O SINAL DE IDENTIDADE DO CRISTÃO
Florilégios Espirituais é um livrinho escrito pelo espírito Francisco do Monte Alverne, pela psicografia de Divaldo Franco, no ano de 1980. Tenho em mãos o exemplar da Editora IDE, Araras, São Paulo, 5ª edição, 1993. Digo “livrinho” não no sentido depreciativo, pois o que desejo é exaltar a qualidade do conteúdo. É livrinho em relação apenas ao seu tamanho. Internamente se aproveita a totalidade do escrito do eminente sermonista católico que retorna com pensamento renovado pelo conhecimento do Espiritismo. Aliás, muitos católicos desencarnados estão trazendo sua mensagem pela mediunidade antes combatida ou desconsiderada. Apesar de terem professado a religião católica durante as suas últimas encarnações, voltam defendendo o Espiritismo, demonstrando dessa maneira que foram bons cristãos, homens que defenderam com dignidade as idéias que agasalhavam, mas também verdadeiros ao ponto de reconhecerem que, na atualidade o Espiritismo representa, do ponto de vista ético, a restauração do cristianismo de Jesus.
Frei Francisco do Monte Alverne
De acordo com a Wikipédia, Francisco do Monte Alverne é o cognome de Francisco José de Carvalho. O autor nasceu no Rio de Janeiro em 1783. Estudou filosofia e teologia durante quatro anos, junto a uma turma de 11 brasileiros e 11 portugueses, graças à instituição pela qual o mesmo número de brasileiros e portugueses deveriam ter acesso aos estudos religiosos no Brasil. Apresentou-se em 1800 ao Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Em 1802 chegou ao Convento de São Francisco de Assis em São Paulo, e em 1008 tornou-se presbítero pela Ordem dos Franciscanos. Neste convento, Frei Francisco do Monte Alverne se tornou pregador itinerante e lente de filosofia. Em 1816 Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde alcançou o posto de Pregador Real. Lecionou Retórica e outras disciplinas no Colégio São José/Rio de Janeiro. Em 1836, tomado pela cegueira, recolheu-se e veio a falecer na casa de amigos em Niterói (1858). o cognome “Monte Alverne”, escolhido pela ordem, remete a um período de reflexão. O Monte Alverne foi o local para onde Francisco de Assis dirigiu-se a fim de refletir sua religiosidade e retornou com a perspectiva da renúncia aos prazeres mundanos e da solidariedade em relação ao próximo.
Frei Francisco foi considerado por Gonçalves de Magalhães como precursor das idéias românticas no Brasil. Foi pregador da Real Capela e do Império do Brasil. Publicou as seguintes obras: Obras Oratórias (1833), em 4 volumes e “Compêndio de Filosofia” (1859), em que defende o ecletismo dos pensadores franceses e as doutrinas de Locke e Condillac, e combate o tomismo e a escolástica. ´a sua época foi expoente do gênero literário sermonístico, juntamente com outros como o Padre Antonio Vieira.
Segundo Maria Renata da Cruz Duran, em http://www.intellectus.uerj.br/Textos/Ano3n2/Texto%20de%20Maria%20Renata%20da%20Cruz%20Duran.pdf, ele:
Foi responsabilizado por Gonçalves de Magalhães como precursor das idéias românticas no Brasil. Como estas idéias consistem, no dizer de autores como Antonio Candido (1969), Silvio Romero (1902) e Sérgio Buarque de Holanda (195), nas letras de fundação da identidade nacional e, ao cabo, na invenção de uma intelectualidade brasileira, […].
Monte Alverne, então, deu a sua contribuição para a formação da cultura e da identidade nacional brasileira. Neste mesmo trabalho a autora afirma que Afrânio Coutinho detectou na obra de Monte Alverne a instrumentalização religiosa da moralidade política. Para as nossas finalidades isso é o que basta para apresentar o autor.
Logo na Introdução alerta:
Não travamos conhecimento direto com as Obras espíritas, enquanto no corpo somático, já que retornamos, quando “O Livro dos Espíritos” estava sendo divulgado em França. Todavia, após o despertar, recuperando os dons preciosos da visão e do discernimento. tomamos conhecimento da Nova Revelação que se espraiava na Terra, dando cumprimento à promessa de Jesus sobre o Consolador.
Após agradecer à Igreja Católica por ter direcionado seus passos, guiando-o para o Bem, ele continua:
Abordando temas sob angulação mais feliz do que antes fizéramos, muitos críticos sinceros irão tentar fazer paralelos de estilo procurando o orador do passado, cuja vaidade intelectual desapareceu com as cinzas do corpo…
Outros críticos, os que se comprazem em acionar os camartelos da destruição, sempre armados para a agressão ácida e a censura perniciosa, encontrarão bons argumentos para os seus tentames e atuações, […].
Do eminente sermonista, todas as dissertações que constam do “florilégios”, captadas pela mediunidade de Divaldo Franco, são totalmente aproveitáveis. Cada frase, cada período, cada oração, cada sentença, contém um apelo, um aviso, uma recomendação aos espíritas. Uma delas atraiu-me a atenção, foi “Sacrifícios”. Passemos a analisá-la, em partes.
Logo no parágrafo de introdução da dissertação Monte Alverne estabelece uma diferença essencial entre o cristianismo de Jesus e o dos homens. Esta diferenciação, embora não pareça, é de fundamental importância. Muitos espíritas recusam a identidade do Espiritismo com o Cristianismo por considerarem que o cristianismo, isto é, o movimento que se institucionalizou, criando hierarquias baseadas em subordinação e tendo por modelo o Império e o exército romano, contrariando o modelo organizacional proposto pelo apóstolo Paulo, principalmente. Este movimento, aliando-se ao Estado, deturpou os ensinamentos originais de Jesus, modificou seus objetivos, que eram de libertação das conscienciais para a dominação política, e inclusive transformou Jesus num mito.
O Cristianismo é a pedra de toque, que rompe o arcabouço escuro da mentira para que fulgure a verdade luminífera. Toda a sua ação se dirige para a transformação moral do homem, […].
Com isso ele diz que a dominação não é objetivo do Cristianismo verdadeiro. E, ainda no mesmo parágrafo, continua:
(O Cristianismo) Não é um movimento isolado na história da humanidade, antes significa o mais audacioso de que se tem notícia através dos tempos. Medrando numa época de semibarbárie, é a sublime aliança da Divindade com a criatura humana, a fim de extrair o homem das paixões dissolventes e içá-lo à grandiosidade das nebulosas siderais.
Não é um movimento isolado porquanto não surgiu em consequência de fatores econômicos e políticos, simplesmente. Mais do que uma reação puramente material a uma situação de extrema violência, o Cristianismo é uma Aliança, um pacto, entre a “divindade” e a humanidade. A ação planejada do plano espiritual é sugerida como a força que move, através dos séculos, os homens na busca da sua humanização.
Disso ressalta-se a nossa responsabilidade, como cristãos e espíritas, na tarefa de cooperadores dos espíritos que dirigem a evolução do planeta.
O Cristianismo, ao inverso dos privilégios concedidos a um povo em detrimento de outro, deu um caráter de generalidade ao ensino, dizendo que são irmãs todas as criaturas sem distinção de credo, de raça, de cor, de posição social.
Ao contrário do Judaísmo, que colocava uma nação como superior a todas as outras, o Cristianismo propõe a derrubada de qualquer barreira, de qualquer fronteira de separação entre as criaturas.
Aqueles que aderem aos Seu pensamento (de Jesus) tornam-se mártires, heróis que já nascem feitos, graças à ardência das motivações que pulsam nas paisagens dos seus sentimentos, convidados pelo Governador da Terra para modificar-lhe as estruturas sociais e filosóficas.
O sacrifício constitui, no Cristianismo, o sinal de identidade entre a criatura e o lídimo ideal que abraça.
Como as culturas atávicas não podem ser dissolvidas num passe de mágica há necessidade daqueles que vivam os seus ideais para fomentar uma nova maneira de entender e viver no mundo. As dificuldades para essa transformação são imensas, o que exige esforços extremos daqueles que foram convidados à tarefa redentora. Por isso não se pode dizer espírita ou cristão aquele que não se identifique com este ideal e o não aplique e viva até as entranhas. As estruturas sociais e filosóficas de que fala Monte Alverne são os planos do pensamento e da prática enraizados no cotidiano de todos nós. Desenvolvendo o parágrafo, Monte Alverne assevera:
Foi pelo testemunho do martirológico que a grandeza desta força ciclópica se insculpiu nas páginas serenas e ao mesmo tempo convulsionadas da história universal. Mesmo hoje, o Cristianismo ainda não perdeu o impositivo do ideal sacrificial que devem manter os que se lhe vinculam, por uma necessidade de trocarem o fastio do século pela ardência da fé, da imortalidade.
Quando escreveu estas palavras, no início da década de oitenta, do século vinte, é possível que Frei Francisco do Monte Alverne estivesse visualizando o futuro, nosso presente, quando muitos que se dizem cristão estão acomodados. Quem de alguma forma se vincula ao Cristianismo de Jesus necessariamente deve considerar o sacrificio como algo comum em sua vida. Como enfrentar e mudar o mundo atual, no sentido da implantação do reinado do bem na Terra, sem essa força interior que leva os cristãos verdadeiros a renunciarem às benesses do mundo para promover o bem? Se o Cristianismo ainda não perdeu o impositivo do ideal sacrifical, porque tantos cristãos e tantos espíritas se amolentaram na conivência com o mal? Será que o Cristianismo que dizem professar é apenas superficial? Será que eles interpretam o Cristianismo de uma maneira muito peculiar? Será que eles querem um evangelho fofo, um evangelho sobre almofadas de cetim?
Jesus sabia que isso aconteceria. Ele previu que os seus discípulos se calariam diante do mal, assim como Pedro o negou e diversos amigos o abandonaram na hora das dificuldades. Se os discípulos da primeira hora o abandonaram por medo já não é o mesmo o que ocorre agora. Hoje, muitos o abandonam para conquistar facilidades transitórias.
“Quando os meus discípulos se calarem, as pedras falarão” – esclareceu Jesus, por compreender que a pusilanimidade humana teria ensejo, um dia, de aderir às questões circunstanciais da governança terrestre.
O reconhecimento e ação no bem para debelar o mal acontece e acontecerá sempre, mesmo que aqueles designados para implantar o reinado do bem na Terra esqueçam dos seus compromissos. Na expressão de Jesus, se estes se calarem até os seres inanimados acusarão e mostrarão o que aqueles não querem ver.
Continuando:
Ainda aqui, neste renascer dos ideais cristãos (o Espiritismo), o sacrifício tem regime de urgência, porque foi no sacrifício dos mártires dos primeiros tempos que a semente do bem fecundou e a árvore generosa desdobrou galhadas para albergar a humildade, a fé e a caridade e para fazer que, contrapondo-se à dominação arbitrária do mundo, homens extraordinários como Vicente de Paulo, aos dezoito anos, organizasse uma Ordem Religiosa para sair a pregar a verdadeira fraternidade e a palavra de Deus. […].
Luiz Gonzaga, […], deu sua vida para atender os pestosos, auxiliando os portadores de cólera quando enfermidade dizimadora se espalhava em clamorosa vitória.
O autor de “Florilégios Espirituais”, na continuidade, faz uma análise do impacto das diversas tecnologias nos comportamentos humanos, e como estes efeitos estão modificando o conceito cristão de sacrifício.
A tecnologia moderna, aliada às ciências da informática, está mudando o conceito do sacrifício dos cristãos novos, que se amolentam no prazer, em desprestígio das austeridades que forjam os verdadeiros heróis e que fazem os lídimos ganhadores do reino dos céus.
Quando os espíritos falam em informática acredito que a maioria de nós remeta o pensamento para os hoje onipresentes computadores. Mas não é somente isso. Eles incluem neste conceito todos os sistemas e equipamentos que produzem ou auxiliam a transmissão automática da informação, como o rádio, a televisão, a telefonia fixa ou móvel, a internet e etc. Com efeito, informática é uma palavra justaposta que quer dizer informação automática. Com o advento dos microprocessadores foi possível a criação de uma infinidade de aparelhos que fazem com grande rapidez e perfeição o trabalho humano. Ela produz desemprego, é verdade, mas também tiram uma carga enorme dos ombros humanos. O problema é que nos acostumamos com a vida fácil e daí para não querer nenhum tipo de esforço o intervalo é muito curto.
A mecanização sistemática, o automatismo arbitrário vem fazendo que o cristão novo se isole do exercício da solidariedade, da verdadeira fraternidade, matando a seiva da caridade que, não obstante dispense as moedas não pode perder o vigor, pela falta de vitalidade emocional, na participação das lides socorristas.
Hoje praticamos “caridade” por procuração; proliferam nos meios de comunicação as campanhas para arrecadação de fundos, e nós, como “bons cristãos” metemos a mão no mouse para acessar e clicar em nossas contas bancárias fazendo a facílima transferência de fundos. Com este ato nos sentimos tranquilos, acreditando ter cumprido com um dever. Mas, Monte Alverne alerta que estes comportamentos, na verdade, nos desvitalizam do essencial combustível emocional.
O Evangelho Segundo o Espiritismo ensina que quando maior a dificuldade para praticar um bem mais meritório ele é. Mas preferimos o caminho mole, fácil, “tranquilo”. Nos esquecemos que a caridade é um exercício que não necessita da presença do amor para ser concretizada. Ela visa, isso sim, despertar aquele potencial poderoso que todos sem exceção carregamos dentro de nós. Há, sem dúvida que pratique a caridade abrasado pelo “sol de mil faces”, o amor. Não é o caso da maioria de nós. Ainda temos necessidade de praticar a caridade como exercício de despertamento desse germe vivaz. A pratica da caridade é a faísca que acende a fogueira do amor, esse sol interior.
O antigo sermonista não poderia deixar de nos alertar:
O conforto exagerado, a comodidade superlativa vem fazendo que os cristãos se apresentem modorrentos, cansados, sem terem a dinâmica que tipificava os lidadores do passado.
Alguns esclarecimentos se fazem necessários. Já fui acusado, ou melhor, alertado, certamente por pessoas que desejam o meu bem, sobre a utilização de palavras fortes quando me refiro aos comportamentos vigentes em nosso movimento. Mas, veja o leitor que essas palavras “fortes” não são exclusividades minha. Espíritos de escol as utilizam. Se fizermos uma pesquisa atenta veremos que Joana de Angelis faz uso constante dessas palavras, ditas fortes. Emmanuel é rico em expressões “fortes”. O próprio codificador as utilizou. É verdade que Kardec, em “O Livro dos Médiuns” chamou algumas de pessoas de burras, mas com tanta elegância que a maioria nem notou. Por exemplo, quando diz […] é preciso se seja dotado de muito obtuso juízo, para confundir a exageração de uma coisa com a coisa mesma. (cap. IV. item 39). Em resumo, em palavras rebuscadas, o que ele diz é que é presico ser muito burro para confundir uma coisa com a outra. Caso tenha alguma dúvida, consulte um dicionário para verificar o significado da expressão utilizada pelo codificador.
Modorra, em bom português quer dizer sonolência, preguiça. Para vencer essa essa preguiça, ele recomenda:
Ponde sacrifício nas vossas ações. Colocai o esforço da vossa contribuição pessoal, o vosso suor, nas atividades evangélicas para que não a descaracterizem, dando a vossa contribuição pessoal intransferível, a dita dos vossos valores intrínsecos.
Parece que Monte Alverne está gritando em nossos ouvidos a necessidade de nos mexermos, se quisermos realmente modificar esse mundo que está em ruínas morais. Observe que ele fala da necessidade de dar a nossa contribuição de esforço pessoal para que o movimento espírita não seja descaracterizado. Sem esforço, sem sacrifícios, não haverá nenhuma regeneração. Somos cooperadores da providência e devemos assumir nossas responsabilidades.
Há quem pense que sacrifício o é somente o que provoque dor. O conceito de sacrifício está incluso num outro mais abrangente e de fundamental importância para a compreensão do verdadeiro significado de caridade. É o de abnegação. Esta virtude, elemento primacial da caridade, significa o esforço, a renúncia de algo que nos seja agradável, para beneficiar a outrem. Mesmo nas hostes espíritas, pretensos renovadores dos ideais cristãos, essa virtude está muito esquecida. Tente o leitor reunir um grupo de espíritas para trabalhar em prol dos necessitados num dia ensolarado e convidativo para a praia. Muitos se prontificarão, alguns comparecerão e um grupo reduzíssimo permanecerá até o final da tarefa. Afinal, temos muitos compromissos importantes, como assistir ao jogo do nosso time, lavar o carro, ler um bom livro numa rede. Se este convite acontecer no sul do Brasil, no período do frio, então teremos compromissos inadiáveis, como preparar uma boa e gorda picanha, tomar alguns copos de vinho com os amigos diante da lareira para esquentar o corpo… As desculpas são muito mais criativas do que estas que apresentei. A verdade é que sacrifício, hoje, para os cristãos novos, como diz Francisco do Monte Alverne, é um belo de um palavrão.
A pergunta que cutuca a minha mente é a seguinte: se tudo isto está acontecendo não será porque os centros espíritas estão mal organizados para formar uma legítima consciência espírita? Será que não estão se perdendo em mil tarefas divergentes enquanto os sistemas de formação permanecem precários?