21 – A Lição da Invigilância

(Da obra “Boa Nova”, de Humberto de Campos, psicografado por Chico Xavier)

Aproximando-se o termo de sua passagem pelos caminhos da Terra, reuniu Jesus os doze discípulos, com o fim de lhes consolidar nos corações os santificados princípios de sua doutrina de redenção.

Naquele crepúsculo de ouro, por feliz coincidência, todos se achavam em Cesaréia de Filipe, onde a paisagem maravilhosa descansava sob as bênçãos do céu.

Jesus fitou serenamente os companheiros e, ao cabo de longa conversação, em que lhes falara confidencialmente dos serviços grandiosos do futuro, perguntou com afetuoso interesse:

– E que dizem os homens a meu respeito? De alguma sorte terão compreendido a substância de minhas pregações?!…

João respondeu que seus amigos o tinham na conta de Elias, que regressara ao cenário do mundo depois de se haver elevado ao céu num carro flamejante; Simão, o Zelote, relatou os dizeres de alguns habitantes de Tiberíades, que acreditavam ser o Mestre o mesmo João Batista ressuscitado; Tiago, filho de Cleofas, contou o que ouvira dos judeus na Sinagoga, os quais presumiam no Senhor o profeta Jeremias.

Jesus escutou-lhe as observações com o habitual carinho e inquiriu:

– Os homens se dividem nas suas opiniões; mas, vós, os que tendes comungado comigo a todos os instantes, quem dizeis que eu sou? Certa perplexidade abalou a pequena assembleia: Simão Pedro, porém, deixando perceber que estava impulsionado por uma energia superior, exclamou, comovidamente:

– Tu és o Cristo, o Salvador, o Filho de Deus Vivo.

– Bem-aventurado sejas tu, Simão – disse-lhe Jesus, envolvendo-o num amoroso sorriso -, porque não foi a carne que te revelou estas verdades, mas meu Pai que está nos céus. Neste momento, entregaste a Deus o coração e falaste a sua voz. Bendito sejas, pois começas a edificar no espírito a fonte da fé viva. Sobre essa fé, edificarei a minha doutrina de paz e esperança, porque contra ela jamais prevalecerão os enganos desastrosos do mundo.

Enquanto Simão sorria, confortado com o que considerava um triunfo espiritual, o Mestre prosseguiu, esclarecendo a comunidade quanto à revelação divina, no santuário interior do espírito do homem, sobre cuja grandeza desconhecida o Cristianismo assentaria suas bases no futuro.

No mesmo instante, preparando os companheiros para os acontecimentos próximos, o Messias continuou, dizendo:

– Amados, importa que eu vos esclareça o coração, a fim de que as horas tormentosas que se aproxima não cheguem a vos confundir o entendimento. Através da palavra de Simão, tivestes a claridade reveladora. Cumprindo as profecias da Escritura, sou aquele Pastor que vem a Israel com o propósito de reunir as ovelhas tresmalhadas do imenso rebanho. Venho buscar as dracmas perdidas do tesouro de Nosso Pai. E qual o pegureiro que não dá testemunho de sua tarefa ao dono do redil? É indispensável, pois, que eu sofra. Não tardará muito o escândalo que me há de envolver em suas malhas sombrias. Faz-se mister o cumprimento da palavra dos grandes instrutores da revelação dos céus, que me precederam no caminho! … Está escrito que eu padeça, e não fugirei ao testemunho.

Havendo pequena pausa na sua alocução, Filipe aproveitou-a para interrogar, emocionado:

– Mestre, como pode ser isso, se sois o modelo supremo da bondade? O sofrimento será, então, o prêmio às vossas obras de amor e sacrifício?

Jesus, no entanto, sem trair a serenidade do seu sentimento, retrucou:

– Vim ao mundo para o bom trabalho e não posso ter outra vontade, senão a que corresponda aos sábios desígnios dAquele que me enviou. Além de tudo, minha ação se dirige aos que estão escravizados, no cativeiro do sofrimento, do pecado, da expiação. Instituindo na Terra a luta perene contra o mal, tenho de dar o legítimo testemunho dos meus esforços. Na consideração de meus trabalhos, necessitamos ponderar que as palavras dos ensinos somente são justas quando seladas com a plena demonstração dos valores íntimos. Acreditais que um náufrago pudesse sentir o conforto de um companheiro que apenas se limitasse a dirigir-lhe a voz amiga, lá da praia, em Segurança? Para salvá-lo, será indispensável ensinar- lhe o melhor caminho de livrar-se da voragem destruidora, nunca tão-só com exortações, mas, atirando-se igualmente às ondas, partilhando dos mesmos perigos e sofrimentos. O fardo que sobrecarrega os ombros de um amigo será sempre mais gravado em seu peso, se nos pusermos a examiná-lo, muitas vezes guiados por observações inoportunas; ele, entretanto, se tornará suave e leve para aquele a quem amamos, se o tomarmos com os nossos esforços sinceros, ensinando-lhe como se pode atenuar-lhe o peso nas curvas do caminho.

Os apóstolos entreolharam-se, surpresos, e o Messias continuou:

– Não espereis por triunfos, que não os teremos sobre a Terra de agora. Nosso reino ainda não é, nem pode ser, deste mundo… Por essa razão, em breves dias, não obstante as minhas aparentes vitórias, entrarei em Jerusalém para sofrer as mais penosas humilhações. Os príncipes dos sacerdotes me coroarão a fronte com suprema ironia; serei arrastado pela turba como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão fel e vinagre, quando manifestar sede, para que se cumpram as Escrituras; experimentarei as angústias mais dolorosas, mas sentirei, em todas as circunstâncias, o amparo dAquele que me enviou! … Nos derradeiros e mais difíceis testemunhos, terei meu espírito voltado para o seu amor e conquistarei com o sofrimento a vitória sagrada, porque ensinarei aos menos fortes a passagem pela porta estreita da redenção, revelando a cada criatura que sofre o que é preciso fazer, a fim de atravessar as sendas do mundo, demandando as claridades eternas do plano espiritual.

O Mestre calou-se, comovido. A pequena assembleia deixava transparecer sua surpresa indefinível, sem compreender a amplitude das advertências divinas.

Foi aí que Simão Pedro, modificando a atitude mental do primeiro momento e deixando-se conduzir na esteira das concepções falíveis do seu sentimento de homem, aproximou-se do Messias e lhe falou em particular:

– Mestre, convém não exagerardes as vossas palavras. Não podemos acreditar que tereis de sofrer semelhantes martírios… Onde estaria Deus, então, com a justiça dos céus? Os fatos que nos deixais entrever viriam demonstrar que o Pai não é tão justo! …

– Pedro, retira essas palavras! – exclamou Jesus, com serenidade enérgica. –

Queres também tentar-me, como os adversários do Evangelho? Será que também tu não me entendes, compreendendo somente as coisas dos homens, longe das revelações de Deus?! Aparta-te de mim, pois neste instante falas pelo espírito do mal!

Verificando que o pescador se emocionara até às lágrimas, o Mestre preparou-se para a retirada e disse aos companheiros:

– Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga os meus passos.

No dia seguinte, a pequena comunidade se punha a caminho, vivamente impressionada com as revelações da véspera. Simão seguia humilde e cabisbaixo. Não conseguia compreender por que motivo fora Jesus tão severo para com ele. Em verdade, ponderara melhor suas expressões irrefletidas e reconhecera que o Mestre lhe perdoara, pois observava que eram sinceros o sorriso e o olhar com- passivo que o envolviam numa alegria nova. Mas, sem poder sopitar suas emoções, o velho discípulo aproximou-se novamente de Jesus e interrogou:

– Mestre: por que razão mandastes retirar as palavras em que vos demonstrei o meu zelo de discípulo sincero? Alguns minutos antes, não havíeis afirmado que eu trazia aos companheiros a inspiração de Deus? Por que motivo, logo após, me designáveis como intérprete dos inimigos da luz?

– Simão – respondeu o Messias, bondosamente -, ainda não aprendeste toda a extensão da necessidade de vigilância. A criatura na Terra precisa aproveitar todas as oportunidades de iluminação interior, em sua marcha para Deus. Vigia o teu espírito ao longo do caminho. Basta um pensamento de amor para que te eleves ao céu; mas, na jornada do mundo, também basta, às vezes, uma palavra fútil ou uma consideração menos digna, para que a alma do homem seja conduzida ao estacionamento e ao desespero das trevas, por sua própria imprevidência! Nesse terreno, Pedro, o discípulo do Evangelho terá sempre imenso trabalho a realizar, porque, pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos entes mais amados na Terra, os quais, embora ocupando o nosso coração, ainda não podem entender as conquistas santificadas do céu.

Acabando o Cristo de falar, Simão Pedro calou-se e passou a meditar.

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