Paulo e a médium de Filipos
Autor: Daniel Salomão Silva
Destacando contribuições da obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier, temos apresentado em alguns textos desta revista análises comparadas de conclusões da pesquisa bíblica acadêmica com informações mediúnicas.[i] Entendemos que dessa união pode surgir uma compreensão mais profunda e madura dos episódios e ensinamentos do Evangelho.
Como também apontamos em outro momento,[ii] o próprio Codificador, após ter contato com as psicografias “históricas” de Ermance Dufaux, afirmou que “as comunicações espíritas podem esclarecer-nos sobre a História, desde que nos saibamos colocar em condições favoráveis”.[iii] Nessa mesma direção, a obra Paulo e Estêvão é material riquíssimo de informações, que, com todo o cuidado que as obras mediúnicas merecem, e em diálogo com as conclusões acadêmicas a partir dos textos bíblicos, pode nos aproximar das impressões dos primeiros cristãos.
O cuidado com anacronismos, ou seja, com a aplicação de ideias ou sentimentos de uma época a outra, quando talvez eles ainda nem existissem, é outra questão que temos destacado. É observável entre religiosos, mesmo espíritas, a compreensão de que os primeiros cristãos pensavam e agiam religiosamente como eles agem atualmente, com as mesmas crenças e conhecimentos. Contudo, não temos acesso ao que exatamente os primeiros cristãos conheciam sobre mediunidade, plano espiritual, entre outros conceitos, ainda que percebamos fortes semelhanças com o pensamento espírita. Nesse sentido, observar a forma como descreviam suas experiências anímicas ou mediúnicas pode nos prevenir de tirar conclusões precipitadas ou mesmo de defender, de forma equivocada, posições espíritas a partir dos textos bíblicos.[iv] O episódio que destacamos aqui é um bom exercício dessa proposta e pode enriquecer nossa visão sobre como Paulo de Tarso compreendia o fenômeno mediúnico.
Em sua segunda viagem missionária, o Apóstolo dos Gentios, durante sua permanência na cidade de Filipos, antiga colônia romana de grande importância cultural e política,[v] teve que lidar com interessante situação:
Certo dia, quando íamos para a oração, veio ao nosso encontro uma jovem escrava que tinha um espírito de adivinhação; ela obtinha para seus amos muito lucro, por seus oráculos. Começou a seguir-nos, a Paulo e a nós, clamando: “Estes homens são servos do Deus altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação”. Isto ela o fez por vários dias. (Atos, 16:16-18).
Na apresentação desse episódio em Paulo e Estêvão, Emmanuel é bem fiel ao texto bíblico, mas enriquece-o com outros detalhes. Ainda que a expressão “escrava”, presente no trecho bíblico, não apareça no texto mediúnico, o autor espiritual parece indicar essa relação ao denunciar a presença de “patrões” que controlavam a médium[vi] (observe que no texto de Atos a tradução da Bíblia de Jerusalém escolhe a palavra semelhante “amos” para o termo grego kyriois, em geral traduzido por “senhores”). Ademais, no mundo mediterrâneo greco-romano da Antiguidade, que incluía a cidade de Filipos e sua redondeza, era comum a presença de escravos, integrados “em todos os níveis da economia”, o que demandava deles certa instrução e reservava-lhes certa autonomia, situação confortável se comparada ao brutal modelo moderno de escravidão.[vii] Entre eles encontramos engenheiros, médicos, poetas e, como no caso em questão, até mesmo médiuns. Como aponta Emmanuel, “estimulados pelo ganho fácil, os patrões haviam instalado um gabinete onde a pitonisa atendia às consultas”, altamente rendosas.[viii]
Ainda na descrição da médium, o autor espiritual, ao denominá-la “pitonisa”, relaciona-a à tradição oracular de Delfos, onde a comunicação mediúnica era tida por “oráculo infalível”. Mesmo que Delfos não seja mencionado diretamente em Atos, a expressão “espírito de adivinhação” (pneuma pythôna no original grego, ou seja, espírito pitônico) é referência direta a essa tradição grega. O contato de Paulo com a médium filipense, em verdade, representa o primeiro encontro, ou pelo menos o único registrado no Novo Testamento, “entre os apóstolos e a representante local de um fenômeno cultural grego reconhecido e venerado: o espírito de adivinhação de Apolo Pitônico”.[ix]
Métodos de adivinhação foram muito importantes na Antiguidade, incluindo as religiosidades grega e judaica. Por sonhos, lançamento de sorte, observação dos astros e da natureza ou, como no nosso caso, por consulta a um oráculo, o povo e as lideranças políticas buscavam orientação para os mais diversos assuntos, dos mais frívolos a decisões imperiais. O que caracterizava um oráculo (do latim oraculum, cuja raiz, os/oris é “boca”, e que traduz termos bíblicos gregos e hebraicos referentes a revelações divinas), em geral, era a consulta a uma divindade ou a um Espírito através de um intermediário humano, por meio de perguntas respondidas às vezes enigmaticamente, imediatamente ou após certo intervalo de tempo.[x]
O mais famoso deles foi o de Delfos, na Grécia, cujo deus responsável, nas crenças gregas, era Apolo. A partir de vapores que subiam das profundezas da terra por uma fenda, uma mulher, a pítia ou pitonisa, sentada sobre uma trípode, entrava em transe, quando então recebia suas inspirações.[xi] Essa função, entendida como muito honrosa, foi exclusivamente ocupada por mulheres, preferencialmente com pouca cultura e sem eloquência, o que, no entendimento da época, ressaltava a atuação da divindade.[xii] Seu apogeu se deu entre os séculos VII e IV a.C., mas, mesmo que ainda presentes, já no século I d.C. Delfos e outros oráculos começaram a diminuir em seriedade e importância, até serem praticamente extintos com a adoção do Cristianismo como religião imperial. Delfos, por exemplo, se tornou paulatinamente um ponto turístico. O próprio historiador e ex-sacerdote desse oráculo, Plutarco (46 – 120 d.C.), chegou a lamentar que lá “muitos pedidos de oráculos eram motivados por frivolidade, curiosidade ou interesses ignóbeis e egoístas”,[xiii] o que justificava sua decadência.
Contudo, a médium de Filipos só pode ser associada à pitonisa de Delfos por analogia. Nada indica que tenha ocupado essa função em algum momento ou mesmo que tenha sido instruída nessa direção. Em verdade, sua condição de escrava é indício de uma origem bem modesta, não de uma família de destaque, como se esperaria no famoso oráculo grego. Outras diferenças podem ser apontadas: diante de Paulo, a médium se expressou espontaneamente, enquanto que, em Delfos, teria sido provocada por questões dos consulentes.[xiv] Além disso, não há notícia de vapores envolvidos em seu transe mediúnico, nem de sacerdotes que interpretassem ou transmitissem suas comunicações e, por fim, nenhuma divindade identificada como fonte da inspiração. De qualquer forma, associá-la à tradição de Delfos nos traz importantes pistas sobre o que de fato ocorreu.
Em uma cidade de minoria judaica,[xv] Paulo estava lidando com tradições religiosas diferentes daquelas com que estava familiarizado. Natural é que tentasse entendê-las a partir de suas categorias judaicas familiares ou das tradições gregas que conhecia. O grego Lucas, redator dos Atos, e que não estava presente em Filipos durante o episódio (Atos, 16:25),[xvi] possivelmente fez seus registros a partir das descrições de Paulo e seus companheiros. Nesse sentido, interessante são as expressões usadas pela médium. Ao mencionar o “Deus Altíssimo”, tanto poderia estar se referindo a Zeus quanto ao Deus dos judeus, visto que essa expressão também foi encontrada em inscrições votivas direcionadas à divindade grega. Também ao mencionar “caminho da salvação”, uma expressão aparentemente cristã, a jovem poderia estar se referindo a tradições gregas.[xvii] Logo, não é possível saber se o autor de Atos “traduziu” a fala da médium em termos cristãos ou se foi fiel às expressões originais. Afinal, não seria interessante para a divulgação da mensagem cristã enquadrá-la formalmente em categorias aplicáveis à filosofia e aos mistérios gregos? Ou, ao contrário, fazer isso não diminuiria a especialidade da proposta cristã trazida por Paulo em um mar de outras tradições? Quanto a isso, ainda estamos sem resposta. Todavia, em uma segunda fala da médium, registrada apenas em Paulo e Estêvão, Paulo e Silas são chamados também de “mensageiros da redenção” e “anjos do Altíssimo”, expressões de cunho mais judaico.[xviii]
Antes do contato com esse “padrão grego” de mediunidade, Paulo conhecia fenômenos semelhantes, como as profecias judaicas, os processos de libertação dos endemoninhados descritos nos Evangelhos e as manifestações do “Espírito Santo” entre as primeiras comunidades cristãs, modelos que podemos comparar com o episódio de nossa análise. Quanto às primeiras, nem sempre estavam tão distantes da prática oracular grega. Também na tradição judaica podemos destacar a consulta do rei Saul ao profeta Samuel, já morto, através de uma médium em Endor (1 Samuel, 28)[xix] e a consulta do rei Acab ao “Senhor” através do profeta Miqueias (2 Crônicas, 18), entre outras práticas semelhantes.
Interessante é que, mesmo nas ocasiões em que a consulta aos Espíritos ou a divindades foi condenada, a veracidade do fenômeno não foi negada pelos judeus. Por exemplo, uma releitura do citado episódio da consulta de Saul à pitonisa de Endor em 1 Crônicas, 10:13 deixa claro que o rei “pereceu por se ter mostrado infiel para com Iahweh: não seguira a palavra de Iahweh e, além disso, interrogara e consultara uma necromante”[xx]. Todavia, conclusões como essa indicam a rejeição gradual dessas práticas entre os judeus, pelo menos oficialmente, o que é indicado nas expressões atribuídas à médium de Filipos alguns séculos depois do episódio em Endor. Os termos originais gregos e seus correspondentes hebraicos utilizados na referência às duas mulheres e a sua prática divinatória caracterizavam “as falsas profecias e a prática da adivinhação condenada pela Lei” (conferir, por exemplo, Deuteronômio, 18:10-12, Levítico, 19:31, entre outros) e não a tradição profética judaica.[xxi]
Todavia, o próprio Kardec destacou que as condenações judaicas se referiam à adivinhação e ao comércio das consultas aos Espíritos, que muitas vezes tinham objetivos exclusivamente materiais e pueris, como em Filipos. Nesse sentido, tanto os profetas de Israel quanto o Espiritismo condenam “tudo que motivou a interdição de Moisés”.[xxii] Essa também era a opinião de Paulo, “que nunca se conformou com a mercancia dos bens celestes”,[xxiii] sobre a exploração da médium de Filipos. Ainda que não exclusivamente, a ganância pagã, que explorava comercialmente o dom pitônico, estava por trás do incômodo de Paulo.[xxiv] Essa conclusão é reforçada pela própria estrutura narrativa de Atos, que chama atenção primeiramente para o caráter comercial da tarefa, antes mesmo de apresentar a fala da médium (Atos, 16:16).
Como o próprio Paulo de Tarso demonstraria, ao lidar com as comunicações mediúnicas que viria a presenciar, a profecia judaica caminhou em outra direção:
De uma palavra buscada pelo homem, para uma palavra enviada por Deus. Da descoberta de um enigma, para a descoberta de uma missão. Da busca de segurança pessoal, para o choque com uma responsabilidade. Do interesse pessoal, para a responsabilidade frente aos demais.[xxv]
Nesse sentido, longe de negar a veracidade do episódio, Paulo agiu de forma a demonstrar as diferenças de expectativa da sua parte quanto àquilo que reconhecia como uma manifestação real do plano invisível. Se tanto o texto bíblico quanto a obra Paulo e Estêvão concordam quanto ao incômodo paulino perante a mercantilização da mediunidade, como comentamos, a obra mediúnica reforça ainda as conclusões da citação acima. Segundo Emmanuel, para Paulo:
(…) poder-se-á na Terra julgar qualquer trabalho antes de concluído? Aquele Espírito poderia falar em Deus, mas não vinha de Deus. Que fizemos para receber elogios? Dia e noite, estamos lutando contra as imperfeições de nossa alma. Jesus mandou que ensinássemos, a fim de aprendermos duramente. Não ignoras como vivo em batalha com o espinho dos desejos inferiores. Então? Seria justo aceitarmos títulos imerecidos quando o Mestre rejeitou o qualificativo de “bom”? Claro que, se aquele Espírito viesse de Jesus, outras seriam suas palavras. Estimularia nosso esforço, compreendendo nossas fraquezas.[xxvi]
Logo, diante de uma manifestação desse tipo, Paulo não poderia esperar destaque pessoal, mas ensejo à responsabilidade; não louvores e elogios injustos, mas convite à missão cristã. Em seguida, sobre a mediunidade, o Apóstolo dos Gentios nos assegura:
O Cristianismo sem o profetismo seria um corpo sem alma. Se fecharmos a porta de comunicação com a esfera do Mestre, como receber seus ensinos? Os sacerdotes são homens, os templos são de pedra. Que seria de nossa tarefa sem as luzes do plano superior? Do solo brota muito alimento, mas, apenas para o corpo; para a nutrição do espírito é necessário abrir as possibilidades de nossa alma para o Alto e contar com o amparo divino. Nesse particular, toda a nossa atividade repousa nas dádivas recebidas. Já pensaste no Cristo sem ressurreição e sem intercâmbio com os discípulos? Ninguém poderá fechar as portas que nos comunicam com o Céu. O Cristo está vivo e nunca morrerá. Conviveu com os amigos, depois do Calvário, em Jerusalém e na Galileia; trouxe uma chuva de luz e sabedoria aos cooperadores galileus, no Pentecostes; chamou-me às portas de Damasco; mandou um emissário para a libertação de Pedro, quando o generoso pescador chorava no cárcere…[xxvii]
Assim, se não podemos deduzi-las com certeza do texto bíblico, do texto de Emmanuel percebemos as relações diretas que Paulo fez do episódio com outras experiências mediúnicas de seu conhecimento. Também as manifestações do “Espírito Santo” nas reuniões fraternas das comunidades cristãs e em momentos de conversão, o segundo tipo de fenômeno semelhante conhecido pelo Apóstolo, tinham o caráter profético da instrução e do convite à vivência das Leis Divinas (Atos, 10:44, 19:6 etc.). Cabe salientar que, no entendimento espírita, a expressão “Espírito Santo” é uma referência não a uma entidade específica, mas aos diversos bons Espíritos que ampararam o Cristianismo nascente,[xxviii] ainda que não saibamos o quanto disso foi compreendido por Paulo e pelos primeiros cristãos.
Mais uma vez, para ele o fenômeno não era falso ou reprovável, e sim seu mau uso. Contudo, apenas alguns séculos depois, a leitura cristã dominante passou a enxergar a pitonisa como “histérica”, “impudica e imoral” e, naturalmente, os oráculos como demoníacos, o que é incongruente com as conclusões de Paulo e Lucas em Atos.[xxix] Porém, diante da insistência da jovem,
Fatigado com aquilo, Paulo voltou-se para o espírito, dizendo: “Em nome de Jesus Cristo, eu te ordeno que te retires dela!” E na mesma hora saiu. (Atos, 16:18)
A proximidade do episódio com os relatos de libertação de endemoninhados realizados por Jesus, o terceiro modelo de fenômeno semelhante conhecido pelo Apóstolo Tarsense, é também perceptível.[xxx] A constante repetição dos elogios através da médium indicaria certo domínio do Espírito sobre ela, como nos casos neotestamentários. Também Jesus foi reconhecido e “elogiado” por Espíritos obsessores como “filho de Deus” e “filho do Deus Altíssimo” (Marcos, 3:11, 5:7; Mateus, 8:29; Lucas, 4:11), e libertou os obsedados com ordem semelhante. Contudo, ainda que esses trechos associem manifestações semelhantes a Espíritos impuros ou demoníacos, causadores de sofrimento, doenças e loucura, no episódio de Filipos nenhum desses elementos está presente.[xxxi] A médium, ainda que compelida a louvar Paulo e Silas repetidamente, foi descrita de forma mais equilibrada que os obsedados com que Jesus lidou.
Emmanuel apresenta ainda uma descrição mais completa da fala de Paulo:
Espírito perverso, não somos anjos, somos trabalhadores em luta com as próprias fraquezas, por amor ao Evangelho; em nome de Jesus-Cristo ordeno que te retires para sempre! Proíbo-te, em nome do Senhor, estabeleceres confusão entre as criaturas, incentivando interesses mesquinhos do mundo em detrimento dos sagrados interesses de Deus![xxxii]
Esse trecho destaca novamente o segundo incômodo de Paulo, não evidente no texto bíblico, com o louvor descabido às suas virtudes. Contudo, além da condenação do uso comercial da mediunidade, a tradição profética também era contrária a esse tipo de postura. O grave equívoco da idolatria, que geralmente nos remete à adoração de outros deuses (Êxodo, 20:3), também incluía a adoração das riquezas (Oseias, 10:1-5; Mateus, 6:24), do poder (Oseias, 8:14),[xxxiii] e, naturalmente dos próprios homens. João Batista, herdeiro das tradições proféticas, ilustrou bem essa questão em sua famosa frase: “é necessário que ele cresça e eu diminua” (João, 3:30), rejeitando qualquer louvor a si mesmo em favor da figura de Jesus. Paulo recusou sua associação a anjos ao reconhecer com humildade as próprias fraquezas. Aceitar essa exaltação seria contradizer sua própria proposta, seria priorizar “interesses mesquinhos do mundo em detrimento dos sagrados interesses de Deus”.[xxxiv]
Por fim, em uma análise comparativa, destacamos que, como esperado, o texto de Emmanuel traz informações que complementam o texto bíblico. Lendo apenas a narrativa de Atos, superficialmente, o motivo do incômodo de Paulo com a postura da médium não fica explícito. Contudo, a partir das informações mediúnicas, destacam-se a comercialização da mediunidade e a idolatria aos pregadores cristãos como causas da reação paulina. Porém, como mostramos, uma leitura mais atenta já nos mostra a questão comercial como enfatizada pelo próprio texto bíblico. Ademais, toda a tradição profética, conhecida por Paulo, já oferecia elementos que o encaminhavam a uma expectativa diferente sobre manifestações desse tipo. Logo, compreendemos que as informações trazidas por Emmanuel são coerentes com o que poderíamos esperar de Paulo. Além disso, concordam inteiramente com as expectativas espíritas sobre a mediunidade. [xxxv]
Importante é frisar que, mesmo com o grande auxílio da obra Paulo e Estêvão, não podemos concluir com certeza sobre o real entendimento paulino do episódio, no que se refere à entidade manifestante e à sua ação sobre a médium. Teria ele entendido o manifestante como um Espírito, aos moldes do Espiritismo, ou como um demônio, aos moldes do pensamento judaico? Afinal, o uso da expressão “espírito”, por si só, não resolve a questão, dados seus possíveis significados à época. Mesmo suas experiências de encontro com Jesus e com outros modelos de fenômeno mediúnico não asseguram uma compreensão semelhante por Paulo. Em verdade, parece-nos que a preocupação maior de Emmanuel em sua obra gira em torno dos exemplos e da ética cristã vivenciadas pelo Apóstolo, que, naturalmente, são o mais importante. Daí a ausência de detalhes mais técnicos quando ao assunto.
Além disso, não é um problema para nós espíritas, por exemplo, identificar pensamentos diferentes do espírita nos textos bíblicos. Como a própria leitura espírita indica, cabe ao Espiritismo, enquanto Consolador Prometido por Jesus (João, 14:15 a 17 e 26), “ensinar todas as coisas” e “relembrar o que o Cristo havia dito”,[xxxvi] esclarecendo melhor, por exemplo, episódios mediúnicos como o que analisamos.
Daniel Salomão Silva
Fonte: espiritismo.net
[i] SILVA, Daniel Salomão. A Fonte Q e a origem dos evangelhos: contribuições da obra Paulo e Estêvão. Revista Reformador, FEB, n. 2310, p. 5-9, set/2021; O êxtase de Paulo de Tarso em 2Cor 12:2-4. Revista Reformador, FEB, n. 2314, p. 20-30, jan/2022; O julgamento de Jesus: contribuições da obra Há dois mil anos. Revista Reformador, FEB, n. 2322, p. 31-36, set/2022.
[ii] SILVA, Daniel Salomão. A Fonte Q e a origem dos evangelhos: contribuições da obra Paulo e Estêvão. Revista Reformador, FEB, n. 2310, p. 5-9, set/2021.
[iii] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano I: 1858. 3ª ed., Catanduva: EDICEL, 2018, junho, p. 209.
[iv] SILVA, Daniel Salomão. Como os primeiros cristãos compreenderam a ressurreição de Jesus?. Revista Reformador, FEB, n. 2324, p. 55-60, nov/2022.
[v] FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 314.
[vi] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363.
[vii] HARRIL, J. Albert. Paulo e a escravidão. In: SAMPLEY, J. Paul (org.). Paulo no mundo greco-romano: um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008, p. 514.
[viii] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363.
[ix] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 46.
[x] SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. 3. ed., Petrópolis: Vozes, 2008, p. 30 e 48 a 61.
[xi] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 57.
[xii] Idem, p. 61.
[xiii] KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento, vol. 1: história, cultura e religião no período helenístico. São Paulo: Paulus, 2005, p. 174 e 175.
[xiv] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 63.
[xv] FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 317.
[xvi] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 362.
[xvii] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 50 e 51.
[xviii] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363.
[xix] Esse episódio, oráculos e pitonisas foram citados brevemente por Kardec em alguns textos, em O Céu e o Inferno, na Revista Espírita e nas suas Instruções práticas sobre as manifestações espíritas.
[xx] Importante observar que a expressão “necromancia” se refere diretamente à adivinhação a partir da evocação dos mortos e não de divindades. Contudo, pelas breves descrições que possuímos, é difícil apontar diferenças e semelhanças substanciais. Ademais, do ponto de vista espírita, divindades também são Espíritos.
[xxi] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 48.
[xxii] KARDEC, Allan. O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo. 1. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2009, 1. p., c. 11, i. 4, p. 208.
[xxiii] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363.
[xxiv] CROSSAN, J. Dominic; REED, J. L. Em busca de Paulo: como o apóstolo de Jesus opôs o reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, 38.
[xxv] SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. 3. ed., Petrópolis: Vozes, 2008, p. 64.
[xxvi] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 364.
[xxvii] Idem.
[xxviii] Idem, 2a p., c. 4, p. 283.
[xxix] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 68.
[xxx] FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 319.
[xxxi] PRIETO, Christine. Cristianismo e paganismo: a pregação do evangelho no mundo greco-romano. São Paulo: Paulus, 2007, p. 49.
[xxxii] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363.
[xxxiii] SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. 3. ed., Petrópolis: Vozes, 2008, p. 340.
[xxxiv] XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel, 45a ed., Rio de Janeiro: FEB, 2020, 2a p., c. 6, p. 363
[xxxv] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 26; KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2008, 2. p., c. 28.
[xxxvi] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2010, c. 6, i. 4.