ESTOU NO MUNDO, MAS NÃO SOU DO MUNDO
Marcus Vinicius
Indagando Pilatos diretamente a Jesus se Ele seria o rei dos judeus, adveio a pronta resposta: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, a minha gente haveria combatido para impedir que eu caísse nas mãos dos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (João, 18:33, 36 e 37).
Essa frase, de extrema profundidade filosófica, ecoou pela atmosfera terrestre e percorreu os séculos, tendo sido objeto de profundos estudos e interpretações. Enfrentando a questão com o auxílio da Espiritualidade, Allan Kardec nela encontrou a indicação clara de que o Mestre se referia à vida futura, isto é, ao Mundo Espiritual de onde todos os Seres Espirituais procedem e para onde retornam, dando cumprimento às Leis Divinas de Progresso e de Justiça.
Apesar do Reino do Senhor não ser deste mundo, era preciso que nele estivesse para dar os impulsos necessários à mais importante reforma nos conceitos morais. Com efeito, na época os valores espirituais eram acanhados, impregnados de interesses subalternos, com largo espaço para os desvios pela porta larga dos prazeres. Certo é que ao cabo de sua missão Jesus se deixou regozijar: “Eu venci o mundo!”.
Está claro que o “mundo” a que se refere o Evangelho não é o Planeta Terra fisicamente considerado, mas o conjunto que envolve as condições morais, espirituais, éticas, jurídicas, reinantes tanto na crosta quanto em sua atmosfera, incluindo-se nele o mundo espiritual que em seu entorno gravita por força da lei de atração, e que com ele interage.
Considerando que a obra do Cristo consistia em implantar conceitos novos e adquirir adeptos da primeira hora para difundirem seu Evangelho, não poderia de pronto impor toda a verdade, até porque nem seus discípulos a entenderiam por completo. Oportunas as lições adicionais, dentre as quais destacamos as de Paulo para melhor ilustrar o tema ora desenvolvido em torno da liberdade do Espírito não só quando se cuida de ideias arraigadas, mas quando enfoca o desprendimento integral das ideologias inúteis.
Assim é que, em Gálatas (2:19) decreta: “Porque eu pela lei estou morto para a lei, para viver para Deus”. Demonstra sua liberdade de convicção, desafiando sacerdotes e autoridades que impunham a obediência cega a centenas de preceitos vetustos, que obstaculizavam a implantação da Boa Nova, que tinha por fundamento a Lei do Amor. Assim deu mais um testemunho de sua fidelidade ao Cristo, que havia declarado que não viria para destruir a lei, mas para dar-lhe cumprimento, em referência clara às Leis de Deus (Mateus, 5:17 e 18).
Estar “morto para a lei” significa que ele não a aceita mais, por haver entendido plenamente a filosofia do Cristo, libertando-se para dar-se a Deus, sem necessidade de participar de ações cerimoniosas para monstrar-Lhe sua obediência.
No versículo seguinte (Gálatas 2;20) o Apóstolo dos Gentios arremata a questão com um pronunciamento de profunda inspiração: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim. E a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”.
Extraímos de suas palavras exatamente o seguinte: estou no mundo, vivo nele, mas não pertenço mais a ele. Ele também venceu este mundo, com seus percalços e desafios, embora em situação diferenciada da do Cristo.
Em nosso entender, vencer o mundo tem conteúdo mais abrangente, pois não implica em deixar apenas a esfera física do Planeta, mas as camadas espirituais que lhe estão adjuntas. Sim, porque os Espíritos que as habitam são como nós, imperfeitos uns, mais evoluídos outros, em luta constante com suas próprias tentações. Deixar de vez o mundo, vencê-lo, é ir para os altiplanos da Espiritualidade.
No caso de Jesus, está claro que Ele nunca foi deste mundo ao dizer “Meu reino não é deste mundo”, embora as revelações espirituais confirmem ser Ele o Governador do Planeta. Espírito sublime e angélico, que administra e provê os destinos dessa nossa casa material, sede de oportunidades para transformações morais.
Por óbvio, sua condição fluídica não guarda equivalência com a nossa e não está imantado ao globo como nós ainda nos encontramos. Nem seria o caso de habitar outro planeta, porque sua estrutura espiritual dispensa reencarnação em qualquer tipo de ambiente por menos materializado que seja.
Quanto a Paulo, formado em ciências jurídicas, cumpridor da lei dos homens e fiel às imposições religiosas da época, com certeza o temos como paradigma do homem do Planeta Terra. Era, pois, do mundo, até o momento em que, resoluto, deu um importante passo à frente, desligando-se definitivamente dele. Este é o exemplo a ser seguido.
Estudando-se um pouco da biografia conhecida do Apóstolo Paulo, observa-se a luta íntima por ele travada ao longo de sua jornada. E, a partir daí, algumas pessoas poderiam indagar se teríamos todos nós de passar por dificuldades semelhantes para merecer a mesma emancipação. A resposta é bem simples: cada individualidade tem seus próprios méritos, experiências, aptidões, inclinações, e nutre disposição para reformas conscientes, que exigem meios menos ou mais dolorosos, tudo atrelado à consciência e à vontade de aceleração de seu próprio crescimento. Por isso, generalizar não se pode, mas o simples fato de se implantar a reforma de hábitos já implica em desafio que gera consequências.
O certo é que todos nós, invariavelmente, caminhamos para a regeneração. Em momento certo, deixaremos este mundo. Mas para que isso ocorra, é necessário investir na reforma dos sentimentos e na libertação dos interesses materiais, de molde a nos acostumarmos, desde já, a estarmos nele, sem sermos dele, sabido que Deus construiu o mundo para nós nos aperfeiçoarmos, mas não nos criou para ficarmos definitivamente nele. Isto porque “há muitas moradas na casa de meu Pai” (João, 13:1 a 3), cada qual preparada especialmente para servir de abrigo temporário para Espíritos que se vão evoluindo ao longo dos milênios.
Precisamos estagiar neste mundo, como já o fizemos em outros. Quando conseguirmos entender que esse abrigo material é destinado a nos proporcionar meios para nossas experiências e que, transposta essa fase outras se apresentarão para novos e superiores desafios, já não lhe teremos apego. Então, será o momento de alçar voo em direção a outros mundos, outras ideias, outros núcleos de convivência espiritual, mantendo apenas a leve recordação dos tempos idos. A evolução não tem fim, mas sua realização pode se tornar nossa meta, desde já.
Marcus Vinicius
Fonte: Espiritismo na Rede
Referências:
EVANGELHO SEGUNDO O EPIRITISMO – Allan Kardec – Tradução Guillon Ribeiro – FEB – Cap. II.
PAULO E ESTÊVÃO – pelo Espírito de Emmanuel – Psicografia de Francisco Cândido Xavier – FEB
PAULO DE TARSO – Huberto Rohden – Editora Alvorada
JESUS DE NAZARÉ- Uma narrativa da vida e das parábolas – Frederico G. Kremer – FEB, págs. 95 e 96
AOS GÁLATAS – A Carta da Redenção – L . Palhano Jr. – Publicações Lachâtre – pág. 80.