redenção. Levai esta bandeira luminosa: “Deus, Cristo e Caridade” esculpida em vossos sentimentos e trabalhai pela Era Melhor, que já se avizinha, divulgando o Espiritismo Libertador onde quer que vos encontreis, sem o fanatismo dissolvente, mas, sem a covardia conivente, que teme desvelar a verdade para não ficar mal colocada no grupo social da ilusão. O Brasil prossegue, meus filhos, com a sua missão histórica de “Coração do Mundo e Pátria do Evangelho”, mesmo que a descrença habitual, o cinismo rotulado de ironia, o sorriso em gargalhada estrídula e zombeteira tentem diminuir, em nome de ideologias materialistas travestidas de espiritualismo e destrutivas em nome da solidariedade.

P: – Segundo a mídia, o Brasil está se tornando um país de idosos, certamente, há um exagero. Como a espiritualidade vê essa situação?
R: – Antigamente, em época não muito remota, o ser humano vivia relativamente pouco. Não havia a bênção do antibiótico, tínhamos que tratar com parcos recursos as enfermidades. Era, às vezes, o quinino o que mais nós usávamos, e trazia tantas descobertas que para nós eram tão atuais: o carro, o telefone, o telégrafo, tanta coisa importante. E, no entanto, pensávamos na Medicina, tão pouco adiantada. Hoje, a medicina aí está, avançando a largos passos. Cada dia, uma descoberta nova e, no entanto a idade média de grande número das pessoas que partem está na faixa de trinta anos. Por que? Acidentes e acidentes, partidas violentas em “overdose”. O número daqueles que chegam à idade avançada, para nós do plano espiritual, que observamos o mundo de cima, é muito menor do que aqueles que aportam muito antes, por antecipação, por não cumprimento do traçado cármico de suas vidas.

P: – E por quê esse regresso prematuro de tantos jovens?
R: – Lamentavelmente, os jovens estão partindo em larga escala para o plano espiritual. Não chegam a atingir a idade madura, pela insensatez, pelos princípios tão inferiores dolorosamente abraçados, pela falta de objetivos cristãos, pela imaturidade, pela viciação. E nós perguntamos: “Quando será que aprenderão a servir a si mesmos servindo ao próximo? Quando aprenderão a valorizar a saúde, a bênção da vida, a bênção de ter um corpo perfeito? Por que tantos têm que ser aprisionados em leitos de deformações físicas pelos acidentes cada vez mais constantes? Por que essa velocidade na estrada? Por que essa velocidade imensa, buscando a morte”? Fala-se à juventude, mostram-se espetáculos dantescos, diante dos olhos dos jovens desfilam cenas e cenas dolorosas, mas nem assim eles se previnem… E colônias e colônias são abertas para colher esses farrapos espirituais que, na verdade, foram rapazes e moças belos, cheios de juventude, de inteligência.

P: – Qual o conselho que o Senhor daria ao jovem?
R: – Aquele que é cristão, o quanto puder divulgue a página esclarecedora, divulgue o livro que é um alimento completo, um banquete de luz, divulgue as palavras sensatas, os exemplos dignificantes, pratique a caridade. Não se deixe cansar pela ociosidade dos outros, porque aquele que está trabalhando encontrará sempre alguém para pedir: “Dê-me a sua enxada. Deixe eu encostá-la ali para você descansar.” Esses são os que mais devem e são os que menos fazem. Meus filhos, privilegiados vocês são e serão sempre, quando escolherem a melhor parte, que é a parte do bem, a parte da luz, a parte da renúncia e do amor. Porque o que mais ouvimos é gritarem pelos quatro rincões da Terra: “Senhor, Senhor!” Tantas seitas, tantas religiões de corações vazios e mãos vazias.. Vocês preencham o coração e transbordem as mãos no trabalho caritativo, porque Deus é por todos vocês!

P: – Como devemos proceder para cuidar bem da criança?
R: – A infância é o sorriso da existência no horizonte da vida. Representa esperança que o pessimismo não pode modificar. É mensagem de amor para o cansaço no refúgio do desencantamento, a fulgir no sacrário da oportunidade nova. É experiência em começo que nos compete orientar e conduzir. É luz a agigantar-se aguardando o azeite do nosso desvelo. É sinfonia em preparação… nota solitária que o Músico Divino utilizará na sucessão dos dias para a grande mensagem ao mundo conturbado. Atendamos o infante oferecendo, à manhã da vida, a promessa de um futuro seguro. Nem a energia improdutiva; nem o caminho pernicioso; nem a assistência socorrista prejudicial às fontes do valor pessoal; nem a negligência em nome da confiança no Pai de todos; nem a vigilância que deprime; nem o arsenal de descuidos em respeito falso ao futuro homem … Mas, acima de tudo, comedimento de atitudes com manancial farto de recursos pessoais e exemplos fecundos, porquanto as bases do futuro encontram-se na criança de hoje, tanto quanto o fruto do porvir dormita na flor perfumada de agora. Cuidemos do infante, oferecendo o carinho fraterno dos nossos recursos, confiados de que, um dia seremos convidados a oferecer ao Pai Misericordioso o resultado da nossa atuação junto àquele cuja guarda esteve aos cuidados do nosso coração.

P: – Qual o valor da verdadeira amizade?
R: – Calcados naquilo que nosso senhor Jesus Cristo falou a gente pergunte: quem são os nossos amigos? É muito fácil vocês descobrirem quem são os verdadeiros amigos. O verdadeiro amigo é aquele que é capaz de compartilhar com você coisas grandes, a fé, a caridade, a solidariedade. Amigo é aquele que, mesmo sabendo que você errou, é capaz de silenciar o máximo que puder para você jamais perder a auto estima. Amigo é aquele que, nos instantes de alegria, é capaz de nos abraçar e sorrir unido a nós e levar a notícia dessa alegria para que outros também se alegrem. O amigo é capaz de estar presente no instante em que a gente chora e sofre, mas é capaz também de respeitar a nossa ausência e nosso silêncio, não impondo confissões nem, em momento algum, que sejamos os portadores de privilégios que ele, na verdade, não deseja conceder. Amigo não é exclusivista, nem egoísta, ele compartilha. Porque amizade é um sentimento muito amplo e muito belo, é um sentimento que se expande de coração para coração, entrelaça as vidas e solidifica os elos de alma. Jesus foi um grande amigo dos discípulos, é o grande amigo da humanidade. É o grande amigo dos que sorriem e dos que choram. É o nosso grande amigo em qualquer tempo, porque nos ensinou normas de vida que, se nós obedecermos, seremos menos infelizes e mais ditosos.

P: – Dinheiro traz a felicidade?
R: – O dinheiro não é luz, mas sustenta a lâmpada. Não é a paz, no entanto, é um companheiro para que se possa obtê-la. Não é calor, contudo, adquire agasalho. Não é o poder da fé, mas alimenta a esperança. Não é amor, entretanto, é capaz de erguer-se por valioso ingrediente na proteção afetiva. Não é tijolo de construção, todavia, assegura as atividades que garantem o progresso. Não é cultura, mas apoia o livro. Não é visão, contudo, ampara o encontro de instrumentos que ampliam a capacidade dos olhos. Nao é base da cura, no entanto, favorece a aquisição do remédio. Em suma, o dinheiro associado à consciência tranquila, é alavanca do trabalho e fonte da beneficência, apoio da educação e alicerce da alegria, é uma bênção do Céu que de modo imediato, nem sempre faz felicidade mas sempre faz falta.

P: – O “vigiai”, proclamado por Jesus, tem maior significado para as atitudes ou para os pensamentos?
R: – Quando vamos iniciar uma viagem programamos mentalmente os nossos passos, o nosso percurso. Quando vamos realizar alguma tarefa, primeiro pensamos e depois fazemos todo o esquema para ser seguido. Quando ansiamos adquirir mais conhecimentos de ordem material, buscamos as diretrizes nos livros que nos ensinam. Quando queremos consolo, buscamos no Evangelho as palavras que calam fundo dentro de nossa alma. Mas, muitas vezes, meus filhos, não dirigimos os nossos pensamentos; os nossos pensamentos do dia a dia; esses pensamentos soltos sem objetivo que chegam no nosso cérebro porque na verdade muitas vezes são insuflados por entidades perturbadoras, procurando criar situações nas quais vão nos enovelar, nos trazendo problemas seríssimos depois. Então, devemos manter também para os nossos pensamentos no dia a dia uma diretriz segura. Dirigir a nossa força mental para o bem, rechaçar todo e qualquer pensamento que não seja construtivo porque nós não podemos avaliar a extensão do que um pensamento pode gerar.

P: – Então, muitas vezes, os nossos pensamentos são dirigidos por Entidades perturbadoras?
R: – São muitas as entidades que nos cercam e elas se aproveitam muitas vezes de um pensamento para criar situações: situações conflitivas, situações escandalosas, situações deprimentes, prejudiciais. Devemos portanto, realmente, cuidarmos de dirigir os nossos pensamentos sempre na senda construtiva do bem e evitar realmente a maledicência mental, o desajuste mental, as suposições, os julgamentos precipitados.

P: – Por isso que, não raro, julgamos erroneamente?
R: – Aquilo que nós pensamos nem sempre corresponde a verdade dos fatos. E nós, quantas e quantas vezes fechamos portas abençoadas de auxílio espiritual porque estamos com as portas da alma escancaradas para a sombra, permitindo que haja invasão em nossa mente de tudo quanto polui, e macula, agride, fere não só a elevação de nossas almas como a integridade psíquica e até física dos nossos semelhantes. Se agimos com certo requinte de educação na Terra, procuremos educar acima de tudo a nossa mente, porque aquele que tem a mente realmente educada, a qualquer instante, em qualquer momento, ele pode servir a Jesus, servindo ao seu semelhante. Ele estará sempre disponível porque realmente cuida daquilo que é fundamental para a vida: espírito através dos pensamentos.

P: – Seria, então, o pensamento, o meio mais fácil para a obsessão?
R: – Os meios que os espíritos encontram para se comunicarem são os pensamentos. Vejam vocês o problema da obsessão, da possessão… O espírito não fala, no entanto localiza o seu perseguido. Ele localiza a criatura que tem débito para com ele através da erraticidade e o encontra. O encontra como? Pela força do pensamento. O pensamento é a linguagem dos espíritos, é a linguagem da alma. No momento em que estamos pensando, estamos gritando na erraticidade, em formas que se delineiam diante da visão daqueles que nos observam. Por isso, o ser encarnado é tão vulnerável, porque ele tem uma vida exterior, às vezes, incompatível com a sua vida interior. Fala uma coisa e faz outra. Age de uma forma e, na verdade, é outra pessoa. E instala, exatamente pelos pensamentos, a maior fonte de elevação ou de degradação do ser humano. Podemos nos colocar em contato com espíritos altamente superiores e deles receber orientação, porque possuímos aquelas micro ondas em nossas almas, que dispensam qualquer ligação, tal qual na Terra, também, se dispensa a ligação elétrica, tal o potencial das micros ondas.

P: – Mas, poderemos também sintonizar com Espíritos benfazejos?
R: – Se estamos com o pensamento superior, se estamos agindo de forma sublimada, podemos atingir, com a força do pensamento, altíssimas esferas e delas receber intuição, orientação e proteção. Mas também podemos descer às enormidades das trevas e lá buscar aqueles degenerados da alma, com quem ontem nos comprazíamos em manter convívio e que, hoje, pela invigilância do pensamento, os despertamos do passado para a convivência do presente. Por essa razão, devemos educar nossa mente, devemos pensar com responsabilidade, porque aquilo que pensamos é o que somos, não aquilo que falamos, porque a astúcia também ensina a falar certo. Existem espíritos altamente trevosos que manipulam até mesmo o que há de mais puro e melhor nas criaturas, para retê-las. Portanto, devemos saber como agimos, como pensamos e, termos cuidado, muito cuidado, com a nossa mente.

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