A omissão e as suas consequências espirituais
Anselmo Ferreira Vasconcelos
Toda criatura humana retorna à ribalta da vida material carregando em seu átrio um conjunto de metas a cumprir, isto é, fracassos e desajustes a reparar, virtudes e capacitações a desenvolver, aprendizados para aperfeiçoar o comportamento e os sentimentos, lições de vida para assimilar e situações de testemunho, que aferirão, por fim, o seu real progresso espiritual. As experiências redentoras serão mais ou menos acentuadas a depender dos seus compromissos e débitos perante as leis divinas.
Nesse sentido, cada um de nós tem a sua própria história de erros e desacertos. E por não termos alcançado a necessária elevação, tropeçamos, não raro, em nossas imperfeições e defeitos milenares.
No decorrer da vida, a maioria das pessoas tende a internalizar o dever de não praticar o mal e realizar o bem. Ocorre que, entre esses dois extremos, há um estágio intermediário representado pela omissão comportamental. Trata-se de uma postura igualmente comprometedora à evolução das criaturas, embora muito praticada, conforme atestam as evidências. Aliás, cabe destacar que muitas atrocidades foram cometidas ao longo da trajetória humana devido à omissão dos atores envolvidos. O próprio Jesus, nas horas mais pungentes do seu messianato, sentiu-a através do abandono dos seus seguidores e beneficiados.
O assunto merece profunda reflexão, já que vivemos num mundo onde a noção do bem não foi devidamente instalada não apenas por causa da prevalência do mal, mas também pela nossa omissão em sufocá-lo. Allan Kardec explorou o tema na questão 642 d’O Livro dos Espíritos ao indagar as entidades espirituais o seguinte: “Para agradar a Deus e assegurar a sua posição futura, bastará que o homem não pratique o mal? Não; cumpre-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo mal que haja resultado de não haver praticado o bem”. Notem que a neutralidade aqui em nada contribuí para o bem-estar espiritual do indivíduo claudicante.
O assunto é retomado na obra O Céu e o Inferno no trecho: “[…] Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre”. Segue daí, portanto, que a ausência de atitudes concretas na direção do bem provoca consideráveis infortúnios ao Espírito tergiversante. Assim sendo, consoante a conclusão do Codificador, “A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra — tal é a lei da Justiça divina”.
Quando olhamos a abundante imperfeição presente nas instituições, nos governos, nos ambientes de trabalho, no funcionamento das sociedades e sobretudo nas relações humanas, identificamos também que o imperativo do bem não é uma prioridade. Infelizmente, deixamos de praticá-lo em situações e contextos onde a nossa boa vontade e empatia são altamente requeridas. Não cogitamos que pequenas ações e iniciativas de nossa parte poderiam ser implementadas, o que certamente redundariam em benefícios aos nossos semelhantes. Com efeito, o nosso engajamento em fazer o bem, além de ajudar em nossa própria autoiluminação, atenua as agruras dos nossos irmãos. Desse modo, evitar a prática maléfica constitui apenas um dos nossos desafios. Mas não é suficiente à nossa evolução.
Por isso, alerta-nos com propriedade o Espírito Emmanuel, no livro Justiça Divina (psicografia de Francisco Cândido Xavier):
“Asseveras não haver praticado o mal; contudo, reflete no bem que deixaste a distância.
“Não permitas que a omissão se erija em teu caminho, por chaga irremediável.
“Imagina-te à frente do amigo necessitado a quem podes favorecer.
“Não te detenhas a examinar processos de auxílio.
“[…]
“Não percas a divina oportunidade de estender a alegria.
“[…]
“Faze, em cada minuto, o melhor que puderes.”
Contudo, deixamos de fazer por inúmeras razões – até por pura indiferença, ou casuísmo – coisas boas e positivas que, em muitas ocasiões, estão ao nosso alcance e não exigem nenhum grande esforço de nossa parte em realiza-las. Mais ainda: não percebemos que elas poderiam aliviar a cruz dos nossos irmãos de jornada. Desperdiçamos, devido à nossa incúria e imaturidade espiritual, oportunidades excepcionais de fazer brilhar a nossa luz através dos sublimes mecanismos da solidariedade, compaixão e boa-fé. Não cogitamos que nessas ocasiões estamos sendo efetivamente testados pela providência divina. Não lembramos – muito menos deduzimos – que concordamos em assumir e executar tarefas benéficas em prol dos outros. No entanto, diante da oportunidade sagrada normalmente fracassamos. Lamentavelmente, o comportamento omisso continua causando consideráveis aflições em nosso mundo.
O Espírito Joanna de Ângelis, na obra Celeiro de Bênçãos (psicografia de Divaldo Pereira Franco), faz observações contundentes a respeito. Por exemplo, a elevada entidade afirma que “A omissão, no entanto, é responsável pelo desmoronamento de ideais enobrecedores com que a Humanidade sempre foi contemplada, porquanto estimula a desordem, no silêncio conivente; açula a ira, pela morbidez que dissemina; favorece a fuga dos dubitativos que se resolvem pela atitude mais fácil. Omissão, é, também, ausência de firmeza de caráter, covardia moral”.
Para ela ainda, “O cristão omisso é alguém em vias de decomposição emocional, que está em processo de morte sem o perceber. Desse modo, constrói sempre e convictamente o bem em toda parte, comunicando entusiasmo e otimismo, descobrindo, por fim, que o contágio do amor e da esperança…”
Por outro lado, é comum nos queixarmos dos problemas e obstáculos que surgem desafortunadamente em nosso caminho. São experiências – perfeitamente evitáveis, em muitos casos – sofríveis que adicionam mais transtorno às nossas vidas. Sendo essa a realidade, meditemos se, de nossa parte, também nós contribuímos para isso devido à nossa omissão e silêncio diante das coisas erradas. Vivendo num mundo onde a imperfeição tudo abarca, podemos, pelo menos em nossa esfera de ação, averiguar se o comportamento omisso ainda nos inspira. Com efeito, chegar no plano espiritual carregando tal passivo só nos fará mal.
Anselmo Ferreira Vasconcelos
Fonte: Espiritismo na Rede