Vade retro obsessor ou baldios “descarregos”?
Jorge Hessen
jorgehessen@gmail.com
De A a Z, ou seja, de “Abaddon” da mitologia cristã a “Zulu Bangu” da mitologia africana há mais de 200 codinomes para designar os “demônios”. Entretanto, sabemos que os “demônios”, como são caracterizados pela teologia decrépita, não são criaturas reais. Conforme o senso comum, a expressão “demônios” significa seres essencialmente perversos e seriam, como todas as coisas, criação de Deus. Ora, Deus que é soberanamente justo e bom não poderia ter criado Espíritos predispostos ao mal para toda a eternidade.
O Espiritismo nos faz distinguir a natureza e a origem desses “demônios”, a partir do princípio de que todos os seres humanos foram criados simples e ignorantes, portanto, imperfeitos, sem conhecimentos e sem consciência do bem e do mal. Pela Lei de evolução todos nós, sem qualquer exceção, conseguiremos alcançar a relativa perfeição e gradualmente desenvolveremos virtudes, a fim de avançarmos na hierarquia espiritual até alcançarmos a plena felicidade na “angelitude”.
Além disso, sobre os famigerados “coisas-ruins”, o Codificador do Espiritismo nos ensina que eles [os “demônios”] são nossos irmãos, porém são Espíritos que ainda se encontram moralmente nas classes inferiores, todavia, chegará um dia em que se cansarão dos sofrimentos e compreenderão a necessidade de bancarem o bem.
Os “demônios” devem, portanto, ser entendidos como referentes aos Espíritos impuros, que frequentemente não são melhores que os designados por esse nome, mas com a diferença de serem os seus estados tão-somente transitórios. Na verdade, eles são os Espíritos imperfeitos que resmungam contra as suas provações e por isso as sofrem por mais tempo, entretanto chegarão livremente à perfeição, quando se dispuserem a isso.
Se existissem “demônios”, eles seriam criação de Deus, ora, o Senhor da vida seria justo e bom se tivesse criado seres devotados eternamente ao mal e infelizes? Se há “demônios”, descreveram os Benfeitores do além a Allan Kardec, “eles habitam em teu mundo inferior e em outros semelhantes. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo, um Deus mau e vingativo e crêem lhe serem agradáveis pelas abominações que cometem em seu nome”. [1]
O vocábulo demônio não implica na ideia de Espírito mau senão na sua acepção contemporânea, porque a terminologia grega Daimon, da qual se origina, significa, “Deus”, “poder divino”, “gênio”, “inteligência”, e se utiliza para indicar os seres incorpóreos, bons ou maus, sem distinção. Porém, há pessoas que acreditam no poder maléfico do “Príncipe das Trevas” e até o enaltecem em suas igrejas. Não me surpreenderia se fossem fechadas muitas igrejas se os seus dirigentes deixassem de acreditar em Satanás. (Pasme!)
Os antigos e modernos sacerdotes fizeram e fazem com os “demônios” o mesmo que com os “anjos”. Do mesmo modo que arquitetaram a imagem de seres perfeitos desde toda a eternidade, construíram igualmente os Espíritos inferiores por seres perpetuamente maus. Os partidários da “doutrina dos demônios” se apóiam nas cridas repreensões do Cristo. Chegou-se ao absurdo de criar o instituto do exorcismo para afugentamento de tais entidades.
Amparados no alarido beneditino “vade retro Satã!”, os exorcistas exortam os espíritos demoníacos a saírem do corpo dos possessos, valendo-se igualmente da invocação do nome de Deus, de Cristo e todos os anjos. E ao final dos extenuantes berreiros e invocações, sempre sob o arrimo da “reza brava” e “água benta”, o resultado aparentemente surge de forma rápida, mas sem sustento duradouro.
Inexplicavelmente há instituições “espíritas” que promovem sessões de “desobsessão” (ou seria exorcismos?), que consideram mais “fortes” e com efeitos “imediatos”, conforme garantem seus realizadores, contudo lamentavelmente nesses estranhos “tratamentos espirituais” (ou descarrego?) são normatizados exclusivamente um procedimento coercivo, o “banimento” instantâneo e transitório do obsessor. Mas será que esse rápido afastamento espiritual é possível? Ora, é obvio que não, pois é impossível “rebentar, de um instante para outro, algemas [mentais] seculares forjadas nos compromissos recíprocos da vida em comum?” [3] Impossível, mesmo!
Os espíritas compreendem que os cognominados, “capetas”, “coisa-ruim”, “lúcifer”, “diabo”, “satanás”, “satã”, “cão”, “demo”, “besta” e outros “demônios” que reverberam na mente do povo, não são seres votados por Deus à prática do mal, e sim seres humanos desencarnados que se desequilibraram em atitudes infelizes perante a vida. “Na raiz do problema encontramos a necessidade de considerar os chamados “espíritos das trevas” [demônios] por irmãos verdadeiros, requisitando compreensão e auxílio, a fim de se remanejarem do desajuste para o reequilíbrio neles mesmos.” [2]
Referência bibliográfica:
[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 131, RJ: Ed. FEB, 2001
[2] XAVIER Francisco Cândido. Caminhos de Volta, ditado por espíritos diversos, SP: edição GEEM, 1980
[3] XAVIER, F. C. Missionários da Luz, pelo Espírito André Luiz. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1970.