LUTO NA INFÂNCIA – O SOFRIMENTO DA CRIANÇA
Cristiane de Carvalho Neves
Pouco se sabe sobre o luto na infância. Comumente nos perguntamos: A criança fica enlutada? Como se manifesta o luto na criança? A criança sofre pela perda como o adulto? Alguns adultos têm dificuldades em perceber a criança enquanto um ser em desenvolvimento e em um outro formato de pensar e agir no mundo. Na situação de perda por morte ou por abandono/negligência, como a criança é dependente do adulto para sua sobrevivência física e psíquica, ela tende a se sentir ameaçada ou em perigo e se pergunta: “Quem vai cuidar de mim agora?” Essa é a dimensão do luto que a criança vive, um tanto diferente da complexidade do luto adulto.
É muito importante compreendermos que a criança também vivencia o luto, pois ela sente a dor das suas perdas, e atentarmos à suas necessidades, inclusive práticas, como por exemplo, providenciar que ela continue com a sua rotina de escola, cuidados com higiene, alimentação e hora de dormir. Muitas vezes, em função de a criança manifestar sua dor de forma diferente do adulto, este entende que ela não está sofrendo, o que não é verdade! Podemos identificar sofrimento na criança quando ela se isola e evita o brincar, quando fica mais chorosa, tem pesadelos, quando luta contra o sono, quando há expressão de raiva, irritação, medo e culpa mais intensos.
Quando há um luto por morte na família, sempre orientamos a família a tratar o assunto com transparência e verdade. Contar o fato à criança de forma breve, sem detalhes dramáticos da causa da morte. Não utilizar metáforas, como por exemplo, dizer que a pessoa está descansando. Contando a verdade, você diz para a criança que é possível lidar com a morte de um ente querido, sobreviver a esta perda e que ela não está só na sua dor. Após contar para a criança sobre a perda, é muito importante deixá-la falar o que pensa e sente a respeito, assim como também, responder a qualquer outra pergunta que ela fizer. A criança acima de 4 anos, deve ser perguntada se quer ir ou não ao velório para se despedir daquela pessoa da família que morreu, e com a qual, a criança tinha apego. E não deve ser forçada a nada, por exemplo, a chegar perto do caixão.
Seja em situações de separações por morte ou temporárias, a raiva e a agressividade são reações comuns no período de luto da criança. Entretanto, ao contrário do que acreditamos, a raiva funciona no sentido de promover a ligação com a pessoa perdida. Se esta raiva for intensificada, torna-se disfuncional e isto, geralmente, acontece em crianças e adolescentes que sofreram repetidas separações e são expostos a constantes ameaças de abandono. A ameaça de perda de um vínculo afetivo gera sentimentos de ansiedade; e a perda real gera medo, tristeza e angústia. Podemos constatar que as pessoas angustiadas e medrosas, em geral, tiveram experiência familiar marcada por perdas, conflitos e a incerteza do apoio dos pais ou cuidadores.
Das situações mais amedrontadoras que podemos sentir em toda a nossa vida, a experiência de não acesso a nossa figura de apego, ou seja, não poder contar com o nosso cuidador quando criança, é a experiência que mais gera medo intenso e que fica registrada na nossa mente. Quando esta figura de apego – pai, mãe, cuidador – se encontra indisponível afetivamente, mesmo que esteja presente, a criança estará mais sujeita ao medo intenso e crônico. Portanto, essa figura de apego precisa estar disponível para proteger e confortar a criança para que ela se desenvolva saudavelmente e consiga lidar com as suas experiências de perdas.
Cristiane de Carvalho Neves
Psicóloga Especialista em Luto
Fonte: Medicina e Espiritualidade