PERSONALIDADE, CARÁTER E OBSESSÃO
Marta Antunes Moura
As duas primeiras palavras podem estar relacionadas ao processo obsessivo, sobretudo na manifestação de casos mais graves (fascinação e subjugação), assim como adoção de medidas de prevenção e cura da obsessão. Ainda que o conhecimento da obsessão provocada por Espíritos desencarnados seja amplamente assinalado na literatura espírita, há escassos estudos científicos a respeito o assunto, condição favorece a disseminação dessa enfermidade de natureza espiritual. Entretanto, é válido conhecermos alguns conceitos não espíritas, a fim de que possamos refletir melhor a respeito do assunto:
Personalidade. Segundo a Medicina, é a “organização exclusiva de traços, características e modos de comportamento de um indivíduo que o posiciona diferentemente de outros indivíduos. […] Personalidade refere-se aos aspectos mentais de um indivíduo, em contraste com o físico.” (1) A Psicologia amplia o conceito quando afirma que um indivíduo é sempre distinto do outro porque apresenta diferentes aspectos físicos, psíquicos, sociais e culturais que lhe caracterizam os próprios pensamentos e comportamentos. (2)
A Doutrina Espírita ensina que a nossa personalidade atual resulta do somatório das experiências reencarnatórias passadas — de onde herdamos tendências instintivas, boas ou más; da educação recebida na atual existência e do grau de influência exercido pelo meio sociocultural, no qual estamos inserido. Esclarece também que, pelo livre arbítrio e pelo esforço da vontade, podemos nos transformar em pessoas melhores, em conhecimento e em moralidade. Neste sentido, a psicologia transpessoal, à luz do entendimento espírita, que é a difundida pelo Espírito Joanna de Ângelis, genericamente conhecida como psicologia espiritual, tem como proposta básica resgatar não só a ideia de que o Espírito é um ser imortal, pré-existente e sobrevivente à morte do corpo físico, mas criado por Deus para ser feliz. Sendo assim, esclarece a veneranda benfeitora, o Espírito precisa aprender a fazer cessar o sofrimento que impôs a si mesmo, em razão das más escolhas realizadas ao longo da jornada evolutiva. Esse entendimento é o primeiro passo, na sequência de outros: “[…] torna-se imprescindível a aquisição de uma consciência responsável […]. A educação do pensamento, a disciplina dos hábitos e a segurança de metas são recursos hábeis para o logro, sem as quais todas as terapias e técnicas se tornam paliativas, sem resultarem solucionadoras.” (3)
Caráter. Refere-se a aspectos ou habilidades presentes na personalidade, passiveis de serem transmitidos pela linguagem (falada e/ou escrita) e pelas ações de uma pessoa. (4) Tais aspectos e características nem sempre se revelam edificantes, pois resultam de longo e dedicado esforço humano. Equivocadamente utilizado como sinônimo de personalidade, o caráter fornece, na verdade, as pistas de como, efetivamente, é a natureza do indivíduo e o que ele precisa fazer vir a adquirir um bom caráter. Os especialistas e estudiosos consideram como pistas ou sinais reveladores da natureza do caráter humano: “[…] impulsos, afetos, ideias, defesas, aptidões e talentos, comportamento social e reações […].” (5)
Importa considerar, porém, que nem sempre é fácil identificar o verdadeiro caráter de uma pessoa. Por exemplo, os indivíduos interesseiros, egocêntricos e vaidosos, que pensam mais em si do que no próximo, ou os que têm sede por posições de destaque, de poder ou prestígio, conseguem habilmente disfarçar pontos negativos do próprio caráter, mesmo que, cedo ou tarde, venham a ser desmascarados. Como ilustração, inserimos em seguida uma história que foi transmitida pelo filósofo iluminista francês François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), após ele ter analisado aspectos, positivos e negativos, do caráter humano de um papa inquisidor:
Sixto V [papa e inquisidor, que viveu entre 1521-1590] nascera petulante, obstinado, soberbo, impetuoso, vingativo, arrogante. As provas do noviciado parecem ter-lhe adoçado o caráter. Mal começa a desfrutar de certo crédito em sua Ordem, lança-se contra um guardião e o cobre de socos; inquisidor em Veneza, exerce o cargo com insolência; uma vez cardeal, é possuído della rabbia papale (da ira papal); essa raiva domina seu temperamento; sepulta na obscuridade sua pessoa e seu caráter; ele se mascara de humilde e moribundo; é eleito papa: esse momento restitui à mola, que a política havia comprimido, toda a sua elasticidade por longo tempo retesada, é o mais arrogante e despótico dos soberanos. (6)
Ao final, Voltaire conclui: “A religião, a moral põem um freio à força do temperamento, mas não podem destruí-lo. O beberrão, enclausurado num convento, reduzido a beber meio copo de sidra em cada refeição não vai mais se embriagar, mas sempre vai gostar de vinho.” (6)
O Espiritismo nos mostra, ao contrário do que pensava o ilustre filósofo, que o beberrão pode, sim, “deixar de gostar de vinho”, desde que tenha se empenhado na sua reeducação, moral e intelectual. O impulso educativo é a fórmula indicada para que Espíritos imperfeitos se transformem em pessoas de bem, fazendo jus a esta sábia orientação espírita: “O verdadeiro homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade na sua maior pureza. Se interroga a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para se queixar dele, enfim, se fez aos outros tudo quanto queria que os outros lhe fizessem.” (7)
Obsessão. É definida pelas ciências de saúde como “estado mental neurótico de ter um desejo incontrolável de insistir numa ideia ou emoção. Habitualmente, o paciente está ciente da anormalidade e tenta opor resistência a esses pensamentos.”(8) O estado mental neurótico indica distúrbio ou transtorno mental capaz de provocar tensão nervosa/emocional de graduações distintas, que podem, ou não, interferir na elaboração e na expressão do pensamento racional. De acordo com a visão psicanalítica, as neuroses são fruto de tentativas ineficazes de lidar com conflitos e traumas inconscientes. (9)
Por outro lado, quando Allan Kardec explica o que é obsessão ─ “[…] o domínio que alguns Espíritos exercem sobre certas pessoas. É praticada unicamente pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar, pois os Espíritos bons não impõem nenhum constrangimento. […]” (10) ─, constata-se, então, que a mera imposição de uma ideia pode provocar tensões nervosas e emocionais na pessoa, objeto da imposição. Quem se encontra sob persistente tensão nervosa/emocional, em razão do jugo obsessivo, passa a apresentar distúrbios mentais que se refletem, no devido tempo, nas atitudes e nos comportamentos. Deduz-se, portanto, que a prevenção e a cura da obsessão envolvem, necessariamente, o fortalecimento da personalidade e do caráter. Para tanto, é necessário que o obsidiado adquira esclarecimentos a respeito de como acontece a obsessão e o que fazer para neutralizar as más influências espirituais.
O conhecimento, porém, não basta por si só. A pessoa, independentemente esteja sob jugo obsessivo, precisa aprender a praticar o bem em toda a sua extensão: no pensar, no falar e no agir, que, em última análise, representam os fundamentos da verdadeira transformação moral. A questão moral revela-se, pois, como o fator de extrema relevância no aprimoramento da personalidade e do caráter, sob quaisquer circunstâncias. Ainda mais quando a obsessão se faz presente.
Neste sentido, o espírita consciente prioriza a sua renovação moral, disponibilizando aos que batem às portas da instituição espírita o socorro espiritual do Evangelho de Jesus, revivido no Espiritismo. A renovação moral foi uma contínua preocupação de Kardec, desde os seus contatos iniciais com a mensagem espírita, como lembra Emmanuel:
O apóstolo da Codificação não desconhecia o elevado mandato relativamente aos princípios que compilava, e, por isso mesmo, desde a primeira hora, preocupou-se com os impositivos morais de que a Nova Revelação se reveste, tendo salientado que as consequências do Espiritismo se resumem em melhorar o homem e, por conseguinte, torná-lo menos infeliz, pela prática da mais pura moral evangélica.
Sabemos que a retorta não sublima o caráter e que a discussão filosófica nada tem que ver com caridade e justiça […]. Espíritos desencarnados aos milhões e em todos os graus de inteligência enxameiam o mundo, requisitando, tanto quanto os encarnados, o concurso da educação. (11)
Marta Antunes Moura
Fonte: Agenda Espírita Brasil
Referências:
(1) THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p. 1351.
(2) CABRAL, Álvaro e NICK, Eva. Dicionário técnico de Psicologia. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p. 224.
(3) FRANCO, Divaldo P. Plenitude. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 12 ed. Salvador: LEAL, 1994. Cap. 4, p.41-42.
(4) THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p. 263.
(5) CABRAL, Álvaro e NICK, Eva. Dicionário técnico de Psicologia. 11 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p.51.
(6) VOLTAIRE. Dicionário filosófco. Trad. de Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva. São Paulo: Editora Escala, 2008, p.127.
(7) KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. 4 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013, q. 918, p. 394.
(8) THOMAS, L. Clayton. (Coordenador). Dicionário médico enciclopédico taber. Trad. de Fernando Gomes do Nascimento. 17 ed. São Paulo: Manole, 2000, p.1320.
(9) http://pt.wikipedia.org/wiki/Neurose. Acesso em 22 de fevereiro de 2014.
(10) KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. 2 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013. Cap. 23, it. 237, p. 259.
(11) XAVIER, Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 1 ed. 5 imp. Brasília: FEB, 2013. Introdução (Com Jesus e por Jesus), p.14